terça-feira, 22 de julho de 2014

Maki:análise psicológica de uma personagem

Existem algumas personagens de meus livros que acredito merecerem uma densa e profunda análise crítica,sobretudo do ponto de vista psicológico,devido principalmente a complexidade destes.
Hoje falaremos de Maki Okui,da saga Naquela fria manhã de Outono:
Maki é uma personagem carismática e emblemática,que ,em alguns aspectos, lembra a minha mãe.
Como esta,teve e foi obrigada a conviver com muitas perdas na vida:perdeu os pais muito cedo, foi criada pela irmã mais velha como se fosse filha.Só que esta irmã mais velha, Nami,também era, por sua vez,complexa:dotada de grande senso de responsabilidade,aliado a uma certa paranóia obcessiva, procurava manter Maki distante de tudo o que pudesse chocá-la ou traumatizá-la,especialmente do amor e do sexo,numa super proteção desmedida.
Os efeitos nocivos desta superproteção logo se manifestariam:Maki era extremamente dependente tanto emocionalmente como financeiramente de Nami.Quando Maki tinha 12 anos de idade, Nami já era uma executiva numa grande empresa.Porém o que Nami ignorava era que Maki era alvo constante de bullying na escola.
Tudo por que Maki era uma menina reservada, absurdamente tímida,infantilizada ao estremo(ao crescimento da mente dela em muitos aspectos não acompanhou o do corpo,sendo muitas vezes equivalente ao de uma menina da metade da idade dela),absolutamente isegura e dependente das pessoas, sem opiniões próprias, sempre se guiando pelas dos outros, especialmente as de Nami).Ela também era, além de isolada e anti-social,muito dócil e sem malícia alguma(frequentemente outros alunos passavam a mão nela ou a encoxavam e ela não via nada de mais naquilo,não via maldade, e também não sentia nada).
 Tinha uma personalidade muito humilde e submissa.Gostava de se sentir útil e estava sempre ajudando os outros, sua grande alegria na vida, mas sem pensar nunca em si mesma.Parte da culpa de sua insociabilidade e isolamento eram devidos a Nami a ter proibido desde pequena a ter amigas,e ela foi severamente reprimida e auto reprimida para não ter amizades.Embora sob um verniz de muito(doentiamente obcessivo)carinho ,existia uma violência flagrante nas palavras da irmã,altamente dominadora.Desta, com excessão de uma única vez,nunca infligiu violência física a Maki,apenas uma vez em que esta levou um grupo de amigas para casa;depois que elas foram embora, Nami ficou descontrolada e deu um tapa no rosto da menina.Porém assim que se conscientizou da reação dramáticamente lacrimosa de Maki,ela se arrependeu e procurou compensar com carinhos.
Maki é o arquétipo da sofredora:quando Nami morreu num acidente de avião,para Maki, que tinha agora 13 para 14 anos de idade agora,com a morte de Nami,o mundo dela desmoronou.
Enquanto Lune era pura razão, Maki era pura emoção.
Ao ser levada para um orfanato só para meninas,Maki sentiu o mundo ao seu redor se transformar:acabara aquele mundo cor de rosa, infantil,inocente, amoroso e carinhoso,cheio de mimos e regalos,um mundo que na cabeça de Maki, só habitavam ela e Nami.Todas as outras eram pessoas cinzentas e sem face, mas(no ver dela)boazinhas(quando ela sofria bullying e era humilhada, ela ficava apática e submissa,sem o menor senso de realidade,podendo lamber os pés de alguém ou mesmo o chão, sem reclamar ou sofrer,pois ela era incapaz de ver maldade nas crueldades das pessoas que dela se aproveitavam).
Quando ela caiu em si que estava sozinha num orfanato, onde não havia mais ninguém para protegê-la,e a gerente era uma megera masoquista e cruel, e em que várias colegas eram igualmente cruéis,seu mundo cor de rosa ruiu e passou a realidade a ser sentida por ela como hostil,perversa,opressora, esmagadora.
Maki nunca teve de se virar antes, e viu-se sujeita a muito mais opressão,violência e humilhação do que nos tempos da escola,a ponto de ela ter saudades daqueles tempos.
Enquanto isto, o namorado de Nami,corria contra o tempo para ganhar a guarda de Maki,
Dez meses depois de Maki entrar no orfanato,ela foi adotada por Tetsuo,namorado de Nami.Porém, Tetsuo era muito diferente de Namium professor de ensino médio,solteirão inveterado,galanteador de mulheres,por quem todas se apaixonavam, e que delas se aproveitava com objetos,não era o tipo de homem acostumado a se importar com os outros.
Muito menos tinha sido talhado para ser pai.Mas como pai adotivo de Maki ele até que não se saiu tão mal:ele se esforçava para compreender Maki e a superprotegia(mas sem a obcessividade e compulsividade de Nami),principalmente por que se condoia dela.
Quando Maki entrou para a casa da família de Tetsuo Amagawa,ela adentrou um novo mundo,que voltava a ficar cor de rosa- embora agora, depois de todo o sofrimento,só a cor de rosa já não bastasse mais para Maki, ela queria todas as cores.É quando ela começa a tomar consciência do tratamento superprotetor e condescendente das pessoas para com ela ,e começa a se revoltar contra não apenas tudo isto, mas também sua dependência emocional das pessoas.
Se ninguém conseguiria se assustar tanto quanto o Ele de Consciência de Viver,igualmente ninguém conseguiria se entristecer e deprimir tanto quanto Maki.Seus sentimentos são tão profundos e sensíveis que conseguem comover todos ao seu redor.
 Sua rebeldia, no entanto,se faz através justamente de o que as pessoas superprotetoras mais tentaram poupa-la:o sexo.
Isto na verdade seria impensável numa garota super tímida,que a menor provocação se encolhia toda e dizia:
-Ai, que vergonha!
Mas a descoberta do amor e do sexo foi a mola impulsora para superação destas limitações.Sua maneira de contestar e dizer a pessoas que odiava ser tratada como criança e que não queria mais o dó delas foi a mais chocante possível e isto era proposital:não, ela não pensava, ela apenas sentia,mas inconscientemente,de algum modo ela sabia que só chocando ela poderia abrir os olhos das pessoas e chamar a atenção das pessoas,numa profunda e tocante necessidade de auto afirmação e de ser o centro das atenções de qualquer jeito.Isto é algo que ela tem comigo, sempre fui muito assim,e sempre me frustrei por nunca ter conseguido ser o centro das atenções da família.É algo tão perverso que mesmo quando eu sou o centro das atenções,eu não me sinto o centro das atenções e me ressinto fortemente disto.
A cena em que Tetsuo vai ao hospital visitar sua nova namorada, que tinha se acidentado,e que Maki,contrariando as ordens do pai,vai ao hospital também e encontra o pai com sua madrasta se beijando e fica revoltada e se desnuda inteiramente na frente deles e do hospital inteiro ,e Tetsuo briga com ela, ordenando que ela se vista,e ela reage batendo nele histéricamente, completamente descontrolada e acaba tendo de ser internada com sedativos,é emblemática.

