quinta-feira, 24 de julho de 2014

Novelinha: Sensibilidade de Viver-Origens Episódio 1



Episódio 1

Osaka, Japão, início de 2003:
Lune , então com quinze anos acabara de ser transferida para uma nova escola. Era seu primeiro dia de aulas, e a professora a apresentou para a classe:
-Pode entrar , Lune! Gente, quero apresentar para vocês a nova aluna, recém transferida para nossa escola: Lune Tamasuki !
Ela entrou, com cara de poucos amigos. Parecia séria e estava algo nervosa, mas também deixava entrever que não se sentia confortável naquela situação, como se estivesse lá contra a vontade.
-Por favor apresente-se a seus novos colegas!
A resposta de Lune foi surpreendente:
-E por que devo me apresentar a eles? Sou algum objeto 'a venda para ser exposta na vitrine?
Olhos arregalados com a resposta inesperada, e altamente constrangida, a professora notou que não havia nenhum sinal no rosto da menina diante dos risos abafados da classe, nenhum sinal de vergonha ou constrangimento. Ao contrário, o olhar que ela lhe lançou era reprovador e desafiador.
-Por favor, senhorita Lune, seja delicada com seus amigos, é regra da escola todo novo aluno se apresentar à classe no primeiro dia!
-Eles não são meus amigos. Eu nem os conheço ainda, como pode chamá-los de meus amigos? Ter amigos é perda de tempo numa escola, eu estou aqui para aprender, não estou?
-Por favor, seja amável com seus colegas, eles querem te conhecer...
-A senhora ainda não respondeu a minha pergunta e mudou de assunto!
A professora mordeu os lábios, pensando:"-Ai, que raiva !Como é antipática !Convencida, arrogante! Pior que é inteligente , que ódio ! Vontade de dar um tapa nela! Ah, se fosse minha filha!"
- Se eu responder 'a sua pergunta você se apresenta? Disse a professora com um sorriso falso escondendo sua raiva.
-Porque a condicionante? Isto denota uma chantagem de sua parte . ou estou sentindo certa hostilidade para comigo vinda de você? Me parece que você está perdendo o controle, e todos sabem, uma boa professora tem de manter seu autocontrole sempre!
A professora, já tremendo de nervosa diante do sorriso autoconfiante de Lune, viu que não iria vencê-la facilmente pela inteligência, então resolveu responder na esperança de que a menina se apresentasse. A classe acompanhava o debate com atenção, pois era a primeira vez que alguém desafiava publicamente a professora, e ainda por cima, estava ganhando!
-Está bem, está bem, eu respondo! Sim, você está aqui para aprender, e não, não é perda de tempo fazer amigos aqui, faz parte do aprendizado, você tem de se sociabilizar, obedecer às regras sociais, entendeu? Todo mundo aqui se conhece, todos são amigos e se ajudam e um ajuda o outro a entender e estudar. Eu os chamo de seu amigos, por que serão seus amigos em breve, todo aluno que vai para uma escola faz amigos, todo mundo é assim, então, por que cargas d ´agua você quer ser a única diferente? Você tem de ser como todo mundo, ou não vai se enquadrar aqui !
Para desespero da professora, Lune tinha ainda mais perguntas para ela:
-Ah, sei...então me explique em detalhes a relação entre a amizade e o estudo. E quero saber: por que tenho de me sociabilizar contra a minha vontade? Porque seguir regras sociais se não pretendo me sociabilizar? Qual a lógica, que vantagens para minha pessoa posso obter me sociabilizando e seguindo as regras sociais? Eu sou quem eu sou, não sou todo mundo, não me confunda com as outras pessoas. E sinto muito, não tenho interesse em fazer amizade alguma aqui. Eu vim para cá para estudar e é isto o que farei. Você diz que todos que vem aqui fazem amigos,então fica implícito que isto seja uma regra, então serei a excessão à regra. Na verdade , tenho um grande prazer em ser a excessão, o elemento destoante, que destaque tem ser apenas mais uma na multidão? O que ganho com isto? Você quer me enquadrar, então isto significa que sua intenção é tentar me encaixar numa das formas pré fabricadas  da Sociedade, como se as pessoas fossem fabricadas em massa, para produzir e num sistema de educação de massa, industrial, as crianças são educadas para serem exploradas pela mais valia do sistema capitalista, então, citando Marx...
