Trêmula de nervosa, a antiga professora só
conseguiu responder:
-Você é louca! É pior que ele! Chega, desisto !
Eu vou é embora, você que se vire!
E a obesa senhora bateu a porta com toda a
força.
Damian imediatamente sobressaltou-se com o
barulho alto e repentino da pancada da
porta contra a batente e a aflição corria seu olhar, que se dirigiu para Adora
na hora, e ela pressentiu que precisava ir até ele.
Ele tremia e suas mãos se movimentavam de um
lado a outro com rapidez, e pareciam não ser um movimento muito coordenado, ao
menos ‘a primeira vista.
Adora foi até ele e lhe dirigiu um olhar doce e
um meigo sorriso e acariciou- lhe os cabelos e o rosto.
A primeira reação foi desviar-se dela e
rejeitar sua mão, mas algo lhe dizia que ali estava alguém que realmente
gostava dele. O que ele sentia ao ver aquele olhar e aquele sorriso ele não
conseguia ainda entender, mas ele não queria entender, apenas sentir.
E ele sorriu de volta. Certas comunicações não
precisam de voz para se fazerem entendidas, apenas sentimentos já bastam.
Ela via algo de tão especial, de tão profundo
naquele olhar, que sentiu que estava no caminho certo e tomara a decisão
correta!
-Você é lindo, sabia? Gostei de você! Vamos
aprender juntos, Damian! Quero muito aprender com você!
Ele desviou os olhos dos olhos dela e corou
levemente. Súbitamente, a mão dele segurou a dela, que pousava na lateral do
rosto dela, e esfregou seu rosto contra a mão dela, num gesto que primeiro a
surpreendeu e ela a princípio quis retirar a mão dali, mas ele sorria, e ela cedeu.
Ainda assim, os olhos dele não estavam fixos
nos dela, mas em outro ângulo.
A princípio, ela se magoou levemente, pois
queria correspondência de seu olhar ao dele, e teve vontade de voltar o rosto
para onde os olhos dele miravam, para que ele olhasse nos dela de novo, mas um
súbito pressentimento a aconselhou a não fazer isto.
-Tudo bem, não precisa olhar para mim se não
quiser, sem problemas, mas...você poderia soltar minha mão por favor?
Para dizer esta frase ela buscou seu tom de voz
mais meigo e doce que poderia imaginar em seu repertório, e, para a surpresa
dela ele soltou a mão dela com delicadeza. Só então olhou para ela rapidamente
de novo.
Ela percebeu de imediato; havia um pedido de
desculpas naquele olhar, um sentimento de culpa, como se ele tivesse feito
alguma coisa de errado.
Adora pensou consigo: como ele pode
comunicar-se comigo tão bem só com este olhar, deste jeito? As mensagens são tão
claras, tão límpidas , tão sinceras...
Sem perceber, ela tinha arregalado os olhos, e
imediatamente o olhar dele desviou-se de novo e mirou o chão. A cabeça baixou e
o sorriso sumiu. Os olhos estavam semi-cerrados, o que a deixou espantada
novamente, sem conseguir compreender o por quê daquela reação.Ele parecia estar
a ponto de chorar.
Com o
dedo mínimo da mão direita ela tocou no
queixo dele e levantou a cabeça dele, dizendo, sorrindo ao final:
-Ei, ei, não se culpe, você não fez nada de
mais, não fez nada de errado, por favor, fique tranquilo! Eu não deixei de
gostar de você, nunca deixarei, ok?
Ele continuou de cabeça baixa, e com as mãos,
esfregou as lágrimas que começavam a cair, e exibiu um breve e torto sorriso,
todo desengonçado, e Adora pressentiu neste gesto um grande alívio, pois ele
logo depois suspirou e levantou e baixou os ombros, ainda de cabeça baixa.
Também aliviada Adora se sentia, e ela então
lhe disse:
-Muito obrigada ! Bom, agora preciso dar minha
aula e dar atenção para o resto da classe, você compreende, não? Eu sei que
você entende o que falo, então, se quiser, não precisa me responder, ok?
