-Eu sei que um dia no futuro
eu posso até ter de enfrentar uma situação destas, porém, não dá para
conjecturar com precisão sobre uma hipótese ainda não vivida, Pai !
-Sei, sei , espertinha, está
preferindo escapar por uma resposta evasiva para não ter de enfrentar a
questão!
Disse Kazuo, com um leve
sorriso no rosto, cheio de auto confiança.
Lune enrubesceu pois sabia
que o pai dela estava certo, e que ela errara subestimando a inteligência dele.
-Você certamente já deve ter
ouvido falar em “Teoria da Mente”, não, filha? A capacidade das pessoas de se
colocarem no lugar das outras?
-Sim, eu tenho isto, uso
muito, vivo fazendo isto, pai...
-Sim, tem e faz uso, então
por que não responde a questão que propus a você?
Agora Lune estava encurralada
e acuada em um canto e seu sentimento de inferioridade gritava enquanto seu
cérebro parecia ter ligado um turbo e acelerava a milhares de rotações por
minuto!
O mais angustiante era não
ter o tempo desejado e necessário para pensar com calma e detalhes, e era um
dos motivos pelos quais Lune não gostava de ter longos diálogos com as pessoas
que não os propostos por ela- era jogo rápido e odiava ter de improvisar,
responder de qualquer jeito, sem pensar muito antes! Mas para sua salvação, uma
inspiração lhe ocorreu de repente e ela decidiu usá-la:
-É muito diferente se colocar
no lugar da pessoa imaginando como ela pensa e vê a situação, e se colocar no
lugar da pessoa imaginando a situação dela com o nosso modo de pensar e ver as
coisas. No primeiro caso a chance de errar é grande, por que a gente nunca
conhece a pessoa tão bem quanto a gente pensa que conhece, pois não temos como
estar dentro da mente dela. No segundo caso, a chance de errar também é grande,
pois não estaremos nos sentindo como ela se sentiria na situação dela, mas como nós nos
sentiríamos.
-Se te questionei o que você
faria se você tivesse uma filha como você, está claro que se trata da segunda
situação, filha. Não é uma questão tipo “ o que eu faria se fosse você”...pare
de enrolar e tentar desviar o assunto , Lune-san, eu sei que você é
perfeitamente capaz de responder esta questão; pensa que não sei que você só
usa sua Teoria da Mente quando isto lhe favorece, lhe agrada ou quando quer? E
não faça esta carinha, não há por que se sentir inferiorizada em relação a seu
pai, afinal eu tenho sessenta anos de idade e você tem dezoito, e ainda tem
muito a aprender; não tanto em termos de conhecimentos, mas em matéria de
experiências de vida ! Você precisa deixar um pouco de ser tão maquiavélica e
passar a usar a Teoria da Mente quando ela te coloca em uma situação difícil e
dolorosa. Filha, deixe-me te dizer uma coisa: nenhuma Teoria da Mente é
realmente válida se você não se colocar no lugar dos outros para sentir a dor
dos outros, a dor, a raiva, a frustração , a angústia, a tristeza e até a
depressão dos outros, e todos os sentimentos negativos que as pessoas sentem em
tantas situações na vida. Veja que meu objetivo não é lhe inferiorizar, te
chamar de burra, nem te fazer se sentir culpada por seus atos, mesmo por que
sei muito bem que você já se sente. Então deixe seu orgulho para lá, é bobagem
você ficar procurando uma alternativa para tentar escapar das minhas
conclusões, entenda que não estou tentando te manobrar nem manipular, nem tenho
a mínima intenção de vencer o debate como você tem, minha única intenção é te
ensinar, te ensinar mais sobre a vida e a compreender melhor as pessoas,
estimulando-a a se colocar no lugar da dor das outras pessoas, fazer da dor do
outro sua própria dor para então reavaliar como você vê as outras pessoas e
seus próprios atos...
Os olhos de Lune baixaram,
então se fecharam, e um rictus de exaspero contorceu seu rosto de traços
delicados, e por fim, as lágrimas rolaram.
Ela simplesmente não
conseguia falar e abraçou o pai, que acariciou suas costas e cabelos com
carinho.
-Não precisa falar nada,
filha...suas lágrimas já foram a resposta...vai lá conversar com sua mãe,
vai....
Lune saiu do quarto e correu
para o quarto dos pais, e abriu a porta com estardalhaço, e correu novamente de
braços abertos e abraçou Momiji,
espantada com a chegada repentina.
-Desculpe, mãezinha, me
perdoaaaa...
Ao ver as lágrimas da filha,
as de Momiji também desabaram pesadamente e ela correspondeu ao abraço com
ternura. Toda a mágoa, toda a angústia, o desespero, a impotência se dissiparam
como num passe de mágica.
Foram momentos emocionantes
que pareciam durar uma vida, e que ambas nunca mais se esqueceriam !
Ambos os olhares eram meigos,
ternos e cheios de amor uma para a outra.
-Obrigada, filhinha, eu
precisava tanto disto...muito obrigada ! Você me conhece, sabe que eu sou
rígida, brava, mas tenho coração de manteiga, eu nunca deixei de te perdoar e
não iria ser agora...
-E eu sou orgulhosa,
convencida e grossa, e preciso aprender a perdoá-la também...me ensina, mamãe?
-O que é que nesta vida não
te ensino, minha filha? Mas fica difícil, você já sabe tanto...na verdade o que
você me pediu, você já sabe, só falta usar mais...
(Por continuar)
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