terça-feira, 31 de maio de 2016

Capítulo 28-Minissérie: Adora-Alguém como você


 
No dia seguinte, na hora da aula, Adora chegou.
Como sempre, colocou seu material alinhadinho do jeito e na organização que Damian gostava e disse:
-Damian, olha, eu tenho visto que você já tem falado até bastante coisas com a sua própria voz e tenho certeza de que você é capaz de conversar normal com qualquer pessoas que você quiser. Mas por algum motivo, prefere evitar de ficar falando. Não se preocupe, não vou ficar te perguntando o por quê, pois sei que isto te irrita. Não tem problema. Sério, tudo bem mesmo ! Você não tem obrigação de falar nada. Falar não é obrigação, você fala se você quiser e quando quiser, ok? Eu te juro que não fico brava com isto...nem vou ficar magoada...
Ela acariciava uma das mãos dele com carinho e sorria meigamente enquanto falava também carinhosamente , mas com firmeza.
Ele sorriu e escreveu:
-Eu confio em você !
-Que lindo, muito obrigada ! Então, parece que agora você deu de repetir tudo o que sua mãe fala, ela me contou. Mas eu entendo, você deve ter lá suas razões para isto.
Ele escreveu:
-Ás vezes minha mãe me irrita, então, eu a irrito também. Por que ela não me deixa quieto?
-Pois é, Damian, mas assim vocês nunca irão conversar. Como ela vai te ajudar se você não a ajudar a te ajudar?
A resposta escrita foi a seguinte:
-E para quê eu e ela precisamos ficar conversando? O que isto vai trazer de bom para mim? E por que eu precisaria de ajuda, se sou feliz como sou?
Aquela resposta foi totalmente inesperada e desconcertante para Adora ! Ela estava tão acostumada a conversar com as pessoas, e via isto com tanta naturalidade, que via falar como uma forma praticamente obrigatória de comunicação, uma condição para a inclusão na sociedade, e a ver a falta da fala como um sintoma, que para ela nem precisaria ter motivos para as pessoas conversarem entre si, simplesmente era normal, natural conversar, e se a pessoa não conversasse, ficaria esquisito, não parecia algo natural, algo normal, então...mas e se falar não fosse uma obrigação, mas um direito? Ou uma opção?
Só então ela percebeu que Damian fora buscar um livro de evolução humana no quarto ele, e ele voltou com o livro aberto numa página, onde tinha uma frase grifada, para a qual ele apontou:
“Até o advento do aparecimento do Homem de Neanderthal, os humanos pré-históricos anteriores, como os Homo erectus, ainda não sabiam falar, e usavam outros métodos de comunicação que não a fala”
A primeira reação dela foi querer responder que não estávamos mais na fase de Homo erectus faz tempo, mas conteve-se. Ela estava curiosa: como aqueles antepassados todos construíram sociedades primitivas e conviviam sente si, sem a fala? Bom, então era possível viver em sociedade sem falar e assim  se comunicar! Mas, pensou ela, se depois a fala foi inventada e começou a ser usada, é por que aparecera alguma necessidade, e que necessidade era aquela? Seria preciso se modernizar, romper limitações, evoluir? Esta seria uma explicação muito cômoda e oportuna, para justificar a naturalidade e obrigação de falar. Mas e se a verdade não estivesse nisto? Afinal, eles não sabiam que estavam evoluindo, nem que tivessem que evoluir...eles poderiam pensar assim se fôssemos nós, seres humanos modernos e civilizados, não eles. Estas coisas nem se passavam pelas cabeças deles. Então na página seguinte, ela leu que os Homens de Neanderthal foram os primeiros a criar uma religião. Agora sim as coisas começaram a se encaixar- a própria sociedade estava começando a ficar mais complexa e abstrata, e necessidades naturais surgiram para  viabilizar o triunfo da fala! Finalmente ela agora conseguia encontrar um argumento para confrontar o de Damian !
Depois de todo este tempo pensando em silêncio, ela respondeu:
-Olha, Damian, eu, você sabe, não quero , nem vou te forçar a nada. Você conversa com sua mãe, comigo, ou com quem quiser só se você quiser. Não é obrigação. É verdade que é possível usar outras formas de comunicação e viver na Sociedade sem falar, e é verdade que usar um gravador com frases pré-gravadas ou escrever, são outras maneiras de conversar sem falar, e funcionam. Eu realmente não me importo se você preferir continuar assim, não vou ficar sentida. Mas eu não vou ficar te respondendo com um gravador ou escrevendo, e sim falando, simplesmente por que já estou acostumada demais com isto.
Ele escreveu:
-Mas você não tem medo da reação das pessoas quando você fala? Tem vezes que falo e as pessoas ficam bravas comigo, e para mim, não falei nada que as pudesse ter deixado bravas, não entendo...outras vezes riem, e para mim , não parece que riem do que eu disse, mas riem de mim, isto me faz muito mal !
-Não, não tenho, por que eu posso responder para elas e mostrar que fiquei brava com elas também. Olha, Damian, mesmo o que você escreve, pode gerar reações, estas mesmas reações que você disse, do mesmo jeito, por que no fundo, você só está usando uma outra maneira de falar com elas, mas estará falando com elas  sim ! Quanto a rirem, ‘as vezes é de você mesmo, ‘as vezes é do que você falou, mas você não deveria se sentir mal, com isto, Damian, olhe nos meus olhos por favor e preste atenção no que vou te falar: Você precisa enfrentar as pessoas !

