segunda-feira, 6 de junho de 2016

Capítulo 30-Minissérie: Adora-Alguém como você



Adora chegou na casa de Damian, que a recebeu com o carinho de sempre.
Desta vez ela veio sem nenhum material didático e pediu para que a aula fosse com os dois sentados nos móveis da sala, ele na poltrona que ele adorava e que ele considerava o lugar exclusivo dele da casa, onde nem mesmo a mãe dele tinha permissão de se sentar, aquele lugar era sagrado para ele. E Adora se sentou no sofá.
Sorridente como sempre, a professora olhou para ele com meiguice, e, num tom de voz calmo e carinhoso, disse:
-Você tem  progredido tanto, Damian ! Tens conversado com a sua mãe nestes últimos dias?
-Obrigado. Ainda não.
Era muito bom para Adora ouvir a voz de Damian. Mas ela percebia que ele ainda falava só frases curtas, somente o extremamente necessário para comunicar o que ele queria, e que, portanto, era necessário provoca-lo com perguntas mais complexas que não pudessem ser respondidas com respostas curtas e sintéticas. Para tal empreitada, como estímulo, ela resolveu usar o assunto predileto dele: Dinossauros. Por isto mesmo, ela passara as últimas noites estudando sobre o assunto e o pesquisando na internet, ela precisava dominar o assunto que ele gostava, para não falar bobagens, e não mostrar que não sabia do que estava falando.
-Puxa, que pena, talvez você ainda não esteja se sentindo confiante, ou ainda esteja com receio da reação dela. Mas eu sei que você sabe bem que ela amaria ver você falar com ela e conversar com ela.
-Sim, eu sei. Ela é um pouco imprevisível.
Ele respondeu, sempre econômico nas palavras, ainda bem pouco a vontade. Parecia inclusive meio constrangido, mas Adora reuniu sua coragem, e seguiu em frente, acreditando que com o tempo ele se acostumaria e ficaria mais a vontade. O raciocínio dela era o de que ele precisava ficar mais autoconfiante e  perceber que estava tendo sucesso na conversa. Por isto mesmo, ela iria de vez em quando dar falsas informações sobre dinossauros para ele, para que ela errasse e ele a corrigisse, e assim ela o pudesse elogiar, e mostrar que ele sabia mais do que ela e que a estivesse “vencendo” no debate- ela já estava com tudo planejado na cabeça !
-Todos somos, até você, Damian ! Eu diria até que os Dinossauros eram imprevisíveis !
-Eles estão extintos. Como você poderia afirmar isto?
-Nem todos, alguns se transformaram em aves, e hoje os cientistas dizem que podemos classificar os dinossauros em avianos (aves de hoje em dia) e não avianos (os que foram extintos). Isto não seria algo imprevisível?
-Não. Desde o Período Triássico que os fósseis já indicavam esta  direção nos raptores e seus ancestrais. Na verdade,  o advento das penas já era bem antigo quando houve a extinção da maior parte dos dinossauros.
Adora agora se animou: ele agora estava falando mais, três frases seguidas, e estava argumentando !
-É verdade, Damian, você tem razão ! Puxa, é incrível o quanto você sabe sobre dinossauros !
Ela esperava que ele se alegrasse com os elogios e o reforço positivo, mas logo ela foi surpreendida:
-Você está desviando do assunto !Com que base você vem me dizer que eu seja imprevisível?
Aquilo definitivamente não estava em nenhum script ! Ela foi pega de surpresa e conscientizou-se de que ele já percebera para onde ela estava conduzindo a conversa. Mas para ela, o que realmente importava é que eles estavam mesmo tendo uma conversa, verdadeiro debate, e isto em si era um grande avanço e isto a enchia de alegria por dentro.
Mas ela via que não podia perder tempo e precisava improvisar rápido:
-Aham, a sua resposta agora me foi inesperada! Isto já mostra que eu estava certa em falar que você também é imprevisível !
-Ser inesperado é diferente de ser imprevisível. Você é professora. Não é possível que com a sua idade e sua experiência, você não saiba a diferença entre os dois.
Na hora, Adora não conseguiu disfarçar o arregalar de seus olhos e seus lábios tremiam ! Ele a estava chamando de velha ! Será que ele não tinha noção de que aquilo a ofendia, ou será que ele fizera de propósito, para provoca-la? Logo depois ela caiu em si que ele estava tomando para si o rumo da conversa e tentando conduzir o raciocínio dela para onde ele queria, manobrando-a com as palavras. E ele notava que, cada vez que ele falava, ele parecida se concentrar muito antes de sua voz soar. A duras penas ela se conteve, se concentrou também e respondeu:
-Para mim, ser inesperado é uma forma de ser imprevisível. Afinal, o que não se espera não está previsto, e se não é esperado é por que não foi previsto, não tinha como prever.
-Nem tudo que é esperado é previsto. Se não tinha como prever, não poderia ser esperado também.
Agora Adora notava que teria de suar a camisa para “vencer” o debate. Mas isto lhe mostrava que não era necessário ficar só no assunto que ele dominava para debater com ele e fazê-lo conversar. Ele estava libertando toda a inteligência que ficara represada dentro dele por todos aqueles anos, escondida de todos e que ninguém supunha que ele tivesse, e que isto em si era algo de um avanço extraordinário, um retumbante sucesso !

(Por continuar)

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