sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Conto: Neanderthal Affair








Neanderthal Affair

Em 1988, a notícia irrompeu como rastilho de pólvora na rede de televisão KNN:
“- E atenção para esta importante notícia: foi descoberta, em uma ilha misteriosa, a setenta quilômetros da costa , quase em frente ‘a cidade costeira de St.Willam, uma colônia de hominídeos Neanderthal, composta por trezentos indivíduos, intocada e distante da civilização. Seu descobridor, Dr. Pierre Le Semble, da Universidade Arquiducal de Freshkforth, filmou e fotografou os exemplares, e agora iniciou-se uma grande corrida entre todas as grandes universidades ksarianas, principalmente a Grão Ducal de St.William, a Ducal de Waggony, a Grão Ducal de Forrest,  e a Ducal de Jameson City, concorrendo com Freshkforth pela primazia da exploração da novidade !”
E de fato, houve mesmo tal corrida e competição. A ilha, que antes nunca foi objeto de interesse por não ter nenhum minério interessante comercialmente, nem potencial turístico, foi invadida por um batalhão de cientistas.
O Exército de Ksares também se interessou e foi chamado a dar apoio ‘as equipes. Poucas semanas depois, doze indivíduos Neanderthal, composto por homens, mulheres, meninos e meninas foram levados da ilha e trazidos para as universidades para pesquisas, onde se fizeram uma bateria de exames médicos para tentar encontrar todas as diferenças médicas entre eles e humanos modernos, especialmente na arquitetura cerebral.
Claro que houve uma enorme controvérsia dentro dos círculos científicos e verdadeiras batalhas de debates sobre se levar os Neanderthal para o seio da Civilização Moderna para utilizá-los como cobaias seria ético ou não.
Também entidades de Preservação Natural e Ambiental também entraram forte no debate, colocando que os Neanderthal deveriam ser preservados e mantidos em seu estágio natural e que o contato com humanos modernos poderia no mínimo lhes aculturar, ou mesmo provocar um genocídio.
Outros alegavam que o contato de pessoas atuais com Neanderthais poderiam ocasionar doenças desconhecidas em ambas as espécies.
No entanto, mais algumas semanas mais tarde, outro pequeno grupo de pessoas Neanderthal foi levado secretamente para ser exibido como atração em um zoológico da cidade de St. Francis, no Estado de Tropical State.
Dias depois, eram exibidos como atração, e parte da Comunidade Científica se revoltou, boa parte dos organismos de Direitos Humanos também, houve alguns protestos, mas a exibição desencadeou um enorme sucesso.
Repentinamente, o tema Neanderthal estava na moda, e a indústria de vestimentas e calçados logo inventou uma modas “Neanderthal” baseada em estereótipos cinematográficos, e a moda “Neanderthal” nestes moldes se propagou como fogo na palha seca.
Alguns meses depois, um novo projeto foi iniciado, igualmente polêmico: mais um pequeno grupo de pessoas Neanderthal foi raptado, desta vez, para tentar “adaptá-lo ‘a vida moderna e se civilizar” .Isto por que uma parcela de gente influente ficava falando que as pessoas Neanderthais também eram humanas, e como tal, não podiam continuar isoladas e tinham direito de serem integradas dentro da sociedade. Claro que também houve uma enorme polêmica e debate acalorado sobre isto.
Alguns pesquisadores, percebendo como pessoas Neanderthal eram inteligentes e aprendiam rápido, trataram de estudar a língua deles e de ensinar o ksarianês (muito parecido com o inglês) moderno para elas, e os colocaram para aprender sobre a sociedade moderna , os hábitos atuais, a tecnologia, etc.
