terça-feira, 29 de julho de 2014

Conto: Por uma velha amiga muito querida



Por uma velha amiga  muito querida

Um a brisa fria e macia irrompia pelo ambiente escurecido pelo tempo nublado e cinzento como a paisagem repleta de frio e insensível concreto.
Nem tão fria assim:
Ele estava ali parado,sozinho, a frente da lápide de uma velha e muito querida amiga que havia pouco subira às estrelas para não mais voltar.
Ou ao menos ele achava que não voltaria.No alto da lápide estava esculpida a imagem feminina de um anjo.Ele olhava para o anjo, mas não conseguia chorar,eis que começava um leve chuviscar e o tempo chorava por ele,refletindo seu pranto mais íntimo.
Sua mente viajava,naquele entardecer tão obscuro, por  trinta e cinco anos de lembranças ternas,de um convívio tão raro com alguém de uma sensibilidade tão delicada e bela,a resplancescer o brilho daquela alma, não, daquele ser humano ,tão precioso em sua beleza de coração que ele não se conformava de ela ter-se ido assim tao cedo.
Eis que a beleza daquelas lembranças tao desesperadamente guardadas,posto que fugazes ,pela  inconfiável e inexata memória,fazia doer o coração,que jazia pesado e pequeno para tamanha piedade.
Piedade como profunda compreensão da pessoa humana,da beleza de entender quem ela realmente é,da dimensão da perda que a ausência toma
quando o coração à pessoa querida não falta.Coração como querer bem as pessoas e entender o quanto lhe são importantes e lhe significam.Tudo isto ele tinha certeza que eram intrínsecas a ela, faziam parte de sua essência de ser.
Ele pensava em toda a vida dela que ele sabia, o que ela viveu, sofreu e se alegrou,o que lhe fazia sentido e o que lhe aprazia o coração,enlevava o carinho de gostar do fundo do coração de fazer as pessoas amigas se sentirem queridas e amparadas e o que lhe doía agora era não poder ampará-la quando ela precisou, nem ter podido estar ao lado dela quando ela já estava por ir.A impotência diante da cessão da vida, eis que pois é tão grandiosa que está acima da capacidade dos corações humanos de sentir a dor.Eis que o peito dele doía e parecia explodir em soluços convulsos e indecisos e as palavras, para seu exaspero, não lhe vinham sequer à mente.
Num fio de esperança ele olhou uma última vez para o anjo e um pedido profundo cujas palavras não se podiam expressar, e nem precisavam aflorou em sua mente tanto assim torturada.
Foi quando notou que débeis raios de luz solar iluminaram um pouco a lápide,e as gotas de chuva brilhavam ao por do sol escorrendo dos olhos do anjo qual lágrimas,e foi então que olhou atrás de si, e viu um arco-íris se formar.Quando voltou os olhos a frente,o reflexo da luz foi forte e cegante, e por um momento parecia que o anjo de concreto adquiria vida.
Neste preciso momento sentiu-se abraçado por trás,e asas alvas o envolveram.
No inicio, sentiu medo, mas o calor daquele abraço, e o bem querer que daquelas  asas emanava refletia o bem que do coração que batia mansamente às suas costas irradiava, fazendo-o relaxar e se sentir querido e seguro como se estivesse nos braços da própria mãe.
Virou-se para a frente e a abraçou, e ela lhe acariciava os cabelos como faria com um filho.
Foi quando toda a sua dor   e suas saudades transbordaram e o pranto lhe veio copioso,prato que ele não conseguia externar.
Uma enorme sensação de alívio lhe percorreu o coração, agora leve como as plumas que o envolviam.
Palavras não são necessárias quando existe a mútua delicadeza ,sensibilidade de alma.
Ele então sentiu que ela partira porque precisara,mas não iria lhe faltar,e ele o sabia bem porque a viu diminuir de tamanho e voar para dentro do seu coração, parecia que podia vê-la se aninhar lá dentro e repousar tranquila e feliz.
Já era noite alta quando acordou.Levantou-se de cima do túmulo e viu o céu estrelado, e como as estrelas, seus olhos brilharam também.
Agora ele já não sabia se dormira e sonhara, se tinha desmaiado e voltado a si,ou se passara por  transe hipnótico, enfim, nada disso mais importava.Apenas lhe importava que aquele anjo parecia suspeito e parecia com alguém que conhecia muito bem.Despediu-se da amiga que ali jazia como se fosse só mais uma visita.Ao sair, podia jurar que aquele anjo piscara um olho para ele,para dizer que estava tudo bem que podia ir embora sem remorsos,mas agora ele não distinguia, e nem queria saber de distinguir naquele momento,realidade da fantasia. Isto não importava-o que sentira fora real  para ele, e é para ele e só para ele que isto importava.Sorriu e devolveu-lhe a piscadinha, e o guarda do cemitério não entendeu mais nada.
Nem precisava. Apenas viu o homem sumir no horizonte de concreto de aço, com o coração leve e quente e um sorriso no rosto- era  bem querido afinal !

                                                                            FIM

                                                                   Cristiano Camargo

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