quarta-feira, 30 de julho de 2014

Sensibilidade de Viver Origens-Episódio 7




Lune ficou até tarde da noite lendo seus livros de filosofia até adormecer.
O dia seguinte amanheceu chuvoso, e desta vez Momiji a levou de carro na escola. Como sempre fazia, Lune foi calada o tempo todo e não quis responder as perguntas aflitas da mãe que tentava entender o que acontecera antes.
-Obrigada, tchau! E Lune bateu a porta da minivan da mãe, e entrou na escola.
No intervalo, ela e Rina foram almoçar juntas e conversavam no terraço que havia no telhado da escola.
O vento forte teimava em levantar as saias curtas, mas não havia ninguém para ver.
-Você não quer entrar, Lune-san?
-Não, eu gosto da chuva, gosto de me molhar...
-Mas você está de guarda -chuva aberto como eu....
Disse Rina, com um risinho.
-O vento leva a chuva por baixo deste artefato. Você tem razão, melhor fechá-lo, é incoerente comigo mesma!
-Mas a gente vai é pegar uma bela gripe, isto sim! Você não está com frio? O vento está gelado!
-Rina-san, eu sinto o frio da Sociedade, a Sociedade é o Nada. A chuva é uma metáfora do Nada. Somos como cada pingo desta chuva. A Sociedade são as nuvens negras e os raios são a repressão à Identidade das pessoas, os trovões, a censura que sofremos para que não tenhamos opiniões próprias e não nos revoltemos contra o Sistema. Ao nos revoltarmos, a Sociedade como expressão notória do Nada nos destrói e descarta, então cada pingo destes é alguém que se esvai desumanamente para o Nada. Somos eternamente reprimidas. As pressões começam desde cedo  ,para que sejamos sociáveis. A Sociabilidade, minha amiga, é a ferramenta da Sociedade para nos moldar e nos encaixar em formas sociais pré- formatadas e padronizadas, para que pela Sociedade possamos ser consumidas e exploradas até sermos descartadas.
-Quem podemos ser , se estivermos isoladas? Qual o sentido da Civilização e da História até agora, ser social não faz parte da essência de se ser um Ser Humano, Lune-San?
-Seremos nós mesmas, nossa essência, nós mesmas, estaremos fora do Nada, fugindo do Nada. A Civilização precisou, na Pré- História e nos tempos antigos da História, da Sociabilidade para dominar a Natureza e a enfrentar. Mas Hoje a Humanidade já venceu a Natureza, então, não necessitamos mais de Sociedades, portanto, de Sociabilidade!
-Então devemos nos debandar e ir viver na Natureza, voltar à Pré- História, viver como índios?
-Você está distorcendo o sentido do que eu disse, ou ainda não o entendeu, minha amiga. Na Pré- História a Sociabilidade já existia e quanto aos índios, eles são uma forma de Sociedade primitiva.
-Então como consegue conceber uma vida sem Sociedade, sem sociabilidade?
-Rina-san, Sociedade e Sociabilidade são coisas diferentes. Lembra de Rousseu? Como ele poderia não ter razão em dizer que as pessoas nascem puras e que é a Sociedade que as corrompe? Eu não estou defendendo a idéia de viver sem Sociedade. Estou defendendo que a Sociabilidade não é fundamental na Sociedade. Uma Sociedade pode ter indivíduos isolados vivendo dentro dela sem se relacionar, sem ter amigos, apenas se sustentando e mantendo os contatos só o mínimo necessário. A pessoa pode trabalhar sozinha, ganhar seu dinheiro sozinha, pagar seus impostos sozinha e viver feliz sozinha, procurando não se deixar corromper pela Sociedade e mantendo sua Identidade própria, suas opiniões próprias e sua visão da Sociedade e a observar e julgar. Por isto que decidi que a partir de hoje vou caminhar sozinha pelo centro da cidade e ficar imersa em minhas filosofias e pensamentos, observando e julgando a Sociedade!
- Então você se considera acima e fora da Sociedade, Lune-san? Como você consegue se manter acima da Sociedade e considerar-se fora dela se você está imersa nela? Você tem uma família, isto é Sociedade, vive numa cidade, isto é Sociedade, está numa escola, isto também é Sociedade...e você acha que a Sociedade não a corrompeu, Lune-san? Então, por que veste roupas, usa uniformes, e está comendo este sanduíche de yakissoba e tomando refrigerante de uma multinacional? E esta barrinha de chocolate saindo do bolso da sua saia?
Lune começou a ficar nervosa:
-Eu não poderia ficar pelada! E não posso ficar sem comer!
-Ei, ei, não precisa gritar, calma, calma...
Lune se sentia humilhada por os argumentos da amiga lhe parecerem melhores que os seus próprios e se cobrava argumentos melhores, ela não se perdoava em ter " falhado" e seus argumentos e deixado brecha para a amiga contra argumentar , e não se conformava em não ter previsto que Rina pudesse tocar neste ponto e não ter lembrado que este era um flanco que ela tinha deixado exposto e que poderia ser explorado "contra" ela. Mas mais ódio de si mesma ela ficava mesmo era de estar tendo grandes dificuldades para rebater, em sua mente, os argumentos de Rina. Não passava pela cabeça dela que Rina era um ano mais velha que ela, tinha começado a estudar filosofia antes dela, e ,sobretudo, que Rina era sociável, tinha amigos, já tinha namorado e tinha uma experiência da Vida que ela ainda não tinha. Se havia algo que Lune detestava era ter de admitir que outras pessoas pudessem estar certas, que não ela mesma. Por ela, ela estaria sempre certa e venceria todos os debates. Outra coisa que Lune detestava era ter de improvisar, pensar rapidamente e dar uma resposta logo.Mas o que realmente a atormentava era o fato de ter falhado, a consciência de ter em sua mente guardados, raciocínios melhores e argumentos mais sofisticados, pelos quais ela poderia ter optado, e só ter se lembrado disto depois, e ter escolhido errado os argumentos e falhados era um erro do qual ela não se perdoava !
Mas Rina percebeu e conhecia muito bem como Lune era e se comportava e resolveu ir para uma saída estratégica para sair do impasse, inclusive por que estava louca para sair da chuva, que agora engrossava:
-Lune-san, olha, não precisa responder agora, ok? Pensa depois em casa com calma direitinho e depois me responde. O nosso debate não terminou, apenas será adiado, para que você tenha tempo de pensar e responder-me adequadamente!
Dava para ver o alívio no rosto atormentado e aflito de Lune, que se cobrava rapidez nas respostas,mas com as escolhas corretas.
Rina pegou na mão de Lune e a puxou para a escadaria coberta para saírem do terraço.
Ao chegar em casa depois da aula, Lune estava encharcada e tremia de frio.
-Filha, o que é isto? Você não usou seu guarda chuva?Por que não me ligou para eu ir te buscar na escola? Vá tomar um banho !
Lune nem respondeu e subiu as escadas, entrou no quarto e foi tomar um banho bem quente.
Ao sair, ainda sem roupa enquanto se enxugava, o telefone celular tocou em seu quarto.

(por continuar)

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