Ele não conseguia
mais se localizar , se vivia a realidade, um pesadelo tenebroso do qual não
conseguia acordar, ou se delirava em devaneios malucos e sem sentido, a própria
visão se turvava, e por vezes, nem distinguir se seus olhos estavam abertos ou
fechados ele conseguia !
E o frio? Aquele
ambiente era gélico como o próprio Polo Norte ! Nunca sentira tanto frio na
vida, e por vezes ele tremia de o que lhe parecia uma febra mortal, que as
aspirinas que ele achara em uma gaveta não lhe conseguiam aliviar. Achara um
termômetro, mas com sua visão turva e escurecida, não conseguia interpretar os
números direito. E ele tremia tanto que não conseguia manter objetos segurados
nas mãos !
Fora dores
musculares em espasmos horríveis por todo o corpo , numa tortura tonitruante !
Havia um calendário
na cozinha, mas aquilo não mais lhe fazia sentido e acabou por parar de riscar
os dias que se passavam ali.
Ele mesmo não
sabia como ainda estava vivo, se o ar a cada dia mais rareava, e mais rarefeito
ficava.
Passados dias, não
se dava mais conta de seus tremores e dores, parecia simplesmente ignorá-los,
mas o frio atroz-ah, deste ele não se esquecia !
Porém, até a isto
acabou se acostumando.
Em um átimo de consciência,
conseguiu entender o que estava escrito em um livro de medicina encontrado com um
dos mortos, que falava dos efeitos da narcolepsia por falta de oxigênio, em que
a pessoa sufocada e com dificuldades para respirar e com ar insuficiente,
levava a temerários delírios.
Mas fora só um
rompante: o horror da consciência de que os delírios narcopleticos seriam o
último estágio antes da morte o deixava em pãnico !
Sim, sim, seu
instinto de sobrevivência ainda funcionava, apesar de sua mente atormentada em
meio a sofrimentos torturantes e de preocupações sem fim, não tinha
paz...haveria alguma esperança afinal?
Não, ele não
queria estar ali...queria estar na sua casa de campo, de sua família, nos
campos verdejantes do Vale do Loire !
Então se lembrou
de sua falecida esposa, que morrera pouco antes da guerra, quando esperava sua
filha tão amada, e desejada, mas mãe e filha faleceram durante o parto, e Terése
nunca chegara a nascer. Lembrou-se do funeral de Letice , sua esposa , tão
jovem, tão jovem, e Terése, como chorou, como chorou...
Aos prantos com
suas lembranças, ainda com as cenas do acolhimento de seus pais a ele após a
morte de esposa e filha, Qual fantasma Bertrand percorria os corredores, e
então reparou em um dos cadáveres ali:
Sim, era uma
menininha, de não mais do que oito anos, tão linda, tão linda, ainda de
vestidinho delicado e colorido.
Seu semblante era
sereno e ela falecera agarrada a um ursinho de pelúcia, e diante dela Bertrand
chorou seu pranto copioso, ajoelhado, chorou tão profundamente que se
transformara em uivos, que ressoavam pelo que restava do navio!
Desolado, ele sentia
o luto por aquela menininha, era como se tivesse perdido sua filha pela segunda
vez!
Em sua mente,
ressoava sem parar:” -Poderia ter sido minha filha ! Poderia ser ela!É tão
parecida com o que eu imaginava que ela ficaria com esta idade...”
Então, de súbito,
ouviu uma voz. Era uma voz aguda, de criança.
-Por que choras?
-Estarei eu louco?
Ouvindo vozes? Falando sozinho?
-Estou aqui com
você...
E ele sentiu um
toque de uma mão de criança, bem delicada, em seu ombro.
Não era possível !
Era tão real !
-Não, não sou ela,
sei o que você está pensando, nem sou sua filha que você perdeu. Mas se quiser,
posso ficar no lugar dela e te chamar de pai, se isso te conforta...
Bertrand estav a
gora todo arrepiado, em pãnico, apavorado ! Seria ela um fantasma?
Ele nem respondeu.
Entrou em um
escritório onde achou o último manifesto de passageiros do navio, ou seja a
lista, e que continha também todos os nomes dos tripulantes e as idades.
E não havia
nenhuma criança, muito menos uma menina ali ! Como poderia?Como?
Ele voltou ao
cadáver da menina, e tocou nele.Sim, lhe parecia real, havia a sensação tátil
de pele de gente morta, endurecida e o cheiro também. Até a temperatura da pele
era de uma morta, mas como isto seria possível?
-Não, ela não era
uma clandestina também, ah, e aqui, aqui o tempo não existe !
(Por Continuar)
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