domingo, 17 de fevereiro de 2019

Episódio 75-Sensibilidade de Viver:Gestação !



Mas Tana não se conformava: ser moralista e se meter na vida de todo mundo e impor o que ela achava que era moral e decente  era um vício, um impulso, uma compulsão para ela, ainda que em meio ao incêndio da culpa e da auto piedade, as emoções se misturavam em sua cabeça, e aquele desejo, ah, aquele desejo louco e desvairado, tão reprimido, que lhe atormentava a alma e que estava tão difícil de conter!
Por dentro, ela se sentia como uma gigantesca represa de moralismo e conservadorismo prestes a arrebentar e inundar as esquerdices daquela casa, aquela insuportável liberdade, aqueles direitos humanos tão opressores para seus valores...
Tana abriu então sua bolsa e de lá tirou um pequeno retrato do ditador alemão Adolph Hitler.
Ela chorou abraçando o retratinho e mentalmente pedia desculpas ao monstro que matou incontáveis judeus e outros inocentes.Ela sempre teve um enorme libido por ele, além de grande admiração, e nos seus delírios imaginava aquele bigodinho roçando sua boca e ela se entregando para ele, esquecendo-se de que o antigo ditador não perdoava quem não fosse ariano, dentre outros detalhes.
Lágrimas abundantes escorriam de seus olhos.Havia mais alguém com quem queria dividir uma cama num incêndio de prazer, alguém que vivia, que estava ali pertinho e respirava, mas não lhe correspondia.E que ela queria conquistar e destruir ao mesmo tempo, mas que guardava meticulosamente para si, sem nunca revelar, sem coragem para revelar, e com o monstro furioso da culpa arreganhando a dentuça de sabre para ela o tempo todo.
Suas mãos tremiam de nervosas e de ansiedade de ir lá atrapalhar a intimidade do casal e de impedi-los de se amar. Ela não suportava ver alguém amar a alguém, era doloroso demais para ela, justo ela, que nunca amou ninguém, e que era incapaz de amar a alguém,nem nunca foi amada por ninguém. Ou pelo menos, nunca percebeu, nunca se sentiu correspondida- e como a rejeição e a carência afetiva e sexual lhe doíam na alma e no coração !
Tana era, em suma, uma pessoa perigosa, e Lune não tinha noção do perigo que corria com Tana dormindo ao seu lado  em sua cama.
Algo, aliás, que Lune detestava: tinha trauma de outras mulheres com ela na cama e só aceitava por que não tinha escapatória. Mas eram noites tensas e nada a vontade, com receio de um avanço, de um abuso, totalmente inesperados, e, grávida, se sentia tremendamente frágil para se defender.Seu primeiro impulso instintivo era proteger a criança que se desenvolvia em seu útero.O segundo, defender sua sexualidade de um avanço homoafetivo indesejado, uma tentativa de estupro.Ela se sentia insegura, e não sabia até quando suportaria viver assim.
Sabia que havia a necessidade de Tana estar ali para ajuda-la, mas , sinceramente, preferia que Takeo fizesse este papel.
Naquela noite, após o jantar, Lune ficou pensando nas palavras de Takeo: se seu sogro tinha liberado seu marido para ficar com ela, para quê precisaria ainda da ajuda de Tana?
Como poderia convencer sua sogra a dispensar Tana sem que Motoko considerasse esta atitude uma desfeita, uma ingratidão? Mais e mais crescia em Lune a vontade de despedir Tana, apenas não sabia como. Tinha de agir diplomática e politicamente.
Prometeu a si mesma ir pensando numa maneira, que não prejudicasse a ninguém.
No dia seguinte, aquela foi uma manhã diferente:
Para desespero de Tana, Takeo não fora trabalhar, já que estava de licença paternidade.
E Lune decidira não se conter mais e não se abster mais de trocar carícias e beijos com Takeo.E ainda o fazia na frente dela, e estava difícil para Tana segurar e suportar o ciúmes avassalador e a inveja torturante, aquilo lhe fazia se debater internamente em agonia, e o pior era não ter mais moral para agir de modo violentamente moralista e hipócrita, aquilo tudo a enlouquecia!
E o sorriso e o olhar de Lune para ela a deixava ainda mais aterrorizada e humilhada, assim como a terrível gentileza, cortesia, respeito e educação de Takeo para ela-eles tinham de ter uma falha, tinham !
Então, Tana também se perguntava:até quando aguentaria tal sofrimento? Não seria melhor pedir as contas de uma vez, pedir sua demissão? Porém, ela daria este gostinho, esta vingança para Lune?Ela seria derrotada? E como explicar sua derrocada para Motoko?
Então sobreveio em sua mente imagens sombrias:ela, no quarto de hóspedes, na casa de hóspedes, e um grande bigode roçando sua boca, seu nariz, e braços fortes a envolvendo em um balanço frenético , enquanto ela lhe sentia a respiração e ouvia seus próprios gemidos, e sua voz sussurrava na penumbra:-Aaaah, Hayao-dono !
Sim, ela sabia que traía sua patroa com seu patrão , em Nagoya, e que não fora uma única vez. Mas sabia que sua vontade na cama não era apenas com homens , era com mulheres também.Ela sabia as más lembranças que Megumi, a irmã mais nova de Takeo, tinha com ela, lembranças todas estas secretas, que ela guardava nos cofres de sua culpa.E o que mais lhe doía era o flagelo de já ter sido tão usada e não ter sido nunca correspondida naquela família.
Mas agora Lune era dona de um de seus segredos mais íntimos, e temia ser chantageada por ela a qualquer momento. Só de pensar em Lune revelar a Takeo o que viu, lhe inspirava horror, teror, lhe fazia suar frio, ficar com as pernas bambas, só de pensar nas possíveis consequências.Lune contar a Motoko, então?Seria a Morte !
Tana empalidecia ao lavar a louça e aqueles pensamentos lhe virem na mente.Seu descontrole foi tamanho, que deixou cair um prato no chão, e ao se abaixar, atropelou o escorredor inteiro, e um monte de louça caiu por cima dela e se quebrou, fazendo uma barulheira daquelas!
Até Sartre se assustou e miou alto!
A barulheira atraiu a atenção do casal, que correu a ver o que tinha ocorrido.

(Por Continuar)

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