(Por continuar)

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Capítulo 27-Minissérie: Adora-Alguém como você



Ao chegar em casa, Adora pensava consigo mesmo em qual seria o próximo passo, e ela achou que talvez estivesse na hora de incentivar ele a falar mais, já que falando, ela pensou, ele poderia expressar melhor como se sentia e  dizer se ela estava fazendo algo de errado, que tivesse tornando as aulas desinteressantes, mas até pegar no sono, não lhe ocorria nenhuma idéia.
No dia seguinte, Madeleine tomava o café da manhã com  Damian, antes de ir trabalhar:
-Então, filho, está gostando das aulas com sua Professora?
O gravador soou:
-Sim !
-Que bom, fico contente, você tem progredido tanto ! Mas eu acho que agora que você já está mais adiantado, talvez seja hora de eu procurar uma nova escola para você, não dá para você continuar isolado assim de todo mundo, precisa conhecer mais gente, fazer novos amigos...
-Não !
-Mas filho, é importante você ter uma escola de verdade, fazer amigos, conhecer pessoas...ai, eu queria tanto que você parasse com este maldito gravador, e parece de ficar levando papel e caneta para todo lado e falasse direto ! Mas você só fala quando quer, quando lhe dá na cabeça...
Aquele papo estava começando a ficar aborrecido para Damian, que começava a ficar irritado.
Ele escreveu em um papel:
-Pára !
Madeleine ensaiou um choro, mas saiu da mesa, pois não queria chorar na frente dele. O sonho dele voltar a falar era muito forte, mas ele parecia não querer cumpri-lo.
Porém, não aguentou mais segurar, e disse:
-Você não consegue entender que é meu sonho você voltar a falar com frequência, ter uma conversa decente comigo? Respeite meus sonhos, poxa ! Pára de ser egoísta !
Damian escreveu em um papel:
E a senhora alguma vez já me perguntou quais são os meus sonhos? Só o sonho da senhora importa? E os meus? A senhora respeita os meus, por acaso?
Madeleine parecia ter um choque lendo aquilo. Era uma verdadeira bomba que tinha caído na cabeça dela. Ela nunca pensara que ele fosse capaz de ter seus próprios sonhos e que ele quisesse os realizar. Porém, ela interpretou aquilo como se fosse uma acusação a ela, uma agressão, e teve vontade de chorar de novo, mas como estava atrasada para o trabalho, engoliu as lágrimas e gritou:
-Ora, não enche!
E bateu a porta da sala e foi embora para o trabalho.
No horário de sempre, Adora chegou para mais uma aula, e, para sua surpresa, Damian não estava mais aéreo, e prestava atenção na aula. Ela ficou aliviada.
Na hora do lanche, na frente do Girassol, que crescia a olhos vistos, Damian foi na mesa da cozinha e escreveu mais uma mensagem e entregou-a para Adora. Ele contava sobre a conversa com a mãe e perguntava o que ela achava de ele ir para uma nova escola.
-Ah, Damian, eu acho que a sua mãe tem razão. Não podemos ficar tendo aulas na sua casa para sempre. Mas não se preocupe, para onde você for, eu me transfiro e continuarei sendo sua professora, está bem?
Agora o rosto dele se iluminou em um sorriso, e ele correu a escrever outro bilhete, que dizia o seguinte:
-Se você estiver lá, ficarei feliz ! Mas tem condições: que você escolha a escola para mim, e que a escola tenha um Girassol no quintal ! Vai ser duro para eu me acostumar, mas se tiver alguém conhecida e que gosto comigo, eu vou ficar melhor !
-Ah, Damian, Damian...tudo bem, condições aceitas, eu vou ajudar sua mãe a achar uma boa escola para você e vou ser sua professora lá, e te prometo que vai ser uma que tenha um girassol no quintal !
Para a surpresa dela, ele disse com sua própria voz:
-Sim! Sim ! Sim !
E abraçou a professora efusivamente.
Depois que a aula terminou e Adora foi embora, Madeleine chegou do trabalho.
Para variar, Damian e estava trancado no quarto dele, assistindo seus desenhos animados que ele adorava.
Ela agora estava chateada pela briguinha de antes do trabalho, e resolveu passar em uma loja, onde comprou um novo livro para o filho.
Ela apertou o botão e disse:
-Filho, já cheguei ! Eu comprei o livro que você queria, “Marino Boy” !
A luz verde acendeu, e segundos depois a porta se abriu e recolheu o livro da mão delae fechou a porta de novo.
-Ei, não vai agradecer não?
A porta se abriu e ele apareceu e falou:
-Ora, não enche !
-Não enche você, caramba! Ela disse, irritada.
-Não enche você, caramba !
Ele respondeu, e ela nem estava se dando conta de que ele estava falando usando a própria voz.
-Para de repetir o que eu falo ! Respondeu Madeleine
-Pára de repetir o que eu falo ! Respondeu Damian
-Ah, não, ninguém merece !
-Ah, não, ninguém merece !
-Isto está me irritando !
-Isto está me irritando !
-Você está brincando comigo?
-Você está brincando comigo ?
Damian seguia repetindo tudo que a mãe falava, copiando até a entonação.
Furiosa, Madeleine se trancou no quarto dela e ligou para Adora de seu celular, e contou sobre o que estava acontecendo.