Na realidade ela não está com ciúmes românticos do pai, nem quer fazer amor com ele-ela quer isto sim que ele olhe para ela como ela é, a aceite como ela é,notar que ela existe na vida dele, e quer que a atenção dele seja só para ela, como ocorria com Nami,a bem da verdade ela procura sempre outra Nami, que na verdade não existe,esta só existe dentro da própria Maki.
 Quando Maki conhece seu namorado Hideo,ela encontra nele seu instrumento de emancipação,na verdade uma ilusão,ela se apega as pessoas com facilidade e é sempre dependente emocionalmente delas.
Hideo não teve perdas, como Maki, mas tem um pai déspota absoluto e dominador, a mãe é ausente,nem aparece na estória.Ele é sempre amparado pela irmã mais velha, que tem uma paixão platônica e um desejo sexual secreto por ele, mas demora muito a se manifestar.
Hideo é um garoto tão isolado, quieto, envergonhado,mas não é apenas sentimento, como Maki, ele é muito inteligente e estudioso.
Ele se apaixona por Maki, mas não tem coragem de se declarar.A irmã adotiva de Maki, Kuome e sua namorada (ela é lésbica)se ocupam de unir o jovem casalzinho.Isto leva muito tempo, mas enfim Maki e Hideo namoram.Apesar de tantas afinidades,o namoro é conturbado e tempestuoso,principalmente, por um lado, pelo ciúmes doentio e a possessividade obstinada de Maki,e por outro a apatia de Hideo.
Hideo, apesar de tão tímido e auto reprimido, esconde(como Maki) um enorme libido.O primeiro relacionamento sexual deles é meio acidental, mas marcante.Depois de um forte choque incial, Maki passa a gostar daquilo e libera todo o seu libido reprimido.Ela ainda não Sabe, mas nesta relação ela tinha engravidado.
Mas se a insociabilidade é um traço comum aos quatro personagens,esta é diferente entre cada um deles.

