quarta-feira, 25 de maio de 2016

Capítulo 23-Minissérie: Adora-Alguém como você



Depois de mais algumas aulas, ele já escrevia perfeitamente, e ela sabia que ele lia e entendia tudo o que escrevia, pois escrevia no papel tudo o que tinha entendido dos livros da coleção dele.
Agora era a hora, no entender de Adora, de aprender a interpretar textos. Ou ela achava que ele tinha de aprender, pois os livros científicos dele, ele interpretava perfeitamente, já que os dois conversavam escrevendo perguntas e respostas no papel.
Mas quando ela deu um livro de literatura para ele, ele decepcionou fragorosamente. A linguagem científica era precisa, concisa, lógica, fria, racional, sem nenhum fator emocional a interpretar. E era aí que começavam os erros de Damian, pois ele estava acostumado a interpretar apenas seus próprios sentimentos, não os dos outros. Não que ele não interpretasse os dos outros, não o soubesse fazê-lo, isto ele fazia bem-quando queria.
A questão era a de que muitas vezes ele se  colocava no lugar das pessoas reais, mas não eram na verdade as reais, eram as  idealizadas por ele, prevendo um comportamento e sentimentos que ele tinha colocado nas pessoas reais que ele idealizava na cabeça e não como ela eram realmente. E aí a chance de errar era grande. Por que ele imaginava  a personagem do livro, fazia sua interpretação dela, que após passar pelo inconsciente dele ganhava uma personalidade totalmente diferente da personagem descrita no livro, pois a personagem agora era como ele queria que ela fosse, não como o autor do livro dizia que ela era. Ele se apropriava das personagens e elas deixavam de ser, na sua imaginação, não como o autor do livro imaginou, mas como Damian queria que fossem.
Só que Adora não sabia de nada disto, e quebrava a cabeça para tentar entender como ele chegava a conclusões de interpretações do texto tão diferentes das dela !
Outra coisa que ela não tinha como saber é que ele sabia e tinha entendido perfeitamente como eram e como se comportavam os personagens do livro, pois ele os utilizava como ele eram realmente para depois criar em cima e adicionar sua visão deles.
E que cada pessoa que ele conhecia na Realidade tinha um correspondente no Mundo Interno de fantasia, já modificado por ele para ficar do jeito que ele gostaria.
Naquela noite, depois da aula, aturdida ela tinha a cabeça fervilhando de dúvidas.Ela se perguntava se, de repente, a interpretação de textos seria uma só correta e qualquer interpretação desviante ou diferente seria errada. Estaria ela na verdade, querendo direcionar a interpretação de texto dele para a dela, fazendo com que ele fosse forçado a ver o texto e ter sempre as mesmas opiniões que ela? Estaria ela agindo de forma ditatorial? Mas não seria a educação, em súmula, em essência, a imposição de conhecimentos e formas de chegar ao conhecimento padronizadas? Seria a Educação uma forma de condicionamento, amestramento, impositiva e ditatorial por natureza? Afinal, ensinava-se como verdade absoluta e indiscutível os conhecimentos já consagrados por centenas de estudiosos e cientistas, através dos séculos, que ninguém se atreve a contestar por que já incorporados ao Senso Comum e ao Bom Senso , e ela já estava tão acostumada a ensinar todo dia, todo ano, para todas as classes sempre os mesmos repetitivos e batidos conhecimentos, e, de certa forma ela se restringia e restringia seus alunos, ao restringir a uma visão estreita e compactada de apenas certos conhecimentos selecionados, em uma prática que não estimulava o senso crítico nem a visão crítica da sociedade e da realidade. Então não estaria Damian no fundo correto em mostrar uma interpretação diferente e em ser arredio em aceitar a maneira de interpretar os textos como ela queria? Talvez isto não fosse um defeito, afinal, e sim uma qualidade. Ela então chegou ‘a conclusão de que ficara tempo demais prestando atenção em tentar fazer ele interpretar como ela queria, e em achar que tudo o que ele dizia eram erros, sem realmente prestar atenção no que ele dizia e como ele realmente via o texto, e que, de repente, ali naquelas interpretações dele, poderia estar a chave para descobrir o funcionamento da mente autista, do pensamento autista, do modo autista de ver a realidade.
Ela  então, ao final de suas elucubrações silenciosas e solitárias, chegou a conclusão de que ela precisava mudar de método e prestar atenção e valorizar as interpretações dele, e tentar fazer ele justificar logicamente suas interpretações.
Porém, algo ainda a preocupava:
Interpretar textos era uma coisa, interpretar pessoas reais é algo muito diferente, e mais complexo.E se ele não estava usando o Senso Comum e Lógico para interpretar as pessoas, ele teria sérios problemas de relacionamentos com as pessoas, por que as pessoas esperam das outras uma interpretação neurotípica delas mesmas, baseada no bom senso, no senso comum, que nem percebiam, isto era para elas simplesmente lógico e natural, um hábito arraigado. Ninguém esperaria a interpretação autista delas, pois não foi a para a qual foram condicionadas a vida toda para receber, por isto parecia para elas totalmente alienígena. Mas teria ela direito de condicioná-lo a esta interpretação padrão? Será que só esta interpretação padrão era a correta? Não seria essa cheia de vícios, e não erraria ela muitas vezes? Afinal as pessoas não são padronizadas, são diferentes entre si. Mas as pessoas então é que teriam de aprender a entender esta nova interpretação autística delas? Mas como se faria isto, se elas já estavam tão profundamente condicionada?
Nem ela mesma sabia responder estas questões no momento, tudo que ela sabia é que estava com uma dor de cabeça monstruosa de tanto pensar, e se levantou da cama, foi até a cozinha, esquentou um copo de leite com chocolate no micro-ondas e tomou um remédio para dor de cabeça e depois voltou para a cama tentar dormir novamente.

(Por continuar)

2 comentários:

  1. A atualidade descrita nestes palavras ... todo as pessoas do mundo taria q ler . Cristiano ... obrigada !

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  2. A atualidade descrita nestes palavras ... todo as pessoas do mundo taria q ler . Cristiano ... obrigada !

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