sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Episódio 11-(Minissérie) Eternidade


Episodio 11: Solidão



O Sol nascera na grande cidade e ninguém percebera.O Céu estava sem nuvens, mas o frio era intenso.O vento navalhino  corria pelos corredores das grandes avenidas vazias, parecia que todos tinham deixado aquele lugar.
Não encontrava ali nenhuma viva´lma. Era um dia fantasmagórico de feriado, e ate´o ar  parecia parado nos becos, onde o vento não entrava.Parecia apenas um mundo sujo, frio, sem sentido.Nem sequer os pequenos animais urbanos perambulavam pela urbanidade.Tudo parecia perene e eterno.
O vento carregava pequenos pedaços de esperança e as folhas de alguma arvore espiralavam em frenética dança.
O mesmo vento fazia oscilarem os cabelos de Uthuu, andando tropegamente pelas avenidas desertas.A menina estava como sempre aos farrapos, tremendo de frio.Depois de tanto esforço para evitar os dentes baterem, os músculos do rosto tinham-se exaurido,e os dentes batiam numa dança tonitruante,trepidando com violência, em um ritmo sinistro que fazia intensa harmonia com os calafrios e o tremor do corpo inteiro.
Uthuu não conseguia mais pensar, e seus músculos cansados estavam rijos, e arroxeados.Ela mal enxergava, e a fome intensa mitigava qualquer esperança  de um esforço maior.
Não havia mais arco íris no Céu.
Uthuu não queria ir as estações de metrô, pois lá poderiam haver guardas, ou mendigos tarados, e ela poderia ser estuprada ainda mais uma vez.
A menina tinha só a morte como companheira,que parecia apenas aguardar ela fechar os olhos para finalmente leva-la consigo.
Sentia que não faria a menor falta ao mundo, que ninguém jamais notaria sua presença.Normalmente, entre tanta gente, em meio as multidões dos dias normais, ela estava sempre sozinha, consigo mesma,e não conhecia a ninguém.Só dirigia a palavra a quem quer que fosse para pedir um prato de comida ou uma esmola.
Mas não havia ninguém para pedir nada.
Não havia nada, só via um branco, nada tinha significado algum, não sabia sequer se vivia ou sonhava, não havia mais consciência sequer de si mesma, e ate´a dor nas juntas  de todo o corpo ela ignorava, enquanto o vento cruel lhe lanhava o corpo todo como em chibatadas.
Finalmente chegara ao parque da cidade, com suas alamedas  de jardins e arvores outrora frondosas, agora de galhadas nuas devido ao frio intenso.
Próximo de uma arvore o que ela viu então foi um pequeno pássaro, caído de seu ninho.Era um filhote,e estava fadado a morte por inanição.
Ela caiu desfalecida,e bem próxima do filhote veio ao chão.
Quando suas pálpebras tão pesadas enfim se abriram novamente, ela apanhou o passaro com sua mão, e e olhou para ele ainda deitada:
-Finalmente...alguém!
Sua voz era mais débil que um murmúrio, e a fome parecia lhe torcer por dentro todos os órgãos, e estava ruidoso seu estômago.
-Você não está sozinho, passarinho, agora você tem a mim...eu vou cuidar de ti.
Uthuu não sabia se pensava ou delirava, nem tinha idéia do que dizia e a quem.
Ela se sentia incrivelmente sozinha, e parecia que quanto mais compania tivesse, mais só se sentiria.
O que se seguiu no entanto no foi pensado, foi instintivo.
Por que continuar aquela dor de viver, porque não morrer?
Seu corpo porem parecia não se desanimar nunca, e continuava insistindo em sofrer.Porque, ela nunca tivera idéia, mas não havia mais como pensar.
Um impulso forte a movia por dentro e não deixaria ela perecer.
Uma mão se fechou, um braço se fechou, uma boca se abriu, e de seus lábios machucados e sensuais,belos e desnutridos,escorreu sangue , que respingou nas folhas mortas.
O pássaro não proferiu um pio.Na verdade nunca mais piaria.
Os músculos doloridos da boca de Uthuu doíam ainda mais ante tal esforço, e ela mastigava com dificuldade, semi sufocada pelas penas.
Enfim, engoliu, e seu estômago agora parecia doer menos. E ela dormiu novamente.
Quando enfim acordou, estava nua , imersa em uma banheira.
A água corria quente e lhe acariciava o corpo todo machucado.
Uthuu achou que sonhava.
Uma voz mansa então lhe dirigiu a palavra:
-Finalmente você acordou!
-Quem e´vocô?
-Soirhuu, o guarda do parque.Você estava 'a beira da morte quando eu a recolhi e a trouxe para casa.
-O que é uma casa?
-É onde você está. Como você se chama?
-Uthuu.Você vai me estuprar, moço?
-Não, porque?
-Todos só se aproximam de mim para me estuprar. Mas não sinto nada.
-Não se sinta assim. Uma moça tão linda como você merece uma vida melhor.E eu vou cuidar de você.
