-Chega,
chega, eu não vou ser doutrinada !
-Ninguém
aqui quer doutrina-la, mas bem que você gostaria de pode me impor sua
doutrinação de Direita...bo, mas ao invés de ficarmos discutindo bobamente
política em um nível tão raso, vamos fazer algo bem capitalista e importante agora:
precisamos ir ao supermercado! Por favor, faça a lista do que precisa, e quando
estiverdes pronta, chamarei o táxi!
Tana
foi fazer a lista e se arrumar bufando, enquanto Lune ficava sentada na sua
poltrona agradando carinhosamente seu gato, que, em resposta, ronronava mansinho.
Por
fim, Tana estava pronta, e foi ajudar Lune a se trocar e se arrumar. Uma vez as
duas prontas, elas trancaram a porta da sala, pegaram o elevador, e ao chegar
ao saguão,Lune chamou o táxi.
Não
demorou, embarcavam no carro e logo chegavam no supermercado.
Entraram
e foram percorrendo as prateleiras e pegando as coisas, e enfim, tudo no
carrinho, fora para a fila do caixa.
Uma
senhora que estava na frente das duas na fila, puxou conversa:
-Puxa,
uma moça tão bonita, tão jovem,estou vendo que é casada, onde está o seu
marido?
-Ele
está trabalhando, senhora...
-Ah,
as graças do casamento tradicional japonês...a senhorita deve ser uma ótima
dona de casa!
-Eu
também trabalho, senhora. Sou Professora
e pesquisadora de História em uma universidade!Só não estou trabalhando
agora, por que estou com a gravidez avançada!Mas quando acabar minha licença
maternidade, vou voltar a trabalhar e...
-O
quê?A senhorita é casada e trabalha? E engravidou tão moça?Mas isto é uma
vergonha !Onde já se viu uma coisa destas, mas é o fim do mundo mesmo, esta
juventude está transviada...
-Concordo
com a senhora! Disse Tana, toda sorridente.
-Ei,
não bota mais lenha na fogueira!
Protestou
Lune.
Mas
a senhora de idade pareceu ignorá-la e foi direto para a cuidadora;
-Que
mocinha elogiável !E você é solteira, não?
-Sou
sim, senhora. Eu trabalho como cuidadora dela, mas provisoriamente, pois sou
empregada da Mansão Soryu, de Nagoya !
-Ah,
que distinta família, que chique!Bem diferente desta...
-Ei,
meu marido é herdeiro dos Soryu, meus sogros são os patrões dela !
-Ao
menos ela não desonra a família como você, cometendo este sacrilégio de casar e
trabalhar,seu lugar é em casa!
Replicou
a senhora de idade comaspereza e desdém.E ainda disse para Tana:
-Coitadinha
de você, ter de trabalhar e cuidar de um traste destes...
-Eu
sofro muito, minha senhora...a senhora acredita que ela é comunista?
A
senhora de idade fez cara de espanto:
-Nãaao,
não brinca!Que horror, oh, Buda tende piedade desta alma infeliz...agora entendo
por que sofres tanto, mas olha, vai passar, logo logo você estará de volta a
sua mansão, com gente boa, não com ...isto...isto..isto aí !
Lune
agora perdeu a paciência:
-Que
se dane o respeito aos mais velhos, isto é muito abuso !Quem a senhora estápensando
que é?Me chamar de traste?Ah, vá ...
Lune
ia dizendo os impropérios com voz relativamente alta, e o supermercado inteiro
olhou feio para ela, com olhar desaprovador.
Aproveitando-se
da situação, a velhinha desandou a chorar, mas Lune percebeuque era fingimento,
uma maneira de fazer chantagem emocional.
Só
que Tana, corada de vergonha, fez questão de alfinetar:
-Lune-dono,
a senhorita deveria se envergonhar, que vergonha, que vergonha,fazer uma idosa
chorar, a senhorita não fica com vergonha não?
-Não
! Para mim chega ! É muita estupidez e convencionalismo tudo isto para mim
!Toma este maço de dinheiro e se vira, eu vou para casa !
E
Lune abandonou Tana sozinha na fila.
Estava
revoltada e de péssimo humor, e detestou ver Tana tormar o partido da senhora e
não dela.
E
ela sabia que se insistisse na briga, logo chamariam os seguranças e a
expulsariam de lá, não ouviriam seus argumentos.
Era
muito frustrante saber que tinha razão, mas que a manipulação emocional social
era dominante !
Lune
chegou no seu apartamento batendo a porta com tanta violência que até Sartre se
assustou !
Mas
ela tinha a certeza absoluta de que ela estava certa, e tinha a consciência
leve de que tinha feito o correto, o justo.
A
sensação de ser uma voz solitária contra toda a caretice do mundo era, no
entanto, desalentadora !
(Por Continuar)
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