-Chega! Chega! Berrou a professora descontrolada, que continuou:
-Me respeite, garota !Pombas, vocês se acha a tal, ok, você quer se exibir, mostrar o quanto você é inteligente, se auto afirmar, eu já estou cheia disto !Apresente-se agora, anda ! Agora!
-Definitivamente você foi incapaz de responder minhas perguntas. Sua resposta foi inválida e seus argumentos foram baseados apenas na emoção, então não os posso levar em consideração. E não vou ceder ao seu autoritarismo, vivemos numa democracia, não numa ditadura, e gritando comigo, você está me desrespeitando e desrespeitando toda a classe. Desculpe, mas não vou me apresentar!
-Agora chega, mocinha! Chega! Você quer ir para a Sala do Diretor logo no primeiro dia? Não basta estar me envergonhando diante da classe, você quer passar a vergonha de ir para lá logo no seu primeiro dia? Não é possível que você não sinta nenhuma vergonha!
-E por que eu sentiria vergonha, professora, se quem está passando vergonha aqui é você? Afinal, não sou eu quem estou perdendo o debate, vergonha é a professora ser menos inteligente que seus alunos! E quanto a saber se quero ir para a sala do diretor, a resposta é não, não quero. E você, quer?
A classe inteira caiu na risada!
Com os olhos raso, num esforço hercúleo para conter o choro, tremendo de nervosa a ponto de deixar a caneta cair da mão, a professora falou baixinho:
-Eu desisto !Vá se sentar logo de uma vez, que nossa aula já atrasou demais!
Então a aula de História do Japão começou, e para o desespero da professora não apenas Lune não deixava ninguém mais responder, como respondia tudo certo e ainda corrigia a professora, muitas vezes acrescentando detalhes que estavam muito além da matéria dada. Logo ela granjeou uma enorme admiração da classe, mas também muita inveja e antipatia. Ao terminar a aula, a professora foi pra a Sala dos professores e chorou desabaladamente. Nunca tinha sido tão humilhada na vida dela e tinha verdadeiro ódio de Lune!
Neste meio tempo, dois alunos conversavam entre si:
-E aí, Takeo, o que você achou da aluna nova, a Lune?
-Ela é linda, e tão inteligente, nossa, adorei!
-É, eu achei a ela bonitinha, embora tenha pouco peito. Mas você viu como todo mundo está olhando feio para ela?
-Meu amigo Akio-san, vou te dizer, eu estou apaixonado por ela! Ainda vou me declarar para ela, viu?
-Eu acho que você vai se dar mal, ela vai te humilhar como ela fez com a professora!
-É o que vamos ver!
-Então entre na fila, Takeo-san, pois tem uma montanha de pretendentes para ela, já!
Mas Lune nem estava prestando atenção na conversa deles. Tentava se imaginar conversando com Sófocles, mas com aqueles dois tagarelando atrás dela, não conseguia. Aborrecida, distanciou-se deles e foi na cantina, onde comprou um sanduíche. Sentou-se no fundo da cantina, bem distante de onde todos os outros alunos estavam. Mas a cantina foi enchendo e outras pessoas sentaram perto. Irritada, ela se mudou para outra mesa. Mais gente chegou e se sentou perto dela. E assim ela foi se mudando para várias mesas, mas não conseguia ficar isolada, o que a estressou.
-Por que esta gente tem que querer se sentar perto de mim? Por que as pessoas tem que conversar tão alto? Eu não quero saber da vida delas, não me interessa a vida dos outros, me interessa a minha, caramba ! Será possível que as pessoas não me deixem em paz? Custa tanto assim me deixar sozinha?
Lune pensou consigo, enquanto pegava seu aparelhinho de som portátil e colocou o fone de ouvido, e ligou a música no máximo, tentando se isolar ao menos do barulho, para não escutar a conversa dos outros, enquanto emergia fundo em seus pensamentos e sua imaginação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário