-Muito bom, Celine e Melissa, vão ajudar as
outras a ajustar as velas. E você, Françoise, vá agora recolher o penico da
Capitã, jogar o conteúdo fora e lavá-lo.
-Eeee? Eu, recolher penico e lavá-lo? Mas isto é
muito degradante !
-Escute aqui, mocinha, eu sempre fui a Imediata
aqui, mas mesmo assim, mesmo sendo a segunda em comando, fiz esta tarefa por
meses ! Depois, quando a Celine chegou, esta função ficou para ela, e quando a
Melissa chegou, a mesma coisa. Agora a função é sua ! Agora vá, mandriã, que no
Black Marlin não há lugar para preguiçosas e com nojinho não!
O olhar de Juliette para ela era colérico. Aquele
dia não era um bom dia para desobedecer a Imediata, que estava na TPM.
Com medo, Françoise obedeceu, e bateu na porta do
quarto da Capitã.
-Pode entrar!
-Vim...ordens da Juliette...recolher e lavar seu
penico, Capitã...com licença !
-Ah, sim, está ali, debaixo da cama. Pode levar,
e depois o traga aqui limpo. e não precisa ficar vermelha de vergonha deste
jeito não.
Disse June, calma e com a maior naturalidade,
sentada em sua escrivaninha, soltando um sorriso.
O cheiro ali estava absolutamente insuportável. A
menina o recolheu e quase desmaiou com a fetidão.
Com muito cuidado levou o penico, de grandes
dimensões, para a amurada do costado e jogou tudo aquilo no mar. E pensou:
-E agora, como é que vou lavar este troço
nojento?
Vivian passava por ali, viu que a menina estava
em dúvidas, com o grande penico na mão, e disse:
-Vai na última galé e busque um pano. Quanto ‘a
sabão, peça para a Joanna, que ela te dá um, ela que faz os sabões aqui.
-Ai, não, eu vou ter de descer naquele lugar
horrível e nojento para...
-Vai, sua fresca, vai logo !Anda, menina !
E Vivian empurrou a garota com brutalidade.
E lá se foi a menina. Ela desceu três lances de
escada e voltou para aquela escuridão tenebrosa. Lá, driblando os ratos,
apavorada, foi até a frente do navio e achou um pano qualquer e fugiu correndo.
Ao chegar na primeira galé , encontrou Joanna, e pediu por sabão.
-Ah, sim, vou pegar aqui no armário da cozinha.
Depois vou pedir para a Capitã para que te deixe me ajudar a fazer mais sabão.
Mas por hora, vá e lave o penico e o entregue de volta. Estou quase terminando
o almoço e daqui a pouco vou chamar todo mundo. Procure não demorar, ou ficará
sem almoço !
Françoise só então escutou seu estômago roncar.
Mais conformada, foi até o tombadilho e perto da escada que levava para cima do
castelo de proa, pegou um balde, que ficava pendurado numa corda e numa
roldana, e pegou água do mar, e lavou o penico. Depois, lavou as mãos,
reclamando em pensamento que aquele sabão era fedorento, gorduroso e não tinha
o perfume dos sabões do Castelo.
Ouviu então o sino de bronze que ficava debaixo
da escada tocar: era Joanna, convocando a Tripulação para almoçar.
Repentinamente, de todo lado do navio apareceu
gente, e ela teve de ir correndo, e recebeu seu prato de peixe ensopado com
batatas.
-Onde estão os talheres? Onde está a louça? Onde
está a mesa? Como vou comer assim?
-Sossega, menina, aqui não é seu castelo não! Os
pratos são de metal, não tem talheres para nós, só para a Capitã e Imediata, e
mesa só tem para elas também, nós piratas comuns comemos com as mãos e de
qualquer jeito, sentadas, no chão, em pé, do jeito que der. E não reclame da
comida, por que hoje está muito melhor que a maioria dos dias, que quando muito
tem um pouco de carne seca com biscoitos velhos e farinhentos !
-Puxa, Léa, não sabia...desculpe...
-Come logo de vez, e nem pense em pedir para
repetir o prato !
Disse Léa, com má vontade.
Depois que almoçou, Françoise puxou assunto com
Bianca:
-Fiquei impressionada com tanta gente que tem
aqui !
-Somos ao todo, setenta e seis marujas. É
bastante gente para um navio deste tamanho. E aí, Carmen, você vai contar para
a gente suas histórias de seus tempos de rainha?
