segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Episódio 72- Sensibilidade de Viver:Gestação !


Agora que Lune já estava no conforto de casa, e Takeo ainda estava no trabalho, quem a consolava era Sartre, que ficava preguiçoso em seu colo, só recebendo carinhos.
Ela percebeu que acarinhar o gato a acalmava e tranquilizava, e lhe dava prazer, e que o calmo ronronar do felino parecia reconfortante e agradável, parecia uma correspondência de amor.
Ela precisava disto, pois estava vendo a relação dela com Tana ruir e entrar em colapso e ela não sabia quanto tempo mais ela iria aguentar aquela mulher, e se ela não estaria fazendo mal ‘a sua gravidez e a sua bebê.Mas com o avançar da gravidez, que já passara dos quatro meses, ela sabia que ficaria difícil tomar banho e se trocar sozinha e muito mais ainda fazer as tarefas domésticas, ir ‘as consultas médicas, ir aos exames, etc. e que  com Takeo trabalhando, ela teria de passar muito tempo sozinha por dia. Então, ela tinha de e esforçar para suportar Tana, pois seria muito difícil conseguir outra cuidadora, e o orçamento da casa não permitiria também.
Não demorou muito e Tana enfim chegou, de cara fechada, em um mau humor daqueles, com o carrinho de supermercado do prédio lotado de compras.
Colocou tudo nos armários e geladeira sem dizer palavra.
Pegou uma cadeira e foi para a área de serviço, onde ficou emburrada, muda, cega e surda.
Lune ficou lendo seus livros enquanto acariciava seu gato, e quando chegou a hora do almoço, pegou um kombinii no congelador, esquentou no micro-ondas para si, sentou-se na mesa da cozinha e comeu sozinha e em silêncio.
O gelo entre as duas era daqueles !
O livro que Lune estava lendo no momento era o Contrato Social, de Rousseau.Na verdade, ela o estava relendo, pois o tinha lido há cerca de uma década atrás.
Agora ela descobria que muito do que já tinha lido em sua vida, na época ela não tinha a maturidade idônea para realmente aproveitar o que lia e ter um entendimento mais expandido do que lia, e que agora sim, ela a tinha.Sua compreensão ao que lia agora era muito mais alargada e profunda, e , ao se lembrar de seus pensamentos de quando ela lera pela primeira vez,os achava agora risíveis de tão rasos e estreitos !
Um leve sorriso e um discreto rubor coloriam sua face agora.
Vendo que Tana não iria desemburrar tão cedo, Lune resolveu ficar ali mesmo, só curtindo seu gato e seus livros, afinal, que momentos prazeirosos ela estava tendo !Aquilo para ela era a felicidade, curtindo a vida com simplicidade, a descomplicação do prazer de usufruir de gatos e livros!
Só levantava para ir ao banheiro, quando precisava, pegar um refrigerante, uma água, um chá, ou um gostoso leite com achocolatado, cappucino e café solúvel misturados, que ela amava.
Só agora ela se tocava do quanto era caseira e amava curtir a sua própria casa, ter paz e sossego.
Embora ela não estivesse fisicamente sozinha, ela se sentia sozinha, mas não sentia solidão ou saudades, aquilo era solitude, o prazer  hedonista de apreciar-se a si própria em profundidade, em meio ao silêncio e ao desacompanhamento...difícil ser mais Autista do que isto !
Aaah, e quanto prazer sentia nisto!
Nunca pensara que estar sozinha pudesse ser tão confortável e reconfortante:uma sensação agradabilíssima de independência, paz, tranquilidade , auto confiança e prazer, esta era a sensação de ser Autista, curtindo os prazeres que só o Autismo poderia proporcionar, e embora algumas pessoas pudessem julgar este prazer e esta felicidade como egoístas, ter seus momentos só para si era para ela fundamental, e ela nada de imoral ou de condenável via naquilo, afinal, lhe fazia bem até o ãmago de sua alma !
Estava de tal forma relaxada e zen, que lhe invadia o coração a vontade de que aqueles momentos tão prazeirosos lhe durassem para todo o sempre !
E o que era aquele prazer indescritível perto do prazer sexual?
Naquela altura da vida, em que o sexo já não era mais uma novidade para Lune há muito tempo, a atividade sexual para ela já era algo meio maçante, chata, quase que uma obrigação.
Claro que ela já tivera muito prazer nisto, sobretudo nos primeiros anos após sua estréia no sexo aos dezesseis anos,mas agora aos vinte e três, aquilo já não tinha mais o viço e o vigor da sua adolescência; claro, ela sabia que Takeo, como homem, tinha uma necessidade imperiosa  de sexo, e, embora ela tinha plena consciência de que não era obrigada a corresponder, e que ele, ao contrário de muitos homens, nunca a forçava a nada e a respeitava, mas se sentia triste e deprimido quando ficava muito tempo sem sexo, nas poucas vezes em que ela lhe atendia os desejos, mais por piedade do que por vontade,e para agradá-lo, ela via aquela atividade como meramente enfadonha e não via a hora de terminar logo para ir dormir de vez.
Ela, afinal, não pensava em seus próprios seios, em suas próprias nádegas, em sua própria vagina...a maior parte do tempo era como se estas partes, que os homens apreciam tanto nas mulheres, nem existiam, ela não se via como ser sexual. E, para falar com franqueza, ela atualmente via os homens como pobres escravos do sexo, que isto infelizmente , fazia parte intrínseca da natureza deles. Já as mulheres, ela pensava, eram libertas desta escravidão e tinham muito mais independência afetiva e sexual,e talvez daí recorresse a inconformidade masculina e sua intolerância e incompreensão, seu pueril rito de auto afirmação machista e misógina- elas serem livres da servidão ao sexo e eles não, e talvez eles sonhassem com o contrário, pensava ela.

(Por Continuar)

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