Maki teve sua sociabilidade tolhida e proibida por uma “protetora” obcecadamente possessiva e que tinha uma necessidade(e um prazer)intrínseca de tornar as pessoas dependentes emocionalmente dela,dando um falso amor em que Maki, em sua ingenuidade, acreditou, por isto sua adoração por ela,e também por isto, o sofrimento tão intenso quando de sua perda.
 Já Hideo era um eterno oprimido.E auto- reprimido,e aí se encontram semelhanças com Maki, em sua busca desesperada pela aprovação das pessoas.Ele precisava, como ela, se sentir aprovado pelas pessoas.Ainda assim, ele não tinha tanto drama no lidar com a rejeição como Maki tinha.Hideo estava acostumado a ser rejeitado, e via aquilo como uma inevitabilidade,talvez um mecanismo de auto- defesa para não sentir a dor da rejeição.
Já Maki não conseguia lidar com a rejeição:na primeira fase da sua vida, antes do sexo, a rejeição para ela era a própria morte, se ela se sentisse rejeitada, seu mundo desmoronava e ela chorava descontrolada. Na segunda fase,ela se revoltava e destruía tudo a sua volta,não aceitava a rejeição como não aceitava a realidade.
Na mente de Maki, rejeição era igual a realidade,o que por sua vez era igual a ódio pela realidade. Ao ser rejeitada, ela se sentia rejeitada não apenas pela pessoa, mas pelo mundo!
Por isto existia um grande vazio existencial em sua vida,o propósito de sua vida nunca estava nela,mas nos outros.Um enorme dilema povoava sua mente por toda a vida dela:o intenso paradoxo entre a profunda necessidade de ser protegida por alguém ,se sentir querida e amada,ser o centro das atenções, e ao mesmo tempo sua abissal revolta contra a superproteção e a condescendência, que a humilhavam constantemente,que lhe doíam muito lembrar e enfrentar.Este dilema nunca teve solução, talvez pela própria natureza deste dilema:sua insolubilidade.
É algo que também marcou muito a minha vida e ainda marca, mas entre mim e Maki uma diferença salta aos olhos:esta necessidade de ser o centro das atenções ,de me sentir amado e querido é diferente de ser emocionalmente dependente,de modo que me auto afirmar, buscar aprovação, ser o centro das atenções é uma coisa,rejeitar a dependência emocional ,a superproteção e a condenscendência é outra bem diferente.
 A revolta de Maki é sem causa,ela não tem idéia do que é ser independente e tomar suas próprias decisões,ela ainda não se deu conta não apenas de que o mundo existe, mas de que o mundo não existe em função dela,e de que é tudo muito mais o contrário.Alguma coisa falta para ela, alguma falta nela,e o que falta nela é auto- consciência-sim, por que a própria falta de amor por ela própria é uma prova de falta de falta de consciência de si mesma.Maki é uma personagem fascinante porque falta nela algo de muito humano em todos nós,é uma pessoa que quando se olha no espelho, é incapaz de ver seu próprio reflexo,o que ela vê é a pessoa protetora,e sem esta, sua vida simplesmente não tem sentido. É como o cão diante do espelho, que late para este, quando se vê, porque para ele tem outro cão do outro lado do espelho,não ele mesmo.
E isto causa um vazio existencial absoluto e insolúvel na mente e na vida dela, que jamais irá se preencher, mas que ,como Dom Quixote e seus moinhos ela busca desesperadamente preencher,mas incapaz de distinguir a realidade da fantasia que faz de si mesma,não consegue, e não consegue porque não percebe que seu foco está extremamente errado:não está nos outros,mas nela mesma!
Não seria isto por acaso extraordináriamente ...Humano?



Cristiano Camargo

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