No dia seguinte, na hora da aula, Adora chegou.
Como sempre, colocou seu material alinhadinho
do jeito e na organização que Damian gostava e disse:
-Damian, olha, eu tenho visto que você já tem
falado até bastante coisas com a sua própria voz e tenho certeza de que você é
capaz de conversar normal com qualquer pessoas que você quiser. Mas por algum
motivo, prefere evitar de ficar falando. Não se preocupe, não vou ficar te
perguntando o por quê, pois sei que isto te irrita. Não tem problema. Sério,
tudo bem mesmo ! Você não tem obrigação de falar nada. Falar não é obrigação,
você fala se você quiser e quando quiser, ok? Eu te juro que não fico brava com
isto...nem vou ficar magoada...
Ela acariciava uma das mãos dele com carinho e
sorria meigamente enquanto falava também carinhosamente , mas com firmeza.
Ele sorriu e escreveu:
-Eu confio em você !
-Que lindo, muito obrigada ! Então, parece que
agora você deu de repetir tudo o que sua mãe fala, ela me contou. Mas eu
entendo, você deve ter lá suas razões para isto.
Ele escreveu:
-Ás vezes minha mãe me irrita, então, eu a
irrito também. Por que ela não me deixa quieto?
-Pois é, Damian, mas assim vocês nunca irão
conversar. Como ela vai te ajudar se você não a ajudar a te ajudar?
A resposta escrita foi a seguinte:
-E para quê eu e ela precisamos ficar
conversando? O que isto vai trazer de bom para mim? E por que eu precisaria de
ajuda, se sou feliz como sou?
Aquela resposta foi totalmente inesperada e
desconcertante para Adora ! Ela estava tão acostumada a conversar com as
pessoas, e via isto com tanta naturalidade, que via falar como uma forma
praticamente obrigatória de comunicação, uma condição para a inclusão na
sociedade, e a ver a falta da fala como um sintoma, que para ela nem precisaria
ter motivos para as pessoas conversarem entre si, simplesmente era normal,
natural conversar, e se a pessoa não conversasse, ficaria esquisito, não
parecia algo natural, algo normal, então...mas e se falar não fosse uma
obrigação, mas um direito? Ou uma opção?
Só então ela percebeu que Damian fora buscar um
livro de evolução humana no quarto ele, e ele voltou com o livro aberto numa
página, onde tinha uma frase grifada, para a qual ele apontou:
“Até o advento do aparecimento do Homem de Neanderthal,
os humanos pré-históricos anteriores, como os Homo erectus, ainda não sabiam
falar, e usavam outros métodos de comunicação que não a fala”
A primeira reação dela foi querer responder que
não estávamos mais na fase de Homo erectus faz tempo, mas conteve-se. Ela
estava curiosa: como aqueles antepassados todos construíram sociedades
primitivas e conviviam sente si, sem a fala? Bom, então era possível viver em sociedade
sem falar e assim se comunicar! Mas,
pensou ela, se depois a fala foi inventada e começou a ser usada, é por que
aparecera alguma necessidade, e que necessidade era aquela? Seria preciso se
modernizar, romper limitações, evoluir? Esta seria uma explicação muito cômoda
e oportuna, para justificar a naturalidade e obrigação de falar. Mas e se a
verdade não estivesse nisto? Afinal, eles não sabiam que estavam evoluindo, nem
que tivessem que evoluir...eles poderiam pensar assim se fôssemos nós, seres
humanos modernos e civilizados, não eles. Estas coisas nem se passavam pelas
cabeças deles. Então na página seguinte, ela leu que os Homens de Neanderthal
foram os primeiros a criar uma religião. Agora sim as coisas começaram a se
encaixar- a própria sociedade estava começando a ficar mais complexa e
abstrata, e necessidades naturais surgiram para
viabilizar o triunfo da fala! Finalmente ela agora conseguia encontrar
um argumento para confrontar o de Damian !
Depois de todo este tempo pensando em silêncio,
ela respondeu:
-Olha, Damian, eu, você sabe, não quero , nem
vou te forçar a nada. Você conversa com sua mãe, comigo, ou com quem quiser só
se você quiser. Não é obrigação. É verdade que é possível usar outras formas de
comunicação e viver na Sociedade sem falar, e é verdade que usar um gravador
com frases pré-gravadas ou escrever, são outras maneiras de conversar sem
falar, e funcionam. Eu realmente não me importo se você preferir continuar
assim, não vou ficar sentida. Mas eu não vou ficar te respondendo com um
gravador ou escrevendo, e sim falando, simplesmente por que já estou acostumada
demais com isto.
Ele escreveu:
-Mas você não tem medo da reação das pessoas
quando você fala? Tem vezes que falo e as pessoas ficam bravas comigo, e para
mim, não falei nada que as pudesse ter deixado bravas, não entendo...outras
vezes riem, e para mim , não parece que riem do que eu disse, mas riem de mim,
isto me faz muito mal !
-Não, não tenho, por que eu posso responder
para elas e mostrar que fiquei brava com elas também. Olha, Damian, mesmo o que
você escreve, pode gerar reações, estas mesmas reações que você disse, do mesmo
jeito, por que no fundo, você só está usando uma outra maneira de falar com
elas, mas estará falando com elas sim !
Quanto a rirem, ‘as vezes é de você mesmo, ‘as vezes é do que você falou, mas
você não deveria se sentir mal, com isto, Damian, olhe nos meus olhos por favor
e preste atenção no que vou te falar: Você precisa enfrentar as pessoas !
(Por continuar)
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