E foi testemunha do que ele disse ao rapaz.
-Ei, vocês aí, o que estão fazendo?
-Ele me agrediu e foi para a Diretoria, e a
Diretora expulsou ele da escola, mas ele não quer aceitar e já avisamos que se
ele continuar insistindo, ele vai apanhar feio !Mas ele parece burro e não
entendeu nada !
-Vocês deveriam ter vergonha do que estão fazendo
! Querer bater nele e agir desta maneira preconceituosa contra ele !Ai, não,
ele está sangrando !
As unhas da Diretora, no tapa, cortaram a pele
do rosto de Damian, e fios de sangue corriam pela face direita.
-Ficou com dó, mocinha? Leva seu namoradinho
para casa, leva !
E os quatro gargalharam na cara dela.
-Vem, Damian, eu vou cuidar de você, deixa
estes monstros para lá... a gente não deve ficar onde não gostam da gente!
Damian de início resistiu, mas o tom de voz
carinhoso e o olhar meigo dela para ele acabaram convencendo-o, e ele foi com
ela, que estava de mãos dadas com ele.
Neste meio tempo, porém, a Diretora ligou para
a mãe de Damian e contou a versão dela do ocorrido e explicou que ele estava
expulso e ela precisaria arranjar outra escola, e que ele estava a caminho de
casa.
A mãe dele ficou arrasada, e colocou as mãos no
rosto e chorou.
-Ai, filho, filho, por que você faz estas
coisas...Damian...
Ela dizia para si mesma.
E não havia quem a confortasse. Seu marido há
muito não aceitara o Autismo do filho e se divorciou dela e ela tentava criá-lo
sozinha.
Só então ela olhou o relógio, e percebeu que,
naquele horário, ele já deveria ter chegado em casa. Ela ligou para a escola e
disseram que o ônibus escolar já tinha passado, e que Damian não tinha sido
visto entrando no ônibus, ou seja, ele perdera a condução.
Agora bateu-lhe um desespero profundo e ela
imaginou que ele estaria perambulando sozinho pelas ruas da cidade, que poderia
ter sido atropelado, mil coisas terríveis, mil tragédias passaram-se pela sua
cabeça, e ela correu para a garagem e entrou no seu pequeno carro, e saiu cantando pneus em busca
do filho!
Mas Damian não corria perigo. Ele chegara na
casa de Jeane, onde ela limpou o ferimento, passou um spray desinfetante e
cicatrizante e colocou um band aid no ferimento.
O olhar de raiva dos olhos dele tinham passado
e agora eram de mágoa e tristeza profundas.
-Não fica assim não, Damian, olha, tudo vai dar
certo, você vai ver...
Jeane tentava consolá-lo e acariciava o lado do
rosto que não fora machucado, e lágrimas caíam de seus olhos.
Repentinamente, ele a abraçou e chorou em seu
ombro.
Inicialmente, pega de surpresa , ela se
assustou e fez menção de desvencilhar-se, pois o abraço fora muito forte, e seu
busto se comprimiu fortemente contra o peito dele, e ela desconfiou que ele
estivesse com alguma intenção sexual para com ela, mas ao ouvir o choro dele,
ela se sentiu confiante outra vez e viu
que ali não havia malícia , nem más intenções e que era um abraço honesto e
sincero e deixou-se abraçar, e acariciou as costas e o cabelo dele.
Ela acabou por chorar também, pois percebia que
ele sofria, mas não tinha idéia da causa real.
Na verdade, ele não chorava exatamente por ter
sido expulso da escola, pelo que fizeram com Adora, pelo bullying sofrido,
diretamente, apenas indiretamente. Na raiz de seu sofrimento estava a
perspectiva de não poder mais ir visitar o Girassol, que lhe era tão
importante, e também, a perspectiva de não poder mais ver Adora, e as incertezas de uma nova escola.
Vinham-lhe ‘a mente todo um passado de bullying escolar diário e sistemático,
de uma coleção de profundos traumas, de tantas rejeições sofridas, de tanta
gente afastando-se dele, mesmo algumas no passado de quem tinha gostado e se
apegado e com as quais se decepcionara. Mas as palavras do Professor de
Educação Física e as dos pais dos agressores e da Diretora ficaram gravados em
sua mente, e mais cedo ou mais tarde, cobrariam seu preço em sofrimento, ele
sabia muito bem disto, mas naquele momento, a preocupação dele era outra. A
ficha do que acontecera só iria cair mais para a frente.
Ele queria voltar, na sua imaginação, para a
campina da árvore e do girassol, mas não conseguia, e suas tentativas
frustradas de ir para lá lhe angustiavam e lhe pesavam no coração. Odiava a
realidade que vivia, e nem por um momento lembrou-se de que já deveria estar em
casa há muito tempo e que sua mãe deveria estar preocupada.
O abraço finalmente se desfez, e Jeane fez um
lanchinho para Damian, quando ela viu um papel saindo do bolso da camisa dele.
Era um número de telefone, um cuidado
preventivo que a mãe dele tinha caso ele se perdesse, que mostrasse o número
para que alguém ligasse em casa e ela pudesse ir busca-lo.
Então ela tentou ligar naquele número de
celular.
Neste meio tempo, a mãe dele já tinha ido na
escola, revirado a ela inteira, não acreditando em todo mundo dizendo que ele
não estava lá e não o encontrara, e ela estava dentro do carro, com o motor
ligado, desesperada, sem saber para onde ir agora, quando seu celular tocou:
-Alô ! Ela disse, quase gritando.
-A senhora é a mãe do Damian?
Ela suou frio, já esperada pelo pior, e seu
coração se acelerou quase até a taquicardia!
(Por continuar)
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