Damian pareceu não esboçar reação, mas no
fundo, estava algo sentido. Não, não era bem sentido, havia uma ponta de
desilusão ali, um quê de decepção. Ele queria que a atenção dela fosse só para
ele, mas ele sabia que ela era a professora e não tinha como se dedicar só a
ele, e ele ficou ponderando como ele achava isto tão injusto.
Ela iniciou a aula dela, mas sempre que podia,
observava Damiam o quanto podia.
Mas agora ele estava muito distante dali. Ele
olhava pela janela, um certo ponto perdido no espaço , e de repente não havia
para ele ali mais nenhuma janela, mas uma vasta campina, com um belo e
resplandescente céu azul, onde, de vestido branco e seus rubros e longos
cabelos esvoaçando ao vento debaixo de um chapéu de largas abas também branco,
Adora estava embaixo da única árvore da campina e sorria para ele. Seus olhos
brilhavam.
Ele ali não estava desengonçado, sua postura
não era mais caída para a frente, a cabeça não estava mais baixa e seus olhos
também brilhavam ao sol e ele respondeu ao sorriso dela com seu sorriso, que
agora não era mais torto, mas largo e generoso.
Ele correu e ainda correndo, abaixou-se e
correu suas mãos ao solo, e belíssimas flores foram nascendo e fazendo um
rastro atrás dele, até que ele chegou perto dela.
Corado de vergonha, ele fechou uma das mãos e a
abriu novamente e agora havia uma margarida em sua mão.
Ela percebeu seu olhar e baixou a cabeça e a
virou meio de lado.
Ele então encaixou a flor na orelha direita
dela, que sorriu para ele, e quando ele apontou para um morro algo distante,
onde havia um enorme girassol.
Quando ela olhou para a flor, ao invés da
planta se virar para o sol, se virou para ela, e o sorriso de Damian apareceu
no centro da flor.
Eles correram de mãos dadas até o girassol e
debaixo dele havia um galho de árvore um tanque de areia.
Damian
então escreveu na areia:
-Sabe por que
a flor se virou para você?
-Não, Damian, por quê?
Ele apagou o escrito anterior e escreveu:
-Por que você é meu Sol !Então sou sua flor
para sorrir para você e meu sorriso se
voltará sempre para onde você for !
-Que lindo, Damian !
Adora disse e abraçou-o e ele se sentiu querido
como nunca antes...
-Damian? Damian?
Você está bem? Você estava distante, parecia meio triste, não prestou atenção
na aula toda...
A voz da Adora real o interrompeu brutalmente,
e com tanta surpresa, com tamanha rapidez, que ele teve de sair de sua fantasia
tão feliz e gostosa num átimo, e aquilo para ele foi um choque, pois estava bom
demais, dava vontade de continuar por muito mais tempo. Mas o choque maior foi
o contraste da Adora real para com a Adora imaginária, e o do contraste entre o
Damian originário e o que atuava na Realidade. Tal choque, aliado ao fato de
que detestava ter pressa e ter de sair correndo de seu Mundo Interno de
Fantasia com tanta rapidez, o revoltou. Sua cara fechou e seu olhar era emburrado.
Adora percebeu isto, mas não entendia o que
acontecera e o por quê de tal reação, e também levou certo choque, atônita.
Mas sabia que precisava reagir rápido, e sua
voz soou, meiga e doce:
-Ai, desculpe, Damian... não sei o que fiz de
errado, mas desconfio que tenha sido algo que fiz, que o machucou e eu...eu não
queria te machucar, então, por favor, desculpe, está bem? Eu quero ver você
sorrir, quero te ver feliz sempre !
Só então ela percebeu que ele rabiscava alguma
coisa no caderno dele. Com dificuldade, distinguiu uma flor, com um sorriso no
meio.
-Que linda sua flor, Damian, é para mim?
Ele corou de vergonha e baixou os olhos, mas
criou coragem, arrancou a folha do caderno e deu para ela. E fez um sinal de
sim com a cabeça.
Foi quando uma colega de Damian falou com
Adora, com olhar espantado:
-Nossa, Professora, que incrível ! Todo mundo
aqui achava que ele era incapaz de desenhar alguma coisa ! Ele nunca desenhou
nada na vida antes ! Nas aulas de Artes ele era o único que nunca desenhava
nada, por mais que se pedisse, e agora ele fez sozinho, sem ninguém pedir !
(Por continuar)