A professora por alguns segundos ficou boquiaberta, e depois disse:
-Senhora Madeleine, a senhora nem percebeu, mas ele está conversando com a senhora, ele está falando direto !
-Ah, é mesmo ! Agora que você me disse, estou me tocando, é verdade ! Mas ele está repetindo exatamente tudo o que eu falo, e isto está me irritando muito, acabando com a minha paciência...
-Isto se chama Ecolalia, senhora Madeleine ! Mas pode deixar, amanhã eu vou bolar um jeito de lidar com isto !
-Espero que seja logo, senão vou ter de parar de conversar com ele, este troço é irritante demais ...
-Calma, senhora, nada se resolve da noite para o dia assim... mas farei o possível para que seja o mais rápido que for possível, te prometo !Ah, por falar nisto, hoje falei com ele, sobre voltar para a escola, e ele concordou, desde que eu escolha a escola para ele, e que a escola tenha um girassol no quintal !
-Só ele mesmo...incrível que com você ele concorda, e comigo nunca...ás vezes me dá impressão de que ele gosta mais de você do que de mim !
-Imagine, senhora, ele a ama, eu sou só uma professora para ele !
As duas então se despediram, e naquela noite, Adora ficou pensando em uma maneira de lidar com aquela ecolalia e o incentivar a formar frases inteiras e não ter mais necessidade de repetir o que as pessoas falavam.
Durante a madrugada, ela acordou com uma idéia que ela achou brilhante na cabeça, e ela ficou ansiosa para aplicar sua idéia na próxima aula !