Só então Françoise olhou para Carmen, que
estivera sentada ao seu lado. Ao ver aquela moça africana e seus grandes
cabelos encaracolados, ela exclamou:
-Eee? O que faz uma escrava aqui?
Todo mundo olhou para a menina com um olhar atravessado
e amedrontado.
-Iiih, isto não vai terminar bem...mexeu com a
mulher errada...
Disse Lilian que também estava sentada do lado
delas.
Carmen, furiosa, pegou a princesa pelo colarinho
e a levantou e gritou na cara dela:
-Eu não sou mais escrava ! Fui libertada e hoje
sou uma pirata ! Está com nojo de mim só
por que sou negra, é? Quer enfrentar minha espada, garota?
Françoise ficou pálida com cera e engoliu em
seco. Parecia estar vendo a própria morte na frente dela quando viu o brilho na
espada de Carnem para fora da bainha.
-Não, não senhora, desculpe, por favor, me poupe,
foi sem querer, por favor, me perdoa!
Uma mão pousou no ombro de Carmen. Era Long Legs
Laura.
-Deixe a menina em paz, ela não está acostumada
com aqui ainda.
-Tudo bem, tudo bem, mas se me ofender de novo,
vai apanhar, ouviu, garotinha mimada? Nunca mais me chame de escrava!
-Si...sim, senhora, Carmen !
E a mão se soltou
e a princesa desabou no chão.
-Já terminou de comer? Vá recolher e lavar os
pratos da Capitã e da Imediata no castelo de proa, Fran!
-Sim, senhora, senhora Laura !
E lá se foi a menina.
-Coitada da menina, gente, vamos com calma, ela é
novata !
Disse Suzanne para as demais que almoçavam na
galé superior.
-Calma nós temos, minha irmã, mas se ela
continuar fazendo bobagens assim, não viverá muito não!
-Temos que lembrar que ela é uma criança afinal,
Rachel !E ei, nós não tratamos nem a Celine, nem a Melissa deste jeito quando
chegaram aqui, por que só com ela?
-Por que ela é nobre, Suzanne, por isto !
-Isto não justifica, Constance, eu e a Rachel
também fomos nobres e não fomos tratadas assim !Isto é inveja, se querem saber
!
-Vocês mostraram que sabiam se defender bem e se
impuseram desde o começo. Françoise é uma criança mimada e birrenta, então vai
ser uma longa viagem até ela conquistar nosso respeito !
-Então somos
todas covardes? Vamos mexer com uma criança indefesa e arriscar a vida
dela só por que não gostamos dela?Por isto vamos desrespeitá-la? Minha irmã tem
toda a razão !
Diante das palavras provocadoras de Rachel,
Vivian respondeu raivosa:
-Quem você está chamando de covardes, fanfarrona?
Está a fim de morrer, é?
-Eu não tenho medo de você, valentonas morrem
cedo, entendeu?
Disse Rachel se levantando , pronta a
desembainhar sua espada.
-Ei, ei, calma, calma, gente !Precisamos de
união, não de brigas, acalmem-se, ou alguém lá de cima pode vir nos castigar !
Lembrando de June e Juliette , as brigonas
pararam bufando.
Enquanto tudo isto ocorria, Françoise voltava dos
aposentos da Capitã, quando viu as piratas saindo pela escada e ganhando o
tombadilho, sem olhar na cara dela e em silêncio, indo para os mastros.
Françoise então desceu para a galé superior e
chegou na cozinha. Joanna a viu:
-Pois não?
-Me mandaram lavar os pratos e talheres da Capitã
e da Imediata.
-Bom, ali no canto fica o barril de água fresca.
Ele é muito preciosos então não desperdice. Destampe-o e pegue esta vasilha
tire um pouco de água com esta concha, pegue este pano e este sabão e lave,
depois enxague só uma vez. Depois guarde-os neste armário. E não se esqueça de
tampar o barril.
Dali há pouco apareceram Vivian e Léa. Elas viram
a menina entrar e resolveram ir atrás dela antes de subir nos mastros.
-Oi, garotas, em que posso ajuda-las?
-Viemos tomar um pouco de água, Joanna.
-Pois não, Vivian, aqui está, meia caneca para
cada uma. Fran, não se esqueça de lavar as canecas delas também !
(Por continuar)
Nenhum comentário:
Postar um comentário