Deste pequeno grupo, um rapaz Neanderthal se destacou: Qaeo Oô (o nome dele original, em neanderthalês) , se mostrou estudioso, aplicado e curioso, e, depois de dois anos de cursos de integração e atualização, adquiriu hábitos e comportamentos modernos, e , a pedido dele próprio, foi para a escola, onde se mostrou aluno exemplar e brilhante,e em 1998, se formava na Universidade Grão Ducal de St. William, no curso de Engenharia Automobilistica. Não demorou, já tinha Mestrado, Doutorado e pós –Doc na área. E, enquanto estudava, ele revelou outro lado de sua genialidade: apaixonado por carros e engenharia, ele não deixara de lado as relações públicas e se aproveitou, inclusive financeiramente, da moda “Neanderthal”  e da fama, e passou a cobrar por entrevistas, palestras e presença em conferências sobre seu povo, sem , no entanto , se politizar. Com isto, ficou rico, muito rico, e a sua fama lhe abriu portas para dentro da Indústria Automobilística, onde  deixou de ser apenas um professor universitário numa universidade renomada da Corôa(onde já ganhava muito bem), para escalar na carreira administrativa das grandes corporações automobilísticas ksarianas. Ele foi convidado a entrar na corporação GWK, primeiro como engenheiro júnior, depois pleno, depois titular, depois chefe de departamento, chefe de setor, depois chefe de toda a área de engenharia e design da corporação, onde adquiriu know how de como fabricar carros e de como administrar, e em 2008, saía de sua carreira vitoriosa na GWK, onde chegou a Coordenador Gral, faltando apenas um passo para se tornar um vice presidente  geral de corporação, e abriu a sua própria corporação de automóveis, a Quastar. Em seus tempos de PopStar, chegou a ser recebido pelo Presidente de Ksares na Casa Azul, e pelo Rei de Ksares no Castelo Real, na cidade de Ksares.
Bom, isto era o que o público sabia dele. O que o público não sabia dele é que ele e sua família sofreram por diversos anos  de intenso preconceito popular, de vizinhos a colegas, a consumidores. Chamado muitas vezes de macaco, troglodita, ele  sofreu muito, e sua também sofreu bullying e boicotes em tudo nas suas vidas.Era muito criticado inclusive por não denunciar o massacre que se impunha ‘as pessoas Neanderthal da ilha, e também, ‘as pessoas Neanderthal que haviam se reproduzido e tinham sido criadas dentro da sociedade moderna ksariana.
Ele era muito usado, pelas indústrias em geral, pelos políticos e pela imprensa, como exemplo de meritocracia que tinha dado certo, mas o que ninguém revelava é que Qaeo Oô fazia parte de uma elite, uma exceção, apenas dois por cento das pessoas Neanderthal aculturadas e integradas na sociedade deram certo e subiram de vida e obtiveram sucesso, nenhuma delas chegou, no entanto, ao ponto em que Quaeo Oô chegou. Muitos faleceram, assassinados, de doenças, outros entraram para o submundo das drogas e crimes, outros foram internados em hospícios e enlouqueceram.
Quaeo Oô na verdade não era um gênio, era um ingênuo que fora usado e enganado por gente poderosa, que fez a fortuna dele enquanto ele se mostrou útil  para elas, para depois ser cruelmente descartado.
A verdade começava a aparecer: surgiram movimentos fascistas de intolerância anti-Neanderthal, que queriam expulsá-los da sociedade ou mesmo exterminá-los, e uma enorme campanha bancada pela Extrema Direita   foi feita, para difamá-los e colocar a população contra eles: as campanhas “Não mais Neanderthal entre nós”,  e “Uma Só Humanidade”, ganharam força, e nas ruas começaram a se ver milícias não-oficiais caçando pessoas Neanderthal nas ruas. O próprio Quaeo Oô sofrera vários atentados contra sua vida e muitas ameaças de morte,apesar de parte da sociedade considera-lo um gênio.
Foi quando estas campanhas começaram a boicotar os produtos da Quastar, que entrou numa crise financeira violentíssima, e acabou fechando as portas.
Acusaram então Quaeo Oô de fraude e escândalo financeiros, e de corrupção, e ele enfim foi preso. E uma vez na cadeia, os presos foram ferozmente para cima dele. Apesar de muito forte, musculoso, ele sucumbiu a mais de trinta homens surrando-o, e faleceu pobre, anônimo, esquecido, em 2014.
Em 2015, veio a notícia: o último Neanderthal aculturado falecera, assassinado, e na sua ilha natal, no ano seguinte, falecia, também assassinado, o último Neanderthal, povo que, por fim, passara por sua segunda extinção.
Nos jornais e revistas, nenhuma linha. Na televisão, nada também. Nas redes sociais, idem. Neanderthal não era mais moda faz tempo. Passara e fora esquecida. A vida enfim, voltava ao seu “normal”...


FIM

Cristiano Camargo

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