Neanderthal
Affair
Em 1988, a notícia irrompeu como rastilho de
pólvora na rede de televisão KNN:
“- E atenção para esta importante notícia: foi
descoberta, em uma ilha misteriosa, a setenta quilômetros da costa , quase em
frente ‘a cidade costeira de St.Willam, uma colônia de hominídeos Neanderthal,
composta por trezentos indivíduos, intocada e distante da civilização. Seu
descobridor, Dr. Pierre Le Semble, da Universidade Arquiducal de Freshkforth,
filmou e fotografou os exemplares, e agora iniciou-se uma grande corrida entre
todas as grandes universidades ksarianas, principalmente a Grão Ducal de
St.William, a Ducal de Waggony, a Grão Ducal de Forrest, e a Ducal de Jameson City, concorrendo com
Freshkforth pela primazia da exploração da novidade !”
E de fato, houve mesmo tal corrida e competição.
A ilha, que antes nunca foi objeto de interesse por não ter nenhum minério
interessante comercialmente, nem potencial turístico, foi invadida por um
batalhão de cientistas.
O Exército de Ksares também se interessou e foi
chamado a dar apoio ‘as equipes. Poucas semanas depois, doze indivíduos
Neanderthal, composto por homens, mulheres, meninos e meninas foram levados da
ilha e trazidos para as universidades para pesquisas, onde se fizeram uma
bateria de exames médicos para tentar encontrar todas as diferenças médicas
entre eles e humanos modernos, especialmente na arquitetura cerebral.
Claro que houve uma enorme controvérsia dentro
dos círculos científicos e verdadeiras batalhas de debates sobre se levar os
Neanderthal para o seio da Civilização Moderna para utilizá-los como cobaias seria
ético ou não.
Também entidades de Preservação Natural e
Ambiental também entraram forte no debate, colocando que os Neanderthal
deveriam ser preservados e mantidos em seu estágio natural e que o contato com
humanos modernos poderia no mínimo lhes aculturar, ou mesmo provocar um
genocídio.
Outros alegavam que o contato de pessoas atuais com
Neanderthais poderiam ocasionar doenças desconhecidas em ambas as espécies.
No entanto, mais algumas semanas mais tarde,
outro pequeno grupo de pessoas Neanderthal foi levado secretamente para ser
exibido como atração em um zoológico da cidade de St. Francis, no Estado de
Tropical State.
Dias depois, eram exibidos como atração, e parte
da Comunidade Científica se revoltou, boa parte dos organismos de Direitos
Humanos também, houve alguns protestos, mas a exibição desencadeou um enorme
sucesso.
Repentinamente, o tema Neanderthal estava na
moda, e a indústria de vestimentas e calçados logo inventou uma modas “Neanderthal”
baseada em estereótipos cinematográficos, e a moda “Neanderthal” nestes moldes
se propagou como fogo na palha seca.
Alguns meses depois, um novo projeto foi
iniciado, igualmente polêmico: mais um pequeno grupo de pessoas Neanderthal foi
raptado, desta vez, para tentar “adaptá-lo ‘a vida moderna e se civilizar” .Isto
por que uma parcela de gente influente ficava falando que as pessoas
Neanderthais também eram humanas, e como tal, não podiam continuar isoladas e
tinham direito de serem integradas dentro da sociedade. Claro que também houve
uma enorme polêmica e debate acalorado sobre isto.
Alguns pesquisadores, percebendo como pessoas
Neanderthal eram inteligentes e aprendiam rápido, trataram de estudar a língua deles
e de ensinar o ksarianês (muito parecido com o inglês) moderno para elas, e os
colocaram para aprender sobre a sociedade moderna , os hábitos atuais, a
tecnologia, etc.
Deste pequeno grupo, um rapaz Neanderthal se
destacou: Qaeo Oô (o nome dele original, em neanderthalês) , se mostrou estudioso,
aplicado e curioso, e, depois de dois anos de cursos de integração e
atualização, adquiriu hábitos e comportamentos modernos, e , a pedido dele
próprio, foi para a escola, onde se mostrou aluno exemplar e brilhante,e em
1998, se formava na Universidade Grão Ducal de St. William, no curso de Engenharia
Automobilistica. Não demorou, já tinha Mestrado, Doutorado e pós –Doc na área.
