Adora chegou na casa de Damian, que a recebeu
com o carinho de sempre.
Desta vez ela veio sem nenhum material didático
e pediu para que a aula fosse com os dois sentados nos móveis da sala, ele na
poltrona que ele adorava e que ele considerava o lugar exclusivo dele da casa,
onde nem mesmo a mãe dele tinha permissão de se sentar, aquele lugar era
sagrado para ele. E Adora se sentou no sofá.
Sorridente como sempre, a professora olhou para
ele com meiguice, e, num tom de voz calmo e carinhoso, disse:
-Você tem
progredido tanto, Damian ! Tens conversado com a sua mãe nestes últimos
dias?
-Obrigado. Ainda não.
Era muito bom para Adora ouvir a voz de Damian.
Mas ela percebia que ele ainda falava só frases curtas, somente o extremamente
necessário para comunicar o que ele queria, e que, portanto, era necessário provoca-lo
com perguntas mais complexas que não pudessem ser respondidas com respostas
curtas e sintéticas. Para tal empreitada, como estímulo, ela resolveu usar o
assunto predileto dele: Dinossauros. Por isto mesmo, ela passara as últimas
noites estudando sobre o assunto e o pesquisando na internet, ela precisava
dominar o assunto que ele gostava, para não falar bobagens, e não mostrar que
não sabia do que estava falando.
-Puxa, que pena, talvez você ainda não esteja
se sentindo confiante, ou ainda esteja com receio da reação dela. Mas eu sei
que você sabe bem que ela amaria ver você falar com ela e conversar com ela.
-Sim, eu sei. Ela é um pouco imprevisível.
Ele respondeu, sempre econômico nas palavras,
ainda bem pouco a vontade. Parecia inclusive meio constrangido, mas Adora
reuniu sua coragem, e seguiu em frente, acreditando que com o tempo ele se
acostumaria e ficaria mais a vontade. O raciocínio dela era o de que ele
precisava ficar mais autoconfiante e
perceber que estava tendo sucesso na conversa. Por isto mesmo, ela iria
de vez em quando dar falsas informações sobre dinossauros para ele, para que
ela errasse e ele a corrigisse, e assim ela o pudesse elogiar, e mostrar que
ele sabia mais do que ela e que a estivesse “vencendo” no debate- ela já estava
com tudo planejado na cabeça !
-Todos somos, até você, Damian ! Eu diria até
que os Dinossauros eram imprevisíveis !
-Eles estão extintos. Como você poderia afirmar
isto?
-Nem todos, alguns se transformaram em aves, e
hoje os cientistas dizem que podemos classificar os dinossauros em avianos
(aves de hoje em dia) e não avianos (os que foram extintos). Isto não seria
algo imprevisível?
-Não. Desde o Período Triássico que os fósseis
já indicavam esta direção nos raptores e
seus ancestrais. Na verdade, o advento
das penas já era bem antigo quando houve a extinção da maior parte dos
dinossauros.
Adora agora se animou: ele agora estava falando
mais, três frases seguidas, e estava argumentando !
-É verdade, Damian, você tem razão ! Puxa, é incrível
o quanto você sabe sobre dinossauros !
Ela esperava que ele se alegrasse com os
elogios e o reforço positivo, mas logo ela foi surpreendida:
-Você está desviando do assunto !Com que base
você vem me dizer que eu seja imprevisível?
Aquilo definitivamente não estava em nenhum
script ! Ela foi pega de surpresa e conscientizou-se de que ele já percebera
para onde ela estava conduzindo a conversa. Mas para ela, o que realmente
importava é que eles estavam mesmo tendo uma conversa, verdadeiro debate, e
isto em si era um grande avanço e isto a enchia de alegria por dentro.
Mas ela via que não podia perder tempo e
precisava improvisar rápido:
-Aham, a sua resposta agora me foi inesperada!
Isto já mostra que eu estava certa em falar que você também é imprevisível !
-Ser inesperado é diferente de ser imprevisível.
Você é professora. Não é possível que com a sua idade e sua experiência, você
não saiba a diferença entre os dois.
Na hora, Adora não conseguiu disfarçar o
arregalar de seus olhos e seus lábios tremiam ! Ele a estava chamando de velha
! Será que ele não tinha noção de que aquilo a ofendia, ou será que ele fizera
de propósito, para provoca-la? Logo depois ela caiu em si que ele estava
tomando para si o rumo da conversa e tentando conduzir o raciocínio dela para
onde ele queria, manobrando-a com as palavras. E ele notava que, cada vez que
ele falava, ele parecida se concentrar muito antes de sua voz soar. A duras
penas ela se conteve, se concentrou também e respondeu:
-Para mim, ser inesperado é uma forma de ser
imprevisível. Afinal, o que não se espera não está previsto, e se não é
esperado é por que não foi previsto, não tinha como prever.
-Nem tudo que é esperado é previsto. Se não
tinha como prever, não poderia ser esperado também.
Agora Adora notava que teria de suar a camisa
para “vencer” o debate. Mas isto lhe mostrava que não era necessário ficar só
no assunto que ele dominava para debater com ele e fazê-lo conversar. Ele
estava libertando toda a inteligência que ficara represada dentro dele por
todos aqueles anos, escondida de todos e que ninguém supunha que ele tivesse, e
que isto em si era algo de um avanço extraordinário, um retumbante sucesso !
(Por continuar)
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