domingo, 26 de novembro de 2017

Episódio 151-Sensibilidade de Viver:Interlúdio ETP




-Ei, mãe, calma, também não é para tanto...
Disse Lune, com dó do pai.
-E você não se meta nos assuntos do casal, onde você não foi chamada, ou vai sobrar para você, senhorita enxerida !
As palavras bateram nos ouvidos de Lune como se fossem um tapa!
Normalmente ela ficaria nervosa e brigaria com a mãe, mas naquele dia a mágoa falou mais alto que a raiva.
Uma lágrima caiu de cada olho, e ela saiu de perto, de cabeça baixa, olhando para o chão.
Saiu pela porta da cozinha e sentou-se  numa cadeira no quintal e ali permaneceu sozinha.
Momiji entrou com Kazuo para dentro e ambos comeram a pizza.
O fato de nem a chamarem para comer e fazerem de conta que ela não existia a magoou mais ainda e a entristeceu.Seu estômago roncou, mas ela não quis entrar. Mentia a si mesma de que tinha perdido o apetite.
Até que chegou uma hora que ela não aguentou mais. Tirou Sartre de seu colo, que tinha se enroscado em suas pernas, se levantou e foi para a porta da cozinha, depois que não escutou mais conversa e a luz da cozinha foi apagada.
Porém, para sua própria surpresa, a porta da cozinha tinha sido trancada !
Ela resolveu dar a volta pela frente pelo quinta, para o jardim e foi para a porta da sala e...estava trancada também !
Só então caíra a ficha: a bolsa dela estava no quarto dela, o celular também, a chave da casa e a chave do carro idem !
Ela tinha sido trancada para fora da casa por seus próprios pais, esquecida, excluída, rejeitada...ah, a dor, a dor, a dor lancinante da rejeição !
Uma solidão abissal e fantasmagórica tomou conta dela , e a fome, furiosa, berrando em seu estômago !
Ela poderia sair de casa e ir a pé numa loja de conveniência, mas sem dinheiro, cartão de crédito, cartão de débito, nada? E como faria para dormir ao relento?E o frio?E se chovesse?
Porém, a fome era a mais urgente, urrando dentro dela!
E o pior é que ela não tinha como ligar para os pais, nem para Takeo, para ninguém !
Desesperada, ela não viu outra alternativa: coletou pedras no quintal e foi na frente da janela dos pais, e começou a jogar pedras na janela.
Para seu exaspero, o quarto ficava no segundo andar e ela não conseguia jogar as pedras com força o suficiente para alcançar a janela, então lembrou-se da garagem.
Sim, o carro  velho da mãe dela ainda estava na frente da garagem, e Momiji fora tão distraída , que esquecera a chave dentro do carro , a porta dele aberta, o portão da garagem aberto, e entrara para dentro de casa.
Primeiro Lune vasculhou o carro procurando algum chocolate ou doce, qualquer coisa de comer esquecida no carro. Achou um pequeno pacote de salgadinhos e o devorou, mas a fome continuava célere.
Então ela teve a idéia: começou a buzinar o mais alto que pôde, sem parar , em desespero!
Logo as luzes da casa se acenderam. E Kazuo abriu a porta que dava para a garagem, que estava com a luz acesa, e viu Lune dentro do carro, também com luz interna acesa.
-Filha! O que aconteceu! Por que está aqui?Eu estava crente que você estava em seu quarto...
Lune saiu do carro e abraçou o pai em silêncio. E novamente seu estômago roncou feio.
-Entra, filha, vem !Sobrou bastante pizza para você...
Lune comeu feito uma mendiga que não via comida há uma semana, depois se entupiu de doces e sorvete.
-Agora que o mais urgente foi resolvido, quer conversar comigo, filha?
-Não tenho nada a conversar. Não faço parte desta família. Não existo. Sou uma rejeitada da qual todo mundo se esquece e ninguém dá a menor importância. Vocês dois me abandonaram, me excluíram, me jogaram para  fora e guardaram a chave, isto mostra que não significo nada para vocês, que não significo nada na vida de vocês...por que fui nascer, afinal?
Lune colocou as mãos no rosto, com os cotovelos apoiados na mesa e caiu na choradeira.
Aquelas palavras calaram fundo no coração de Kazuo, que jamais esperava ouvir aquilo um dia de sua própria filha.Estava surpreso, de queixo caído, olhos baixos e ele quis abraçar a filha, que o rejeitou com um movimento violento do braço.
Kazuo engoliu em seco. Sentia-se impotente, de mãos amarradas, ali de pé, ao lado da filha, sem saber o que falar e o que dizer.
Súbitamente, Lune se levantou da cadeira.
Sua expressão no rosto era colérica, seu olhar, de fúria, a ponto de assustar: parecia fora de si !
Ela olhou na cara dele e , para a surpresa dele, ela lhe deu um tapa na cara violentíssimo, que fez o óculos e o cachimbo dele voarem longe.
Ele se apoiou na parede atônito, de olhos arregalados, e Lune saiu correndo, chorando desabaladamente.
Ela subiu as escadas como um foguete e bateu a porta dela com violência e caiu deitada em sua cama.
Dali a pouco, Momiji chegou na soleira da porta e viu o marido encurralado num canto, com um corte no nariz provocado pela fricção violenta do óculos com a pele no momento em que foi arrancado.
Momiji colocou a mão na frente da boca, estarrecida!
Lune jamais batera no pai dela, e sempre foi um grude com ele.Aquilo era algo novo para a mãe dela.
-É minha culpa...tudo minha culpa...ai, Kazuo-kun, me perdoe...
Só então Kazuo se reequilibrou e levantou as cadeiras caídas no chão.
O casal se abraçou e ambos choraram um no ombro do outro.
Quando se recuperaram, Momiji buscou um kit de primeiros socorros e aplicou um cicatrizante no ferimento e depois colocou um band aid. Depois pegou o óculos e o cachimbo dele no chão.
O óculos tinha quebrado, as lentes estavam trincadas, e a armação ficara toda torta.

(Por Continuar)

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