-Ei,
mãe, calma, também não é para tanto...
Disse
Lune, com dó do pai.
-E
você não se meta nos assuntos do casal, onde você não foi chamada, ou vai
sobrar para você, senhorita enxerida !
As
palavras bateram nos ouvidos de Lune como se fossem um tapa!
Normalmente
ela ficaria nervosa e brigaria com a mãe, mas naquele dia a mágoa falou mais
alto que a raiva.
Uma
lágrima caiu de cada olho, e ela saiu de perto, de cabeça baixa, olhando para o
chão.
Saiu
pela porta da cozinha e sentou-se numa
cadeira no quintal e ali permaneceu sozinha.
Momiji
entrou com Kazuo para dentro e ambos comeram a pizza.
O
fato de nem a chamarem para comer e fazerem de conta que ela não existia a
magoou mais ainda e a entristeceu.Seu estômago roncou, mas ela não quis entrar.
Mentia a si mesma de que tinha perdido o apetite.
Até
que chegou uma hora que ela não aguentou mais. Tirou Sartre de seu colo, que
tinha se enroscado em suas pernas, se levantou e foi para a porta da cozinha,
depois que não escutou mais conversa e a luz da cozinha foi apagada.
Porém,
para sua própria surpresa, a porta da cozinha tinha sido trancada !
Ela
resolveu dar a volta pela frente pelo quinta, para o jardim e foi para a porta
da sala e...estava trancada também !
Só
então caíra a ficha: a bolsa dela estava no quarto dela, o celular também, a
chave da casa e a chave do carro idem !
Ela
tinha sido trancada para fora da casa por seus próprios pais, esquecida, excluída,
rejeitada...ah, a dor, a dor, a dor lancinante da rejeição !
Uma
solidão abissal e fantasmagórica tomou conta dela , e a fome, furiosa, berrando
em seu estômago !
Ela
poderia sair de casa e ir a pé numa loja de conveniência, mas sem dinheiro,
cartão de crédito, cartão de débito, nada? E como faria para dormir ao
relento?E o frio?E se chovesse?
Porém,
a fome era a mais urgente, urrando dentro dela!
E
o pior é que ela não tinha como ligar para os pais, nem para Takeo, para ninguém
!
Desesperada,
ela não viu outra alternativa: coletou pedras no quintal e foi na frente da
janela dos pais, e começou a jogar pedras na janela.
Para
seu exaspero, o quarto ficava no segundo andar e ela não conseguia jogar as
pedras com força o suficiente para alcançar a janela, então lembrou-se da
garagem.
Sim,
o carro velho da mãe dela ainda estava
na frente da garagem, e Momiji fora tão distraída , que esquecera a chave
dentro do carro , a porta dele aberta, o portão da garagem aberto, e entrara
para dentro de casa.
Primeiro
Lune vasculhou o carro procurando algum chocolate ou doce, qualquer coisa de
comer esquecida no carro. Achou um pequeno pacote de salgadinhos e o devorou,
mas a fome continuava célere.
Então
ela teve a idéia: começou a buzinar o mais alto que pôde, sem parar , em
desespero!
Logo
as luzes da casa se acenderam. E Kazuo abriu a porta que dava para a garagem,
que estava com a luz acesa, e viu Lune dentro do carro, também com luz interna
acesa.
-Filha!
O que aconteceu! Por que está aqui?Eu estava crente que você estava em seu
quarto...
Lune
saiu do carro e abraçou o pai em silêncio. E novamente seu estômago roncou
feio.
-Entra,
filha, vem !Sobrou bastante pizza para você...
Lune
comeu feito uma mendiga que não via comida há uma semana, depois se entupiu de
doces e sorvete.
-Agora
que o mais urgente foi resolvido, quer conversar comigo, filha?
-Não
tenho nada a conversar. Não faço parte desta família. Não existo. Sou uma
rejeitada da qual todo mundo se esquece e ninguém dá a menor importância. Vocês
dois me abandonaram, me excluíram, me jogaram para fora e guardaram a chave, isto mostra que não
significo nada para vocês, que não significo nada na vida de vocês...por que
fui nascer, afinal?
Lune
colocou as mãos no rosto, com os cotovelos apoiados na mesa e caiu na
choradeira.
Aquelas
palavras calaram fundo no coração de Kazuo, que jamais esperava ouvir aquilo um
dia de sua própria filha.Estava surpreso, de queixo caído, olhos baixos e ele
quis abraçar a filha, que o rejeitou com um movimento violento do braço.
Kazuo
engoliu em seco. Sentia-se impotente, de mãos amarradas, ali de pé, ao lado da
filha, sem saber o que falar e o que dizer.
Súbitamente,
Lune se levantou da cadeira.
Sua
expressão no rosto era colérica, seu olhar, de fúria, a ponto de assustar:
parecia fora de si !
Ela
olhou na cara dele e , para a surpresa dele, ela lhe deu um tapa na cara
violentíssimo, que fez o óculos e o cachimbo dele voarem longe.
Ele
se apoiou na parede atônito, de olhos arregalados, e Lune saiu correndo,
chorando desabaladamente.
Ela
subiu as escadas como um foguete e bateu a porta dela com violência e caiu
deitada em sua cama.
Dali
a pouco, Momiji chegou na soleira da porta e viu o marido encurralado num
canto, com um corte no nariz provocado pela fricção violenta do óculos com a
pele no momento em que foi arrancado.
Momiji
colocou a mão na frente da boca, estarrecida!
Lune
jamais batera no pai dela, e sempre foi um grude com ele.Aquilo era algo novo
para a mãe dela.
-É
minha culpa...tudo minha culpa...ai, Kazuo-kun, me perdoe...
Só
então Kazuo se reequilibrou e levantou as cadeiras caídas no chão.
O
casal se abraçou e ambos choraram um no ombro do outro.
Quando
se recuperaram, Momiji buscou um kit de primeiros socorros e aplicou um
cicatrizante no ferimento e depois colocou um band aid. Depois pegou o óculos e
o cachimbo dele no chão.
O
óculos tinha quebrado, as lentes estavam trincadas, e a armação ficara toda
torta.
(Por Continuar)
Nenhum comentário:
Postar um comentário