Mas
Tana não se conformava: ser moralista e se meter na vida de todo mundo e impor
o que ela achava que era moral e decente
era um vício, um impulso, uma compulsão para ela, ainda que em meio ao
incêndio da culpa e da auto piedade, as emoções se misturavam em sua cabeça, e
aquele desejo, ah, aquele desejo louco e desvairado, tão reprimido, que lhe
atormentava a alma e que estava tão difícil de conter!
Por
dentro, ela se sentia como uma gigantesca represa de moralismo e
conservadorismo prestes a arrebentar e inundar as esquerdices daquela casa,
aquela insuportável liberdade, aqueles direitos humanos tão opressores para
seus valores...
Tana
abriu então sua bolsa e de lá tirou um pequeno retrato do ditador alemão Adolph
Hitler.
Ela
chorou abraçando o retratinho e mentalmente pedia desculpas ao monstro que
matou incontáveis judeus e outros inocentes.Ela sempre teve um enorme libido
por ele, além de grande admiração, e nos seus delírios imaginava aquele
bigodinho roçando sua boca e ela se entregando para ele, esquecendo-se de que o
antigo ditador não perdoava quem não fosse ariano, dentre outros detalhes.
Lágrimas
abundantes escorriam de seus olhos.Havia mais alguém com quem queria dividir
uma cama num incêndio de prazer, alguém que vivia, que estava ali pertinho e
respirava, mas não lhe correspondia.E que ela queria conquistar e destruir ao
mesmo tempo, mas que guardava meticulosamente para si, sem nunca revelar, sem
coragem para revelar, e com o monstro furioso da culpa arreganhando a dentuça
de sabre para ela o tempo todo.
Suas
mãos tremiam de nervosas e de ansiedade de ir lá atrapalhar a intimidade do
casal e de impedi-los de se amar. Ela não suportava ver alguém amar a alguém,
era doloroso demais para ela, justo ela, que nunca amou ninguém, e que era
incapaz de amar a alguém,nem nunca foi amada por ninguém. Ou pelo menos, nunca
percebeu, nunca se sentiu correspondida- e como a rejeição e a carência afetiva
e sexual lhe doíam na alma e no coração !
Tana
era, em suma, uma pessoa perigosa, e Lune não tinha noção do perigo que corria
com Tana dormindo ao seu lado em sua
cama.
Algo,
aliás, que Lune detestava: tinha trauma de outras mulheres com ela na cama e só
aceitava por que não tinha escapatória. Mas eram noites tensas e nada a
vontade, com receio de um avanço, de um abuso, totalmente inesperados, e,
grávida, se sentia tremendamente frágil para se defender.Seu primeiro impulso
instintivo era proteger a criança que se desenvolvia em seu útero.O segundo,
defender sua sexualidade de um avanço homoafetivo indesejado, uma tentativa de
estupro.Ela se sentia insegura, e não sabia até quando suportaria viver assim.
Sabia
que havia a necessidade de Tana estar ali para ajuda-la, mas , sinceramente,
preferia que Takeo fizesse este papel.
Naquela
noite, após o jantar, Lune ficou pensando nas palavras de Takeo: se seu sogro
tinha liberado seu marido para ficar com ela, para quê precisaria ainda da
ajuda de Tana?
Como
poderia convencer sua sogra a dispensar Tana sem que Motoko considerasse esta
atitude uma desfeita, uma ingratidão? Mais e mais crescia em Lune a vontade de
despedir Tana, apenas não sabia como. Tinha de agir diplomática e politicamente.
Prometeu
a si mesma ir pensando numa maneira, que não prejudicasse a ninguém.
No
dia seguinte, aquela foi uma manhã diferente:
Para
desespero de Tana, Takeo não fora trabalhar, já que estava de licença
paternidade.
E
Lune decidira não se conter mais e não se abster mais de trocar carícias e
beijos com Takeo.E ainda o fazia na frente dela, e estava difícil para Tana
segurar e suportar o ciúmes avassalador e a inveja torturante, aquilo lhe fazia
se debater internamente em agonia, e o pior era não ter mais moral para agir
de modo violentamente moralista e hipócrita, aquilo tudo a enlouquecia!
E
o sorriso e o olhar de Lune para ela a deixava ainda mais aterrorizada e
humilhada, assim como a terrível gentileza, cortesia, respeito e educação de
Takeo para ela-eles tinham de ter uma falha, tinham !
Então,
Tana também se perguntava:até quando aguentaria tal sofrimento? Não seria
melhor pedir as contas de uma vez, pedir sua demissão? Porém, ela daria este
gostinho, esta vingança para Lune?Ela seria derrotada? E como explicar sua
derrocada para Motoko?
Então
sobreveio em sua mente imagens sombrias:ela, no quarto de hóspedes, na casa de
hóspedes, e um grande bigode roçando sua boca, seu nariz, e braços fortes a
envolvendo em um balanço frenético , enquanto ela lhe sentia a respiração e
ouvia seus próprios gemidos, e sua voz sussurrava na penumbra:-Aaaah,
Hayao-dono !
Sim,
ela sabia que traía sua patroa com seu patrão , em Nagoya, e que não fora uma
única vez. Mas sabia que sua vontade na cama não era apenas com homens , era
com mulheres também.Ela sabia as más lembranças que Megumi, a irmã mais nova de
Takeo, tinha com ela, lembranças todas estas secretas, que ela guardava nos
cofres de sua culpa.E o que mais lhe doía era o flagelo de já ter sido tão
usada e não ter sido nunca correspondida naquela família.
Mas
agora Lune era dona de um de seus segredos mais íntimos, e temia ser
chantageada por ela a qualquer momento. Só de pensar em Lune revelar a Takeo o
que viu, lhe inspirava horror, teror, lhe fazia suar frio, ficar com as pernas
bambas, só de pensar nas possíveis consequências.Lune contar a Motoko,
então?Seria a Morte !
Tana
empalidecia ao lavar a louça e aqueles pensamentos lhe virem na mente.Seu
descontrole foi tamanho, que deixou cair um prato no chão, e ao se abaixar, atropelou
o escorredor inteiro, e um monte de louça caiu por cima dela e se quebrou,
fazendo uma barulheira daquelas!
Até
Sartre se assustou e miou alto!
A
barulheira atraiu a atenção do casal, que correu a ver o que tinha ocorrido.
(Por Continuar)
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