O rosto do pai dela estava iluminado de
alivio! Seus olhos encheram-se de lágrimas, parecia uma milagre !
-O Deus Urso ouviu
nossas preces !
Disse o pai de
Karanna.
Logo aquele povo se juntou a eles, e foram recebidos com grande alegria!
Agora já não havia mais a preocupação de como gerar
filhos, o que fez a família de Karanna se sentir muito aliviada, tambem. A
caverna era grande , e puderam acomodar a todos. Agora tinham mais caçadores, e
teriam mais comida.
Porém, Lur-Okow e
Ran Atok estavam preocupados: eles sabiam que a chegada daquela gente
significava que eles logo seriam expulsos dali, pois sabiam que já não eram
mais bem aceitos, especialmente depois que deixaram as garotas ir.
Isto ficou muito
claro quando o Chefe do grupo de forasteiros perguntou ao pai de Karanna:
-O que estes Ke
Gemmar estão fazendo aqui?
A resposta foi a
mais mentirosa possível;
-Nós os abrigamos
por hoje da tempestade, mas amanhã eles já vão embora, eles se perderam do povo
deles.
Assim, depois de
ouvirem isto, os dois irmãos concluíram que não eram benvindos ali, e na
madrugada, pouco antes de o novo dia raiar, eles levaram seus pertences e foram
embora dali, pois já era público e notório que não eram mais bem vindo ali, e
que estavam em franca minoria.
Assim começou a
penosa jornada dos dois irmãos ‘a procura de seu próprio povo!
Já a noite das meninas
na caverna delas não foi tão tranquila.
Elas se despiram e
colocaram suas roupas para secar,
estendidas no chão.
A mais, tinham
trazido apenas uma manta de pele de mamute. Porém, nada havia ali para fazer
uma fogueira, e protegê-las dos predadores e do frio, por isto, não poderiam as
duas dormirem, uma teria de ficar de vigília a noite toda enquanto a outra
dormia.
Assim, Karanna se
enrolou na colcha e dormiu aquecida, mas Kirilla, completamente nua e sem nada
para se aquecer, teve de ficar tiritando de frio a noite toda, ora de cócoras
encostada na parede, hora sentada, e as vezes ficava em pé, caminhando para um
lado e outro da caverna, sempre com sua lança prionta, preocupadíssima: se um
bando de lobos gigantes, um urso gigante, uma Hiena gigante , um bando de leões
das cavernas ou uma Morte de Dentes Longos aparecessem, elas estariam perdidas:
não teriam para onde fugir, e nem espaço ou número suficiente para enfrentar
tais feras!
Mas felizmente
tiveram sorte, e nada apareceu,e quando Karanna acordou ao raiar do sol,
Kirilla mal se aguentava, com o corpo gelado.
A menina então
convenceu a mulher a se deitar na colcha e se enrolar nela e dormir um pouco e
se aquecer, enquanto ela vigiava.
Mas Kirilla não
conseguiu dormir muito: seu estômago, assim como o da amiga, roncava de fome.
-Kirilla, precisamos
caçar alguma coisa, ou vamos morrer de fome aqui !
-Vamos sim, Karanna,
só temos a nós para caçar por nós.
As duas, agora
vestidas, já que suas roupas já estavam secas, saíram da caverninha e chegaram
no prado que parecia infinito, com poucas árvores esparsas aqui e ali. Ao
longe, uma florestinha se destacava.
Elas já estavam
tontas e com a visão escurecendo de tanta fome.
-Ali, aquela árvore,
tem frutos Kemme, vamos comer lá primeiro, depois caçamos, ou não conseguiremos
!
Disse Kirilla.
A árvore era de amoras, e elas subiram nela e se esbaldaram.
A fruta, rica em
açúcares, lhes devolveu a energia e a tontura e as falhas visuais cessaram.
-Agora precisamos de
carne !
-Sim, Kirilla, e por
falar nisto, olhe lá longe: é um bando enorme de Mamutes !
Ela olhou, e de
fato, era o maior bando de mamutes isolado que já vira na vida: deveriam haver
centenas deles ali !
-Melhor não irmos na
direção deles então, Karanna! Somos só duas !Vamos descer e ir para a floresta
!
-Vamos sim !
As duas desceram da
árvore e começaram a sua caminhada na direção do bosque.
-Kirilla, você nunca
me contou por que você abandonou seu pai...se você o amava tanto, por que o
deixou, por que fugiu dele, desapareceu da vida dele?Por que o deixou morrer
assim?
-Ah, Karanna, esta é
uma longa história...
-Creio que terei
muito tempo para isto agora...
-Pois é... meu pai
era um homem bom, sensível, carinhoso, fazia tudo o que podia por mim, nunca me
desrespeitou, mas acima de tudo, era um sábio...
-Agora é que não dá
para entender por quê mesmo...
-Éramos só eu e ele,
sozinhos , isolados...eu senti que não haveria futuro para mim com ele, por que
não haveria futuro para ele também. Sabe, Karanna, eu refleti muito , e cheguei
‘a conclusão de que eu não estava livre, eu estava dependente dele, na verdade
dependíamos um do outro, e quando uma relação é de dependência, não tem como
dar certo! Por melhor que ele fosse, eu não queria depender dele, nem de nenhum
homem para nada, e justamente por ele ser tão bom que eu achei que ele não
merecia ter de depender de mim. E depois, ele já era velho, não iria viver
muito mais tempo, e eu muito nova e desperdiçando minha vida cuidando de um
velho ao invés de viver minha vida... por fim, algo que nós mulheres sempre
vivemos em nossas vidas: o perigo de um dia sermos usadas pelos homens para
procriar, para salvar nossos povos, e isto mesmo contra a vontade...
-Mas ele era velho,
então, não teria como...
-Com certeza, do
jeito que o conheci, ele era incapaz de fazer isto, pois era um homem horado e
de caráter como nunca vi em mais ninguém. Mas mesmo sem ele pedir, desejar,
estando só eu e ele ali, se quiséssemos originar um novo povo, eu teria de me
oferecer para ser a genitora e me veria obrigada a me deitar ...mas...eu também
seria incapaz disto...eu não podia arcar sozinha com a responsabilidade e a
culpa da extinção...não sabíamos que ainda haviam outras pessoas de nosso povo
espalhadas por aí...por tudo isto eu resolvi fugir e fazer minha própria vida,
só não imaginava que viver sozinha fosse ser tão duro e difícil...
(Por Continuar)
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