sábado, 12 de setembro de 2015

Episódio 45- Sensibilidade de Viver:Interlúdio ETP



-Eu sei que um dia no futuro eu posso até ter de enfrentar uma situação destas, porém, não dá para conjecturar com precisão sobre uma hipótese ainda não vivida, Pai !
-Sei, sei , espertinha, está preferindo escapar por uma resposta evasiva para não ter de enfrentar a questão!
Disse Kazuo, com um leve sorriso no rosto, cheio de auto confiança.
Lune enrubesceu pois sabia que o pai dela estava certo, e que ela errara subestimando a inteligência dele.
-Você certamente já deve ter ouvido falar em “Teoria da Mente”, não, filha? A capacidade das pessoas de se colocarem no lugar das outras?
-Sim, eu tenho isto, uso muito, vivo fazendo isto, pai...
-Sim, tem e faz uso, então por que não responde a questão que propus a você?
Agora Lune estava encurralada e acuada em um canto e seu sentimento de inferioridade gritava enquanto seu cérebro parecia ter ligado um turbo e acelerava a milhares de rotações por minuto!
O mais angustiante era não ter o tempo desejado e necessário para pensar com calma e detalhes, e era um dos motivos pelos quais Lune não gostava de ter longos diálogos com as pessoas que não os propostos por ela- era jogo rápido e odiava ter de improvisar, responder de qualquer jeito, sem pensar muito antes! Mas para sua salvação, uma inspiração lhe ocorreu de repente e ela decidiu usá-la:
-É muito diferente se colocar no lugar da pessoa imaginando como ela pensa e vê a situação, e se colocar no lugar da pessoa imaginando a situação dela com o nosso modo de pensar e ver as coisas. No primeiro caso a chance de errar é grande, por que a gente nunca conhece a pessoa tão bem quanto a gente pensa que conhece, pois não temos como estar dentro da mente dela. No segundo caso, a chance de errar também é grande, pois não estaremos nos sentindo como ela se sentiria  na situação dela, mas como nós nos sentiríamos.
-Se te questionei o que você faria se você tivesse uma filha como você, está claro que se trata da segunda situação, filha. Não é uma questão tipo “ o que eu faria se fosse você”...pare de enrolar e tentar desviar o assunto , Lune-san, eu sei que você é perfeitamente capaz de responder esta questão; pensa que não sei que você só usa sua Teoria da Mente quando isto lhe favorece, lhe agrada ou quando quer? E não faça esta carinha, não há por que se sentir inferiorizada em relação a seu pai, afinal eu tenho sessenta anos de idade e você tem dezoito, e ainda tem muito a aprender; não tanto em termos de conhecimentos, mas em matéria de experiências de vida ! Você precisa deixar um pouco de ser tão maquiavélica e passar a usar a Teoria da Mente quando ela te coloca em uma situação difícil e dolorosa. Filha, deixe-me te dizer uma coisa: nenhuma Teoria da Mente é realmente válida se você não se colocar no lugar dos outros para sentir a dor dos outros, a dor, a raiva, a frustração , a angústia, a tristeza e até a depressão dos outros, e todos os sentimentos negativos que as pessoas sentem em tantas situações na vida. Veja que meu objetivo não é lhe inferiorizar, te chamar de burra, nem te fazer se sentir culpada por seus atos, mesmo por que sei muito bem que você já se sente. Então deixe seu orgulho para lá, é bobagem você ficar procurando uma alternativa para tentar escapar das minhas conclusões, entenda que não estou tentando te manobrar nem manipular, nem tenho a mínima intenção de vencer o debate como você tem, minha única intenção é te ensinar, te ensinar mais sobre a vida e a compreender melhor as pessoas, estimulando-a a se colocar no lugar da dor das outras pessoas, fazer da dor do outro sua própria dor para então reavaliar como você vê as outras pessoas e seus próprios atos...
Os olhos de Lune baixaram, então se fecharam, e um rictus de exaspero contorceu seu rosto de traços delicados, e por fim, as lágrimas rolaram.
Ela simplesmente não conseguia falar e abraçou o pai, que acariciou suas costas e cabelos com carinho.
-Não precisa falar nada, filha...suas lágrimas já foram a resposta...vai lá conversar com sua mãe, vai....
Lune saiu do quarto e correu para o quarto dos pais, e abriu a porta com estardalhaço, e correu novamente de braços abertos e abraçou  Momiji, espantada com a chegada repentina.
-Desculpe, mãezinha, me perdoaaaa...
Ao ver as lágrimas da filha, as de Momiji também desabaram pesadamente e ela correspondeu ao abraço com ternura. Toda a mágoa, toda a angústia, o desespero, a impotência se dissiparam como num passe de mágica.
Foram momentos emocionantes que pareciam durar uma vida, e que ambas nunca mais se esqueceriam !
Ambos os olhares eram meigos, ternos e cheios de amor uma para a outra.
-Obrigada, filhinha, eu precisava tanto disto...muito obrigada ! Você me conhece, sabe que eu sou rígida, brava, mas tenho coração de manteiga, eu nunca deixei de te perdoar e não iria ser agora...
-E eu sou orgulhosa, convencida e grossa, e preciso aprender a perdoá-la também...me ensina, mamãe?
-O que é que nesta vida não te ensino, minha filha? Mas fica difícil, você já sabe tanto...na verdade o que você me pediu, você já sabe, só falta usar mais...

(Por continuar)

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