E, enquanto estudava, ele revelou outro lado de sua genialidade: apaixonado por
carros e engenharia, ele não deixara de lado as relações públicas e se
aproveitou, inclusive financeiramente, da moda “Neanderthal” e da fama, e passou a cobrar por entrevistas,
palestras e presença em conferências sobre seu povo, sem , no entanto , se
politizar. Com isto, ficou rico, muito rico, e a sua fama lhe abriu portas para
dentro da Indústria Automobilística, onde
deixou de ser apenas um professor universitário numa universidade
renomada da Corôa(onde já ganhava muito bem), para escalar na carreira
administrativa das grandes corporações automobilísticas ksarianas. Ele foi
convidado a entrar na corporação GWK, primeiro como engenheiro júnior, depois
pleno, depois titular, depois chefe de departamento, chefe de setor, depois
chefe de toda a área de engenharia e design da corporação, onde adquiriu know
how de como fabricar carros e de como administrar, e em 2008, saía de sua
carreira vitoriosa na GWK, onde chegou a Coordenador Gral, faltando apenas um
passo para se tornar um vice presidente
geral de corporação, e abriu a sua própria corporação de automóveis, a
Quastar. Em seus tempos de PopStar, chegou a ser recebido pelo Presidente de
Ksares na Casa Azul, e pelo Rei de Ksares no Castelo Real, na cidade de Ksares.
Bom, isto era o que o público sabia dele. O que o
público não sabia dele é que ele e sua família sofreram por diversos anos de intenso preconceito popular, de vizinhos a
colegas, a consumidores. Chamado muitas vezes de macaco, troglodita, ele sofreu muito, e sua também sofreu bullying e
boicotes em tudo nas suas vidas.Era muito criticado inclusive por não denunciar
o massacre que se impunha ‘as pessoas Neanderthal da ilha, e também, ‘as
pessoas Neanderthal que haviam se reproduzido e tinham sido criadas dentro da
sociedade moderna ksariana.
Ele era muito usado, pelas indústrias em geral,
pelos políticos e pela imprensa, como exemplo de meritocracia que tinha dado
certo, mas o que ninguém revelava é que Qaeo Oô fazia parte de uma elite, uma
exceção, apenas dois por cento das pessoas Neanderthal aculturadas e integradas
na sociedade deram certo e subiram de vida e obtiveram sucesso, nenhuma delas
chegou, no entanto, ao ponto em que Quaeo Oô chegou. Muitos faleceram,
assassinados, de doenças, outros entraram para o submundo das drogas e crimes,
outros foram internados em hospícios e enlouqueceram.
Quaeo Oô na verdade não era um gênio, era um
ingênuo que fora usado e enganado por gente poderosa, que fez a fortuna dele
enquanto ele se mostrou útil para elas,
para depois ser cruelmente descartado.
A verdade começava a aparecer: surgiram
movimentos fascistas de intolerância anti-Neanderthal, que queriam expulsá-los
da sociedade ou mesmo exterminá-los, e uma enorme campanha bancada pela Extrema
Direita foi feita, para difamá-los e colocar a
população contra eles: as campanhas “Não mais Neanderthal entre nós”, e “Uma Só Humanidade”, ganharam força, e nas
ruas começaram a se ver milícias não-oficiais caçando pessoas Neanderthal nas
ruas. O próprio Quaeo Oô sofrera vários atentados contra sua vida e muitas
ameaças de morte,apesar de parte da sociedade considera-lo um gênio.
Foi quando estas campanhas começaram a boicotar
os produtos da Quastar, que entrou numa crise financeira violentíssima, e
acabou fechando as portas.
Acusaram então Quaeo Oô de fraude e escândalo financeiros,
e de corrupção, e ele enfim foi preso. E uma vez na cadeia, os presos foram
ferozmente para cima dele. Apesar de muito forte, musculoso, ele sucumbiu a
mais de trinta homens surrando-o, e faleceu pobre, anônimo, esquecido, em 2014.
Em 2015, veio a notícia: o último Neanderthal
aculturado falecera, assassinado, e na sua ilha natal, no ano seguinte,
falecia, também assassinado, o último Neanderthal, povo que, por fim, passara
por sua segunda extinção.
Nos jornais e revistas, nenhuma linha. Na
televisão, nada também. Nas redes sociais, idem. Neanderthal não era mais moda
faz tempo. Passara e fora esquecida. A vida enfim, voltava ao seu “normal”...
FIM
Cristiano Camargo
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