A Menina e o Poente
Lá estava ela,
aquela garota de quatorze anos , solitária, no telhado do prédio, e quem a
visse parecia que estava envolta em tédio.
Mas não havia
ninguém ali para assisti-la naquele anoitecer na cidade vazia.
O vazio da cidade refletia
o vazio do coração dela, que contrastava com o céu cheio de nuvens, e os já
débeis raios do sol as iluminavam em tonalidades multicores.
Ela olhava para o
céu, sentada em uma amurada e o vento sacudia sua saia e esvoaçava seus
cabelos, que mais pareciam pássaros querendo se libertar e voar.
Suas lágrimas eram
carregadas pelo ar em movimento,
Em meio ao frio
relento que se alastrava como a dança das nuvens que encantavam aqueles
olhinhos tão vivazes, de tantas emoções capazes...
Que tamanho peso sobre
aqueles pequenos e estreitos ombros aquele terno coração carregava?
Sua angústia era tão
vasta e grandiosa quanto aquele majestoso céu que ela contemplava !
Por que aquele
seu discreto sorriso em seus finos
lábios contrastava em sua leveza, com suas lágrimas tão pesadas?
Talvez neles se
refletisse a mesma beleza que as esvoaçantes nuvens mutantes,que de forma
mudavam, e faziam voar a imaginação da menina, sonhando deleitada com animais e
castelos aéreos, em costraste com o concreto sério dos prédios, montanhas
construídas por mãos humanas desafiando ingenuamente a Natureza.
Mas os cabelos
negros que ondulavam ao vento com graça e delicadeza, destacavam da menina sua
humana natureza,de onde viera, quem sabe apontando para onde iria, eis que pois
com sua sábia maestria, ora pois, quem diria, ensinava o Mundo sua vastidão
para a menina, que tudo via, e em sua pequenez tanta beleza vislumbrava
deslumbrava, que dela fazia parte com ela interagia.
Criança e Natureza
se fundindo em um só poente, expoente de uma breve Vida, e acima das nuvens as
estrelas já se divisavam em meio aos matizes vermelhos, amarelos,
alaranjados,rosados, tantas cores, tantos brilhos e o movimento grácil das
nuvens pareciam regidos pelos braços da menina, qual maestrina, exercia sua
ilusão de comandar a tão vasta Natureza, com a tão sensível certeza que só a
imaginação infantil daria!
Poente incandescente
da Vida por sobre a cidade monumental, mas frágil diante do esplendor da
Natureza, se escondia nas penumbras e trevas da escuridão incerta, tal vergonha
refletia perante a grandiosidade inenarrável do firmamento!
Mas a menina, ali
sentada, olhando para o céu, sonhando e assistindo ao magistral evento, sabia
que aquele por do sol não era só um fugaz momento, era o por do sol de sua
vida, da humanidade da qual era ela sua última representante naquele mundo
vazio, e ela percebia, oh, sim, ela percebia, que tão grande quanto aquele
firmamento se sentia, que o mundo podia estar vazio de pessoas, mas cheio de
belezas e sentidos,e que tinha sua fantasia como companhia, então não se sentia
de modo algum sozinha.
Por isto mesmo as
lágrimas e o sorriso ao mesmo tempo, ali levadas pelo vento ao relento,pois tão
grande quanto a própria Natureza se sentia, pois ao seu ver, ela era as nuvens,
o céu, as estrelas, o vento veloz, com sua força feroz,que chicoteava seu rosto
de modo atroz; ainda sim a vontade da pequena menina diante de tão magnífico e
poderoso ambiente era desafiar tudo aquilo com sua voz:
-Boa noite, ó
Natureza, que a mim felicidade ofereças, faz de mim passarinho a voar pelos
teus céus, liberdade é tua essência, abriga-me com teu manto confortador de
tantas estrelas, acalma meu coração arredio, preenche de minha alma meu vazio,
encha de belezas e cores meu coração, expulsa as dores e faça em mim anoitecer
meus temores, a ti entrego minha vida, pois de ti vim e a ti um dia voltarei,
pois de ti sou parte, posto que és sensibilidade, posto que és amor,Natureza
Mãe que me colocastes no mundo e a quem sou infinitamente agradecida,muito
obrigada por minha Vida, me acalenta, por favor me abriga, teu coração é
infinito e não tenho palavras para agradecer o tudo que já fizeste por mim,como
podes ser tão bela assim, que a noite da minha vida seja feliz e tranquila !
Deitada no concreto,
em seu cantinho secreto, a garota dormiu em meio ao vento e o cantar dos grilos ao
longe,quando as cores finalmente deixaram os céus, e a Lua se mostrou
imperatriz do firmamento com sua coorte de estrelas a brilhar, brilhar...
FIM
Cristiano Camargo
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