sexta-feira, 27 de maio de 2016

Capítulo 25-Minissérie: Adorra- Alguém como você



A interpretação de Jeanne tinha sido bem convencional, calcada firmemente na Teoria da Mente , no Bom Senso e no Senso Comum, era bem fácil concordar e aprovar com ela.
Mas e a de Damian?
Quando deram por si, ele parecia nem ter prestado atenção no que Jeanne dissera, e já estava escrevendo faz tempo, e continuou escrevendo furiosamente.
-Posso ler sua resposta em voz alta, Damian?
Perguntou Adora.
Ele meneou com a cabeça em um sinal de sim, assim que terminou. Parecia ansioso por ver as reações delas ao ler o que ele escrevera.
Adora nem examinou primeiro  antes de ler, já foi lendo direto:
“...-Esta obra é machista, pois coloca a mulher em situação inferior. Primeiro a mãe , morta, depois a filha, emocionamente descontrolada, inferiorizada diante do homem protetor e guardião, que mostra a ela que ela necessita dos ensinamentos dele para ser independente , ficando clara uma relação de dominância entre os dois,colocando- se o Homem como elemento ativo e a Mulher como elemento passivo e inferior, que com seu choro , mostra sua dependência emocional dele. Assim, ela é mostrada como fraca e submissa a ele, que fica parecendo o grande benfeitor da História, e ela, a coitadinha chorosa, que não consegue suportar a dor do luto sozinha. Por outro lado, depois ele é mostrado chorando também, numa clara intenção do Autor de tentar enfraquecê-lo para que ele se ajuste ao nível inferior dela e ainda assim se mantenha superior. Além do mais, ele se coloca como se fosse pai dela, ou seja, se torna o tutor dela, o que aumenta o nível de servilismo dela para ele e ressalta a dependência total dele para ser feliz, e com isto o autor parece querer demonstrar que nenhuma mulher precisa de um homem na sua vida para ser feliz e se realizar e precisa se sentir protegida, pois é incapaz de ser independente sozinha. Além disto , é altamente suspeito um homem velho abraçar uma garota jovem e querer ser pai dela e quem garante quais são as reais intenções dele para com ela? O que ele poderá fazer com ela quando estiverem sozinhos, entre quatro pareces, sem ninguém estar olhando? Sem falar que se a atitude de abraçar é dela, pode ser interpretado como ela se oferecendo para ele e concedendo o abuso, afinal, se ela está submissa a ele, ela está sujeita a todo tipo de manipulação e abuso. Agora analisando do ponto de vista histórico: até existiram mulheres piratas, poucas, mas nenhuma chegou a Capitã e nenhuma teve ajuda de um mestre homem para ensiná-las a serem piratas, então o texto é inverossímil !...”
Perplexas, surpresas, Adora e Jeanne ficaram olhando uma para a cara da outra, com olhos arregalados, sem acreditar no que ouviram !  Ele fizera uma crítica feminista ao texto, e social também, e depois colocou tudo num contexto histórico e...nem uma palavra sobre emoções, sobre sofrimento, sobre a beleza  e sentimentalismo da cena. Ao contrário, considerou a emoção uma fraqueza, um defeito, e mostrou que buscara lógica e racionalidade em um texto emotivo. E pré-julgou também. Mas o que mais chocou nem era isto, apesar disto ter sido um tanto inesperado. O chocante para elas era : Como ele poderia ter conseguido, ainda mais assim, de improviso, escrever algo tão complexo, que elas julgavam estar fora do alcance dele? Se escrever sobre feminismo, relações sociais de opressão e dominância era complexo para pessoas não autistas, e exigiam muito estudo, como podia ele dominar aquilo tão bem?
Depois de um sorriso amarelo e torto, sem graça, Adora,  ao se recuperar, disse:
-Muito bem, Damian, bastante peculiar a sua interpretação, porém há algumas coisas que você disse das quais discordo.
Damian ficou nervoso, ansioso, ele não estava recebendo a aprovação que ele esperava.
-Jeanne, não sei se você notou, mas ele não se colocou em nenhum monto no lugar de nenhum dos personagens, e não demonstrou nenhuma empatia...
A menina pensou um pouco, leu o que ele escreveu, e respondeu:
-Não, Professora, eu acho que a senhora desta vez está enganada, e se deixou levar pelas aparências. Ele se colocou no lugar da June sim, mas de outra maneira. Na verdade ele  a interpretou como colocada num patamar inferior no relacionamento com Harry, e tomou as doeres dela, se imaginando estar na mesma situação inferiorizante, não nos esqueçamos que ele é filho, ainda é financeiramente dependente da mãe e portanto tem com ela um relacionamento desigual, de dominadora e dominado, de opressora e oprimido, uma vez que ele não deve gostar de ter de obedecer ordens dela, o orgulho pessoal dele. Ele colocou os sentimentos dele no relacionamento dele com a mãe dele, na June,colocando-se do lado que ele considerou o mais fraco e mais frágil,e colocou seus próprios sentimentos nela,é uma abordagem diferente da Teoria da Mente, projetando a si mesmo na outra pessoa !E, se solidarizando com este sentimento, este complexo de inferioridade, ele demonstrou empatia por ela, de outra forma, vendo de outro ãngulo, em que não prestamos atenção !
Adora estava boquiaberta, e bateu com o punho na testa, dizendo:
-Mas como não pensei nisto antes? É verdade, você tem razão! Mas como ele aprendeu sobre feminismo e relações sociais assim? Você saberia me dizer , Damian?
Ele escreveu em mais uma folha de papel:
-Muitas vezes prestei atenção nas conversas da minha mãe com as amigas dela, e elas falavam muito destas coisas. Então fiquei só observando e aprendendo.

(Por continuar)

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