Lune ficou até tarde da noite lendo seus livros
de filosofia até adormecer.
O dia seguinte amanheceu chuvoso, e desta vez
Momiji a levou de carro na escola. Como sempre fazia, Lune foi calada o tempo
todo e não quis responder as perguntas aflitas da mãe que tentava entender o
que acontecera antes.
-Obrigada, tchau! E Lune bateu a porta da
minivan da mãe, e entrou na escola.
No intervalo, ela e Rina foram almoçar juntas e
conversavam no terraço que havia no telhado da escola.
O vento forte teimava em levantar as saias
curtas, mas não havia ninguém para ver.
-Você não quer entrar, Lune-san?
-Não, eu gosto da chuva, gosto de me molhar...
-Mas você está de guarda -chuva aberto como
eu....
Disse Rina, com um risinho.
-O vento leva a chuva por baixo deste artefato.
Você tem razão, melhor fechá-lo, é incoerente comigo mesma!
-Mas a gente vai é pegar uma bela gripe, isto
sim! Você não está com frio? O vento está gelado!
-Rina-san, eu sinto o frio da Sociedade, a
Sociedade é o Nada. A chuva é uma metáfora do Nada. Somos como cada pingo desta
chuva. A Sociedade são as nuvens negras e os raios são a repressão à Identidade
das pessoas, os trovões, a censura que sofremos para que não tenhamos opiniões
próprias e não nos revoltemos contra o Sistema. Ao nos revoltarmos, a Sociedade
como expressão notória do Nada nos destrói e descarta, então cada pingo destes
é alguém que se esvai desumanamente para o Nada. Somos eternamente reprimidas. As
pressões começam desde cedo ,para que
sejamos sociáveis. A Sociabilidade, minha amiga, é a ferramenta da Sociedade
para nos moldar e nos encaixar em formas sociais pré- formatadas e padronizadas,
para que pela Sociedade possamos ser consumidas e exploradas até sermos
descartadas.
-Quem podemos ser , se estivermos isoladas?
Qual o sentido da Civilização e da História até agora, ser social não faz parte
da essência de se ser um Ser Humano, Lune-San?
-Seremos nós mesmas, nossa essência, nós
mesmas, estaremos fora do Nada, fugindo do Nada. A Civilização precisou, na
Pré- História e nos tempos antigos da História, da Sociabilidade para dominar a
Natureza e a enfrentar. Mas Hoje a Humanidade já venceu a Natureza, então, não
necessitamos mais de Sociedades, portanto, de Sociabilidade!
-Então devemos nos debandar e ir viver na
Natureza, voltar à Pré- História, viver como índios?
-Você está distorcendo o sentido do que eu
disse, ou ainda não o entendeu, minha amiga. Na Pré- História a Sociabilidade já
existia e quanto aos índios, eles são uma forma de Sociedade primitiva.
-Então como consegue conceber uma vida sem
Sociedade, sem sociabilidade?
-Rina-san, Sociedade e Sociabilidade são coisas
diferentes. Lembra de Rousseu? Como ele poderia não ter razão em dizer que as
pessoas nascem puras e que é a Sociedade que as corrompe? Eu não estou
defendendo a idéia de viver sem Sociedade. Estou defendendo que a Sociabilidade
não é fundamental na Sociedade. Uma Sociedade pode ter indivíduos isolados
vivendo dentro dela sem se relacionar, sem ter amigos, apenas se sustentando e
mantendo os contatos só o mínimo necessário. A pessoa pode trabalhar sozinha,
ganhar seu dinheiro sozinha, pagar seus impostos sozinha e viver feliz sozinha,
procurando não se deixar corromper pela Sociedade e mantendo sua Identidade
própria, suas opiniões próprias e sua visão da Sociedade e a observar e julgar.
Por isto que decidi que a partir de hoje vou caminhar sozinha pelo centro da
cidade e ficar imersa em minhas filosofias e pensamentos, observando e julgando
a Sociedade!
- Então você se considera acima e fora da
Sociedade, Lune-san? Como você consegue se manter acima da Sociedade e
considerar-se fora dela se você está imersa nela? Você tem uma família, isto é
Sociedade, vive numa cidade, isto é Sociedade, está numa escola, isto também é
Sociedade...e você acha que a Sociedade não a corrompeu, Lune-san? Então, por
que veste roupas, usa uniformes, e está comendo este sanduíche de yakissoba e
tomando refrigerante de uma multinacional? E esta barrinha de chocolate saindo
do bolso da sua saia?
Lune começou a ficar nervosa:
-Eu não poderia ficar pelada! E não posso ficar
sem comer!
-Ei, ei, não precisa gritar, calma, calma...
Lune se sentia humilhada por os argumentos da
amiga lhe parecerem melhores que os seus próprios e se cobrava argumentos
melhores, ela não se perdoava em ter " falhado" e seus argumentos e
deixado brecha para a amiga contra argumentar , e não se conformava em não ter
previsto que Rina pudesse tocar neste ponto e não ter lembrado que este era um
flanco que ela tinha deixado exposto e que poderia ser explorado
"contra" ela. Mas mais ódio de si mesma ela ficava mesmo era de estar
tendo grandes dificuldades para rebater, em sua mente, os argumentos de Rina.
Não passava pela cabeça dela que Rina era um ano mais velha que ela, tinha
começado a estudar filosofia antes dela, e ,sobretudo, que Rina era sociável,
tinha amigos, já tinha namorado e tinha uma experiência da Vida que ela ainda
não tinha. Se havia algo que Lune detestava era ter de admitir que outras
pessoas pudessem estar certas, que não ela mesma. Por ela, ela estaria sempre
certa e venceria todos os debates. Outra coisa que Lune detestava era ter de
improvisar, pensar rapidamente e dar uma resposta logo.Mas o que realmente a atormentava era o fato de ter falhado, a consciência de ter em sua mente guardados, raciocínios melhores e argumentos mais sofisticados, pelos quais ela poderia ter optado, e só ter se lembrado disto depois, e ter escolhido errado os argumentos e falhados era um erro do qual ela não se perdoava !
Mas Rina percebeu e conhecia muito bem como
Lune era e se comportava e resolveu ir para uma saída estratégica para sair do
impasse, inclusive por que estava louca para sair da chuva, que agora
engrossava:
-Lune-san, olha, não precisa responder agora,
ok? Pensa depois em casa com calma direitinho e depois me responde. O nosso
debate não terminou, apenas será adiado, para que você tenha tempo de pensar e
responder-me adequadamente!
Dava para ver o alívio no rosto atormentado e
aflito de Lune, que se cobrava rapidez nas respostas,mas com as escolhas corretas.
Rina pegou na mão de Lune e a puxou para a
escadaria coberta para saírem do terraço.
Ao chegar em casa depois da aula, Lune estava
encharcada e tremia de frio.
-Filha, o que é isto? Você não usou seu guarda
chuva?Por que não me ligou para eu ir te buscar na escola? Vá tomar um banho !
Lune nem respondeu e subiu as escadas, entrou
no quarto e foi tomar um banho bem quente.
Ao sair, ainda sem roupa enquanto se enxugava,
o telefone celular tocou em seu quarto.
(por continuar)
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