-O que é ser linda? Uma vez eu vi um arco íris, e o achei lindo., mesmo sem saber o que é ser lindo.
-Huum, o arco íris é mesmo algo lindo de se ver, mas difícil de aparecer aqui na cidade.Pegue este espelho de mão.Olhe –se nele.
-Quem é esta pessoa?
-E´você, querida. Depois que eu cuidar de você, você olhará no espelho novamente e aprenderá o que é ser linda.
-O que é ser querida, Soirhuu?
Ele estendeu a mão ao rosto dela e a acariciou com tanta delicadeza e cuidado que poderia se pensar que a pele dela era feita da mais fina porcelana.
-É isto que você sentiu agora,minha doce menina.
LÁgrimas começaram a descer pelas faces, delicadas e cristalinas como o sentimento que ela percebeu na carÍcia.Nunca antes tinha sido acariciada por ninguém.
O guarda gentilmente aparou as lágrimas dela com a mão, e seu olhar para ela foi de uma doçura incontida, olhar respondido pelo olhar mais profundo que ele já viu, um olhar de uma meiguice e delicadeza tão grandiosas e sinceras que só mesmo uma mulher consegue ter.Ela , mesmo sem se dar conta se o que fazia era consciente ou instintivo,o abraçou com força.
Palavras não eram mais necessárias agora.Ele a apertou contra si enquanto ambos choravam convulsamente. Os corações haviam se entendido um ao outro, ainda que vivendo vidas diferentes, mas um sentimento mutuo agora os ligava de maneira desesperada.
Após  se recompor,Soirhuuu pegou um sabonete e começou a lavar a moça inteira. Enquanto isto, continuou a falar:
-Você não se sente sozinha, Uthuu?
-Sempre estive sozinha, não conheço a ninguém, moço.
-E não sente falta de conhecer a ninguém?
-Quem? Eu bem que sempre quis  conhecer alguém  que não me desse apenas uma esmola, um prato de comida, um pouco de água, ou não viesse ate´mim para me estuprar ou bater em mim. Até voce me encontrar e me salvar.
-Eu entendo, eu também moro aqui sozinho, não tenho a ninguém, sei o que é a solidão. Você teve sorte, conheceu alguém, alguém que se afeiçoou a você e lhe quer bem.Levante-se, vou te enxugar com a toalha.
-Por que olhas tão fixamente meu corpo?
-Porque lhe tenho admiração, porque gosto de você, porque  és linda, e não é só a beleza do seu corpo que me atrai, a beleza dos seus sentimentos, sua sensibilidade, a beleza de seu coração e alma, seu jeitinho todo delicado de ser,por você ser assim tão encantadora por inteiro...
Respondeu Soirhuu, após um longo suspiro.
-Sou apenas uma mulher, moço...não tenho nada de mais...não sou tudo isto, não sou ninguém, só uma moça de rua...
-Não se desvalorize a si mesma, querida, por favor,quando me abraçou , seu coração me mostrou a preciosidade de mulher que és, você é muito especial e muito valiosa para mim, e vou cuidar de você com todo o amor e carinho, e você nunca mais se sentira sozinha no mundo!Pronto, já está seca e vestida,espere ai, acho que tenho ainda aqui no baú algumas peças de lingierie e uns vestidos que minha ex-mulher esqueceu aqui em casa quando se separou de mim, e guardei para me lembrar dela...aqui estão, vista-as, por favor, meu bem.
Ao ver que ela tinha dificuldades em se vestir, ele a ajudou, com muita delicadeza, respeito e carinho.
-Olhe-se no espelho, veja como és bela!
-Quem é esta mulher, Soirhuu?
-É você, Uthuu.Agora você já não e´mais a mendiga das ruas,aquela ficou no passado, agora você e´esta moça bonita ai do espelho!
O estômago dela no entanto começou a roncar.
Ele serviu a ela o mais lauto jantar que pôde, e ela comeu até se fartar.
Ele a convidou para sair para passear, e juntos visitaram museus,shoppings, e os pontos turísticos da cidade, e então passeavam de mãos dadas pelo parque, quando alguma coisa chamou a atenção de Uthuu.
Do alto da galhada de uma arvore, em um ninho,um filhote de pássaro ensaiava seu primeiro voo.Quando a mãe  o empurrou para fora do ninho, ele ainda não estava autoconfiante de sua capacidade de voar. Mas instantaneamente, ainda que fosse instintivo, ele soube voar, e voou,e em seus pequenos olhinhos ,Uthuu viu uma alegria de viver, uma alegria tão explosiva e comovente, um prazer tão grande,jubilo pela liberdade, que não se conteve.
Pela primeira vez na sua vida, um sorriso franco e luminoso  enfeitou seu rostinho de anjo, cabelos esvoaçando ao vento,uma onda de felicidade  arrebatava seu coração,e ela saltou no ar, olhos lacrimejando,e gritou a plenos pulmões:
-Que lindo!

(Por Continuar)

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