E assim seguiram
viagem, abandonando mais estas paragens que lhes pareceram tão promissoras.
Tudo parecia
indicar que teria sido para lá que a migração da Megafauna tinha ido e lá teria
se estabelecido.
Mas, naqueles
tempos tão imprevisíveis, tirar tais conclusões poderia ser temerário.
A preocupação
delas, no momento, era ter de dormir ao relento, expostas a animais predadores.
Elas julgavam já
ter ficado fora do alcance de Karajjar e
dos predadores do vale, masnão dava para confiar ou se sentirem seguras.
E como não havia
nem sinal de caverna ao alcance da vista, e com a noite já por cair, elas
estavam extremamente preocupadas.
E como
conseguiriam caminhar na escuridão completa?
Era o que se
passava na cabeça de Karanna.
-Kirilla, estou
cansada...
-Eu sei, eu também
estou!
-Já está começando
a escurecer, como vamos poder continuar?
-Não tem jeito,
vamos ter de parar aqui mesmo e arriscar. Vamos procurar lenha nas imediações,
montar uma fogueira e dormir.
-Ainda não saímos
do vale, melhor dormirmos nas campinas
ou na floresta, Kirilla?
-Acho aqui nas
campinas mais seguro. Na floresta há muitos lugares para os animais se
esconderem e podemos não vê-los e sermos pegas de surpresa.
-Mas no escuro não
vamos enxerga-los da mesma maneira. E tem árvores altas na floresta, onde
podemos subir e dormir em segurança.
-Leopardos sobem
em árvores. Cobras sobem em árvores. Não estaremos tão seguras assim, Karanna!
-Mas os animais
enxergam no escuro muito melhor que nós e eles sabem disto. E, sem caverna, sem abrigo, sem ter onde se
esconder, seremos presas fáceis!
-E por acaso
alguma vez você já dormiu em cima de um galho de árvore?Basta nos
desequilibrarmos e podemos morrer na queda.Ou mesmo que a queda não seja fatal, se quebrarmos um
braço ou uma perna, não conseguiremos mais caçar, e poderemos morrer de fome!
-Sim, mas uma
fogueira na escuridão é fácil de qualquer animal caçador ver, e eles sabem
muito bem, onde tem fogueira, tem gente !
-Está bem, está
bem, desta vez vamos dormir na floresta então. Mas lembre-se que não vamos ter
floresta para sempre e poderemos ter de percorrer longas distãncias nas
campinas sem ter alternativas, como temos agora !
Karanna estava
feliz por finalmente ter convencido sua amiga a dormir na floresta.
E assim nela
entraram, e encontraram uma a poucos metros da planície do vale, bem alta.
Foi uma
dificuldade para subir, especialmente por que levavam muitas tralhas consigo,
então primeiro uma subiu um pouco, a outra jogava as tralhas para ela, que as
colocava num galho, depois outra subia, e iam se revezando até chegar no galho
definitivo. Encontraram um balho a mais de cinco metros de altura, espesso, que
tinha outro bem espesso bem próximo ao lado .Assim, puderam colocar as lanças
de atravessado apoiadas nos galhos, e as tralhas em cima.
Não estavam
acostumadas a dormir sem o calor e o barulhinho crepitante do fogo.Não havia
também, como colocar as colchas para amortecer um pouco a dureza da madeira. E
teriam que dormir, cada uma num galho, recostadas no tronco, praticamente
sentadas.
E bem que
tentaram!
Mas estava difícil,
e passaram a noite toda assustadas com os barulhos da floresta, aos quais não
estavam acostumadas, e cada leve desequilíbrio era um susto danado, então a
noite dela foi uma série de cochilos curtos e despertares súbitos.
Mas ainda assim,
tiveram sorte:nenhum predador apareceu durante a noite.
Já estava, no
entanto, amanhecendo,quando acordaram, sentindo os galhos vergarem e algo
comprido, molhado e pegajoso passar pelas pernas delas.
No início, ainda
sonolentas, acharam que fosse uma cobra, mas estava longe disto.
Kirilla esfregou
os olhos e olhou para baixo:
-É um Garras
Grandes !O maior que já vi !
De fato, era um
Eremontherium, e ele abaixava os galhos com suas patas e garras enormes, e
arrancava as folhas da copa com a língua.
-Vamos dar o fora
daqui!Pegue nossas tralhas e me siga !
Disse Kirilla,
saltando do galho com sua lança e parte das tralhas em uma das mãos, e caindo
direto nas costas da preguiça gigante , escorregando por ela e saltando no chão
e tratando de correr.
Sem outra
alternativa, Karanna fez a mesma coisa e usou as costas do Eremonthérium, que
mugiu, irado.
Mas até ele se
virar e ir atrás delas, elas já tinham disparado para fora da floresta e
ganharam as campinas, deixando ele bem para trás, que acabou desistindo e
voltando a comer suas folhas.
-Mas que animal
fedorento!Urr !
-Ainda bem que nos
livramos dele, Karanna!
-Esta corrida me
deixou com fome!
-Huuuum, deixe-me
ver... ali, saindo do buraco! Uma toupeira !
-Vamos
caçá-la como,Kirilla? Se ela entrar no
buraco, nunca mais a acharemos !
-O que comem
toupeiras? Minhocas! Vamos revolver a terra ali, pegar umas minhocas e
coloca-las na frente do buraco e ficar atrás do buraco com nossas lanças. Ela
vai sentir o cheiro das minhocas, vai sair, e quando ela sair, a gente a mata !
E assim fizeram a
armadilha.
Como a toupeira é
praticamente cega, não as viu, e saiu do buraco para comer a minhocas, e a
lança voou na cabeça dela, rompendo-lhe o crânio. Ela estava morta.
Elas então pegaram
lenha de galhos que o vento levava da
floresta para as planícies, e fizeram uma fogueira.
Depelaram,
descarnaram, desossaram e desmembraram a toupeira e a assaram, e depois
comeram.
Saciadas, se
levantaram logo, arrumaram suas coisas e partiram antes que a carcaça do que
restara chamasse abutres e predadores.
Não andaram muito
e o vale finalmente terminou na foz do rio, e logo depois, um paredão de
montanhas.
-É, vamos ter de
subir, não tem jeito !Ainda bem que aquela parte ali não é muito íngreme!
Disse Kirilla e
começaram a árdua subida.
Levaram horas
subindo e chegaram ao cume da montanha baixa e olharam a paisagem que se
descortinava: outro vale, agora muito mais curto, mas muito mais largo.E com
florestas muito maiores e mais densas em algumas partes. Nas montanhas do outro
lado do rio, , viram duas cavernas, uma grande e outra pequena não muito
distante.
Para Kirilla havia
algo de familiar naquele vale.Alguma coisa que lhe lembrava seus tempos de
criança e adolescência.
De fato !
Aquele era
exatamanete o vale onde ela nascera, onde crescera e vivera com Kros-Ganik! E
aquela caverna grande, situada a uns dem metros de altura das planícies, perto
do sopé das montanhas , numa subida não muito íngreme, era a Caverna de
Kros-Ganik !
Ali, e somente
ali, estavam suas origens !
(Por Continuar)
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