(Por continuar)

sábado, 28 de maio de 2016

Capítulo 26-Minissérie: Adora-Alguém como você



Adora e Jeanne ficaram assombradas: não é que ele era realmente muito mais inteligente do que elas supunham que ele fosse capaz de ser?
-Parabéns, Damian, sua interpretação foi brilhante ! Foi aprovada, muito mais criativa do que a da Jeanne !
Declarou Adora, entusiasmada.
-E você mostrou um outro lado do texto que nem pensamos em abordar antes, nem tínhamos notado que existia ! Muito bem, Damian, adorei sua interpretação!
Ele respondeu para a menina no papel:
-Você não está se sentindo inferior por que a Adora acho minha interpretação melhor que a sua?
Jeanne deu um sorriso sem graça, e Adora também ficou sem graça, constrangida, mas a menina respondeu ainda assim:
-Não, Damian, não se preocupe, eu estou bem, e feliz por sua vitória. Na verdade, acho que ambas as interpretações foram só diferentes, abordando temas diferentes, pontos de vista diferentes, não há superioridade nem inferioridade nisto.
Ele respondeu de novo no papel:
-Não entendo, isto é ilógico !
As duas não puderam esconder uma risadinha agora, e Adora resolveu responder:
-Claro que é ilógico, Damian, é emocional, e nada que é emocional é lógico. Bom, acho que podemos parar um pouquinho para tomar um lanche, o que acha, Damian?
Ele se levantou da cadeira e puxou as duas pelos pulsos, com um quê de ansiedade. Saiu pela porta da cozinha e apontou para a muda de girassol.
-Ah, ele quer nos mostrar o girassol que dei de presente para ele!
Disse Adora alegremente.
Mas Jeanne recebeu a notícia de olhos baixos e cabeça abaixada também. Por dentro, ela se remoía de ciúmes ao lembrar que ela nunca dera um presente para ele, e que ele valorizada o presente de sua “rival”. El a olhava para ele e notava o olhar dele para Adora, um olhar que ela interpretou como sendo “apaixonado”.
Lágrimas caíram dos olhos dela, que não suportou mais aquilo e ela disse:
-Desculpe, Damian, não posso ficar para tomar lanche com você ! Até mais, tchau !
E Jeanne saiu correndo, chorando. Suas desconfianças em relação ‘as reais intenções de Adora para com Damian não tinham, ao menos agora, como serem provadas, mas ela temia perdê-lo para ela !
Sem ter idéia do que estivesse ocorrendo com Jeanne, completamente focada em Damian, a professora sorria e elogiou a muda, dizendo que estava crescendo rápido, e depois Damain fez questão de fazer um lanche para ela, preparando inclusive a mesa com os ingredientes, pratos, copos e talheres meticulosamente organizados.
Ele parecia muito concentrado fazendo os sanduíches, e parecia detalhista e caprichoso, diria até mesmo perfeccionista e depois a serviu com todo o cuidado.
Agora que sua interpretação tinha sido elogiada, ele se sentia melhor, mas ele estava preocupado com Jeanne, pois não esperava que ela saísse assim de repente, e ficou pensando se ele tinha feito algo de errado, se a tinha ofendido de algum modo, pois ele percebeu que ela chorara, embora ela tivesse tentado esconder.
E a tristeza dela o deixava triste.Enquanto comia, parecia distraído, com o olhar perdido, mas ele estava puxando pela memória, em detalhes, todo seu comportamento em relação a Jeanne, para ver se encontrava algum erro, algo de vergonhoso ou errado que ele tivesse cometido, e para seu exaspero, não encontrava.
Depois do lanche, eles prosseguiram nas lições de interpretação, mas ele parecia áereo, distraído, o que preocupou Adora, que começava a achar que aquelas aulas estavam começando a desinteressá-lo.
Por fim , para alívio de Damian, a aula acabou e Adora foi embora.
Ele trancou-se no seu quarto e ficou deitado em sua cama , continuando a repassar mais uma vez os acontecimentos da aula, para tentar achar algo de errado. Nem por um momento ele pensou que poderia ser uma atitude de Adora, nem que Jeanne o amasse. Nem que sua relativa falta de atenção para com ela, concentrando sua atenção em Adora, podia fazer ele perder o amor de Jeanne um dia, se ele continuasse ignorando-a.

(Por continuar)