quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Conto: A Manifestação



A Manifestação


Finalmente estava  tudo pronto para a Manifestação.
Glória comandava as massas e sua pele de tom caramelo escuro brilhava ao sol. Seus cabelos encaracolados pouco balançavam com o vento, mas o olhar daqueles olhos de um negro profundo era determinado, decidido. De seus lábios espessos e curvilíneos se ouviu:
-Avançar !
Aquele corpo magro  e alto parecia tão leve e lépido, mas transmitia tanta confiança e fortaleza, com seus movimentos  graciosos , mas intensamente resolutos, que pareciam encantar a multidão.
De um lado, ficava o Parlamento, de outro, uma fila de prédios  dos Ministérios, ‘a frente, o Palácio Presidencial.
Pela manifestação aguardavam milhares de policiais da tropa de choque, cães, e a Cavalaria também ali estava, com centenas de equinos de duas e quatro pernas. Helicópteros da Polícia e da principal rede de televisão sobrevoavam o palco da revolta.
Centenas e centenas de carros de polícia também estavam presentes.
Dentro dos prédios, políticos votavam Leis anti povo e Lesa Pátria. Outros, estavam reunidos em negociatas escusas e obscuras, conspirando contra seu próprio povo, planejando golpes perversos. Mais abaixo, no prédio da Suprema Coorte do País, supremos juízes confabulavam julgando causas em favor das Elites e tomando decisões que eram uma verdadeira traição ‘a Democracia, Estado de Direito e estupravam violentamente a Constituição, sem dó nem piedade.
E eis que a multidão chegou. Contavam-se em um milhão, e tomaram toda a praça central entre os prédios oficiais.
Chegaram rufando suas palavras de ordem, de peito aberto, corajosamente, mulheres e homens.
Bastou a aproximação  e os policiais se inquietaram, vendo  a imensa multidão se espalhar pela praça.
Centenas de milhares começaram a fazer uma movimentação de cerco ao Parlamento, e os policiais responderam com bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral, mas apesar de muitos serem atingidos, o grosso continuou avançando, pois estas armas eram eficazes contra pequenas multidões, mas não alcançavam os que estavam na retaguarda, que iam substituindo os da vanguarda.
A horda de policiais apelou para os cassetetes e bala as balas de borracha, com seus fuzis.
Mas a proporção era de cem para um a favor dos manifestantes e eles continuavam avançando, embora muitos apanhassem brutalmente.
Mais bombas e a cavalaria entrou em ação, mas a multidão compactou-se, e começaram a se comprimir junto as pernas dos cavalos, sem dar espaço para que eles os pisoteassem. No início, durante a aproximação, no entanto, ao menos um milhar fora violentamente pisoteado e já se registravam centenas de mortes.
Mas a onda humana continuava avançando e o cerco humano ao Parlamento se fechou e completou.
Os manifestantes liderados pela valente moça chamada Glória, continuou avançando e agora comprimiam os policiais junto ‘as paredes do prédio, e por mais que estes batessem e jogassem bombas, não conseguiam atingir a todos.
Do alto dos prédios mais próximos, diversos manifestantes com binóculos potentes avisavam Glória e os cabeças da Menifestação dos movimentos da Polícia, e ela manobrava os manifestantes como um General o faz com seu exército, com táticas e estratégias bem planejadas, afinal, a Manifestação tinha sido meticulosamente planejada por meses.
Acuados, e espremidos contra os prédios e uns contra os outros, os policiais iam sendo esmagados pelo peso da massa popular.
Como previsto, eles solicitaram reforços e estes, ao chegar, tentaram cercar os manifestantes.
Mas aí veio a surpresa que os policiais não esperavam: mal eles começaram a repressão, chegou mais um milhão de manifestantes e os cercaram.
Então parte dos manifestantes originais marcharam para cima dos novos policiais, e os novos manifestantes também, comprimindo os policiais em um sanduíche mortal.
O povo simplesmente marchava e deixava que seu peso em massa em duas direções opostas, em direção aos policiais no meio, esmagasse os opressores.
Sem espaço mais para usar cassetetes , armas e bombas, os repressores iam sendo violentamente comprimidos uns contra os outros esmagando-se uns aos outros, pelo peso da população.
Quando as autoridades se deram conta, todos os prédios públicos estavam cercados e com as multidões forçando os policiais cada vez mais para trás. ‘As vezes, se dispersavam um pouco, mas logo voltavam a se concentrar.
E mais e mais manifestantes iam chegando, de ruas próximas, e agora eram seis milhões, e as autoridades não tiveram outra escolha: desesperadas, chamaram o Exército.
Este não demorou a chegar, com seus tanques e fuzis com balas de verdade, e começou o massacre:
Milhares de balas de chumbo voavam pela praça e sangue esvoaçava por todo lado. Dentre os manifestantes, os mortos se contavam ‘as dezenas de milhares.
Carros blindados e tanques atropelavam multidões e saíam esmagando quem estivesse no caminho.
Mas mesmo diante desta literalmente esmagadora repressão, os manifestantes continuavam firmes.E mais e mais populares chegavam.
Agora eram oito milhões, apesar das centenas de milhares de mortes.
Então chegaram os helicópteros de caça: quatro, munidos de canhões de trinta milímetros e metralhadoras de nove milímetros, mais foguetes.
Os helicópteros atiraram na multidão sem dó nem piedade, com todo o seu poderia, esvaziando toda a sua munição neles.
A praça ficou rubra de sangue, com milhares e milhares de cadáveres, mas mais e mais gente chegava, e quando a munição se esgotou, ainda existiam dois milhões, que finalmente conseguiram invadir os prédios e vencer os policiais e seguranças intrincehirados.
Quinhentos deputados da Direita e cinquenta senadores da Direita foram linchados até a morte. Igual destino tiveram o Presidente e o Vice, bem como todos os Ministros do Governo e todos os Ministros Da Suprema Coorte.
Todos mortos, só restando vivos os Deputados e  Senadores de Esquerda.
A rede de televisão, diante da derrota do Governo e demais Poderes, parou de filmar e foi embora.
Glória, da Tribuna do Parlamento, bradou:
-Vitória !
E em minutos, a praça se esvaziou. Mais milhares morreram na fuga pelos seus repressores.
Ao todo, cinco milhões de populares jaziam mortos, cobrindo a praça e arredores dos Palácios e prédios oficiais com um mar de cadáveres. Todo o gramado e concreto da região estava vermelho de tanto sangue, verdadeiro mar.
Mas o governo e  a Direita estavam liquidados.
Na televisão, a  emissora só  lamentou os quinhentos e cinquenta parlamentares, onze juízes, trinta ministros, Presidente e Vice, mortos.
É como se a população de manifestantes sequer existisse.
Mas repentinamente, uma horda de manifestantes invadiu a emissora em plena transmissão do telejornal e mataram os jornalistas, apresentadores e técnicos.
De surpresa também foi a invasão da mansão dos donos da emissora, também linchados até a morte.
Já era tarde da noite, e a turba arrefeceu.
Como seria o dia seguinte, ninguém sabia, mas Glória comemorava com seus e suas camaradas.
Logo chegariam as novas eleições gerais diretas, mas a Heroína não se candidataria.O futuro ainda iria ser definido, apenas se sabia que finalmente a Democracia e o Estado de Direito renasceriam depois da Revolução terminada.

                                            FIM

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