sábado, 11 de abril de 2015

Conto: A Menina e o Poente



 A Menina e o Poente


Lá estava ela, aquela garota de quatorze anos , solitária, no telhado do prédio, e quem a visse parecia que estava envolta em tédio.
Mas não havia ninguém ali para assisti-la naquele anoitecer na cidade vazia.
O vazio da cidade refletia o vazio do coração dela, que contrastava com o céu cheio de nuvens, e os já débeis raios do sol as iluminavam em tonalidades multicores.
Ela olhava para o céu, sentada em uma amurada e o vento sacudia sua saia e esvoaçava seus cabelos, que mais pareciam pássaros querendo se libertar e voar.
Suas lágrimas eram carregadas pelo ar em movimento,
Em meio ao frio relento que se alastrava como a dança das nuvens que encantavam aqueles olhinhos tão vivazes, de tantas emoções capazes...
Que tamanho peso sobre aqueles pequenos e estreitos ombros aquele terno coração carregava?
Sua angústia era tão vasta e grandiosa quanto aquele majestoso céu que ela contemplava !
Por que aquele seu  discreto sorriso em seus finos lábios contrastava em sua leveza, com suas lágrimas tão pesadas?
Talvez neles se refletisse a mesma beleza que as esvoaçantes nuvens mutantes,que de forma mudavam, e faziam voar a imaginação da menina, sonhando deleitada com animais e castelos aéreos, em costraste com o concreto sério dos prédios, montanhas construídas por mãos humanas desafiando ingenuamente a Natureza.
Mas os cabelos negros que ondulavam ao vento com graça e delicadeza, destacavam da menina sua humana natureza,de onde viera, quem sabe apontando para onde iria, eis que pois com sua sábia maestria, ora pois, quem diria, ensinava o Mundo sua vastidão para a menina, que tudo via, e em sua pequenez tanta beleza vislumbrava deslumbrava, que dela fazia parte com ela interagia.
Criança e Natureza se fundindo em um só poente, expoente de uma breve Vida, e acima das nuvens as estrelas já se divisavam em meio aos matizes vermelhos, amarelos, alaranjados,rosados, tantas cores, tantos brilhos e o movimento grácil das nuvens pareciam regidos pelos braços da menina, qual maestrina, exercia sua ilusão de comandar a tão vasta Natureza, com a tão sensível certeza que só a imaginação infantil daria!
Poente incandescente da Vida por sobre a cidade monumental, mas frágil diante do esplendor da Natureza, se escondia nas penumbras e trevas da escuridão incerta, tal vergonha refletia perante a grandiosidade inenarrável do firmamento!
Mas a menina, ali sentada, olhando para o céu, sonhando e assistindo ao magistral evento, sabia que aquele por do sol não era só um fugaz momento, era o por do sol de sua vida, da humanidade da qual era ela sua última representante naquele mundo vazio, e ela percebia, oh, sim, ela percebia, que tão grande quanto aquele firmamento se sentia, que o mundo podia estar vazio de pessoas, mas cheio de belezas e sentidos,e que tinha sua fantasia como companhia, então não se sentia de modo algum sozinha.
Por isto mesmo as lágrimas e o sorriso ao mesmo tempo, ali levadas pelo vento ao relento,pois tão grande quanto a própria Natureza se sentia, pois ao seu ver, ela era as nuvens, o céu, as estrelas, o vento veloz, com sua força feroz,que chicoteava seu rosto de modo atroz; ainda sim a vontade da pequena menina diante de tão magnífico e poderoso ambiente era desafiar tudo aquilo com sua voz:
-Boa noite, ó Natureza, que a mim felicidade ofereças, faz de mim passarinho a voar pelos teus céus, liberdade é tua essência, abriga-me com teu manto confortador de tantas estrelas, acalma meu coração arredio, preenche de minha alma meu vazio, encha de belezas e cores meu coração, expulsa as dores e faça em mim anoitecer meus temores, a ti entrego minha vida, pois de ti vim e a ti um dia voltarei, pois de ti sou parte, posto que és sensibilidade, posto que és amor,Natureza Mãe que me colocastes no mundo e a quem sou infinitamente agradecida,muito obrigada por minha Vida, me acalenta, por favor me abriga, teu coração é infinito e não tenho palavras para agradecer o tudo que já fizeste por mim,como podes ser tão bela assim, que a noite da minha vida seja feliz e tranquila !
Deitada no concreto, em seu cantinho secreto, a garota dormiu  em meio ao vento e o cantar dos grilos ao longe,quando as cores finalmente deixaram os céus, e a Lua se mostrou imperatriz do firmamento com sua coorte de estrelas a brilhar, brilhar...
FIM

Cristiano Camargo


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