Agora
que Lune já estava no conforto de casa, e Takeo ainda estava no trabalho, quem
a consolava era Sartre, que ficava preguiçoso em seu colo, só recebendo
carinhos.
Ela
percebeu que acarinhar o gato a acalmava e tranquilizava, e lhe dava prazer, e
que o calmo ronronar do felino parecia reconfortante e agradável, parecia uma
correspondência de amor.
Ela
precisava disto, pois estava vendo a relação dela com Tana ruir e entrar em colapso
e ela não sabia quanto tempo mais ela iria aguentar aquela mulher, e se ela não
estaria fazendo mal ‘a sua gravidez e a sua bebê.Mas com o avançar da gravidez,
que já passara dos quatro meses, ela sabia que ficaria difícil tomar banho e se
trocar sozinha e muito mais ainda fazer as tarefas domésticas, ir ‘as consultas
médicas, ir aos exames, etc. e que com
Takeo trabalhando, ela teria de passar muito tempo sozinha por dia. Então, ela
tinha de e esforçar para suportar Tana, pois seria muito difícil conseguir
outra cuidadora, e o orçamento da casa não permitiria também.
Não
demorou muito e Tana enfim chegou, de cara fechada, em um mau humor daqueles,
com o carrinho de supermercado do prédio lotado de compras.
Colocou
tudo nos armários e geladeira sem dizer palavra.
Pegou
uma cadeira e foi para a área de serviço, onde ficou emburrada, muda, cega e
surda.
Lune
ficou lendo seus livros enquanto acariciava seu gato, e quando chegou a hora do
almoço, pegou um kombinii no congelador, esquentou no micro-ondas para si,
sentou-se na mesa da cozinha e comeu sozinha e em silêncio.
O
gelo entre as duas era daqueles !
O
livro que Lune estava lendo no momento era o Contrato Social, de Rousseau.Na
verdade, ela o estava relendo, pois o tinha lido há cerca de uma década atrás.
Agora
ela descobria que muito do que já tinha lido em sua vida, na época ela não
tinha a maturidade idônea para realmente aproveitar o que lia e ter um
entendimento mais expandido do que lia, e que agora sim, ela a tinha.Sua
compreensão ao que lia agora era muito mais alargada e profunda, e , ao se
lembrar de seus pensamentos de quando ela lera pela primeira vez,os achava
agora risíveis de tão rasos e estreitos !
Um
leve sorriso e um discreto rubor coloriam sua face agora.
Vendo
que Tana não iria desemburrar tão cedo, Lune resolveu ficar ali mesmo, só
curtindo seu gato e seus livros, afinal, que momentos prazeirosos ela estava
tendo !Aquilo para ela era a felicidade, curtindo a vida com simplicidade, a
descomplicação do prazer de usufruir de gatos e livros!
Só
levantava para ir ao banheiro, quando precisava, pegar um refrigerante, uma
água, um chá, ou um gostoso leite com achocolatado, cappucino e café solúvel
misturados, que ela amava.
Só
agora ela se tocava do quanto era caseira e amava curtir a sua própria casa,
ter paz e sossego.
Embora
ela não estivesse fisicamente sozinha, ela se sentia sozinha, mas não sentia
solidão ou saudades, aquilo era solitude, o prazer hedonista de apreciar-se a si própria em
profundidade, em meio ao silêncio e ao desacompanhamento...difícil ser mais
Autista do que isto !
Aaah,
e quanto prazer sentia nisto!
Nunca
pensara que estar sozinha pudesse ser tão confortável e reconfortante:uma
sensação agradabilíssima de independência, paz, tranquilidade , auto confiança e
prazer, esta era a sensação de ser Autista, curtindo os prazeres que só o
Autismo poderia proporcionar, e embora algumas pessoas pudessem julgar este
prazer e esta felicidade como egoístas, ter seus momentos só para si era para
ela fundamental, e ela nada de imoral ou de condenável via naquilo, afinal, lhe
fazia bem até o ãmago de sua alma !
Estava
de tal forma relaxada e zen, que lhe invadia o coração a vontade de que aqueles
momentos tão prazeirosos lhe durassem para todo o sempre !
E
o que era aquele prazer indescritível perto do prazer sexual?
Naquela
altura da vida, em que o sexo já não era mais uma novidade para Lune há muito
tempo, a atividade sexual para ela já era algo meio maçante, chata, quase que
uma obrigação.
Claro
que ela já tivera muito prazer nisto, sobretudo nos primeiros anos após sua
estréia no sexo aos dezesseis anos,mas agora aos vinte e três, aquilo já não
tinha mais o viço e o vigor da sua adolescência; claro, ela sabia que Takeo,
como homem, tinha uma necessidade imperiosa
de sexo, e, embora ela tinha plena consciência de que não era obrigada a
corresponder, e que ele, ao contrário de muitos homens, nunca a forçava a nada
e a respeitava, mas se sentia triste e deprimido quando ficava muito tempo sem
sexo, nas poucas vezes em que ela lhe atendia os desejos, mais por piedade do
que por vontade,e para agradá-lo, ela via aquela atividade como meramente
enfadonha e não via a hora de terminar logo para ir dormir de vez.
Ela,
afinal, não pensava em seus próprios seios, em suas próprias nádegas, em sua
própria vagina...a maior parte do tempo era como se estas partes, que os homens
apreciam tanto nas mulheres, nem existiam, ela não se via como ser sexual. E,
para falar com franqueza, ela atualmente via os homens como pobres escravos do
sexo, que isto infelizmente , fazia parte intrínseca da natureza deles. Já as
mulheres, ela pensava, eram libertas desta escravidão e tinham muito mais
independência afetiva e sexual,e talvez daí recorresse a inconformidade
masculina e sua intolerância e incompreensão, seu pueril rito de auto afirmação
machista e misógina- elas serem livres da servidão ao sexo e eles não, e talvez
eles sonhassem com o contrário, pensava ela.
(Por Continuar)
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