-Ela não vai atacar.
Ela está ferida, está vendo nas patas traseiras? Acabou de lutar com a fêmea
dominante e perdeu, teve sorte de sair viva. Ela é uma perdedora.
Karanna olhou-a
profundamente nos olhos. Pôde perceber aquele olhar de ferocidade e crueldade
profunda, que amedrontava ate’ a alma. Mas percebeu também no olhar dela algo
diferente. Não havia aquela auto confiança assustadora, mas havia uma débil
sensação de derrota, de humilhação nela,
e que ela desesperadamente tentava esconder. Estava, em seu intimo assustada,
pois podia-se ver que quase perdera a vida há pouco. Ela não estava tocaiando, estava se escondendo, fugindo de
seu bando. Karanna olhou para ela com um olhar firme e penetrante, o que a surpreendeu.
Ela arreganhou os dentes, rugiu muito alto, tentando assustar a garota. Lur Okow estava paralisado
de medo, mas a menina não. Continuou enfrentando o olhar dela, resoluta, até
que os olhos dela abaixaram. A boca se calou e fechou, ela deu alguns passos
para trás, e saiu trotando na direção contrária, com a cabeça baixa.
-Karanna! Você é incrivel!
Como é corajosa ! Você enfrentou uma Morte de Dentes Longos! E não precisou nem
de armas...
-E você é um
covarde, Lur Okow, não a enfrentou e ficou morrendo de medo, fala para eu
interpretar os olhares dos animais, mas não teve a coragem de fazê-lo desta
vez.Será que você aprendeu mesmo os ensinamentos de Kros Ganik? De que adianta
aprender, se não aplicar o que sabe?
Os olhos de Lur-Okow
baixaram também. Karanna, apesar de pequena, sentiu-se poderosa, ninguém era
capaz de enfrentar o seu olhar! Então ela viu que começavam a cair lágrimas dos
olhos dele. Ele me abraçou comovido e lhe disse:
-Estou orgulhoso de
você, menina...
Agora ela
compreendia o que ele queria dizer. Ela era mesmo como Kros –Ganik, e tinha
agido exatamente como ele o teria feito. Ele devia estar orgulhoso de ter feito
aprendizes, lá do alto da pista de caça celeste!
Ela tinha ensinado
ao próprio Lur-Okow, uma grande lição, e ela estava feliz e orgulhosa de si mesma.
Olhou nos olhos dele, e choraram um no ombro do outro de tanta emoção, ela
estava aprendendo tudo perfeitamente, e ele também. Mas ela estava errada, ela
concluiria mais tarde em sua vida. No
fundo, Lur Okow não era um covarde, ele deixara que ela mesma aprendesse e
ensinasse, e aplicasse seus conhecimentos.
Os dias se passavam,
e Karanna crescia e se desenvolvia, e
observava, insegura, o olhar cada vez mais cobiçoso e desejoso de Lur Okow para
com ela, e aquilo a incomodava. Afinal, ele olhava do mesmo jeito para Kirilla,
mais velha que ela. Mas notou também que Ran Atok também a olhava assim, o que
lhe assustava , pois com ele ela não tinha a mesma identificação e uma amizade
tão intensa quanto com Lur Okow, e o olhar dele era muito mais pervertido e
maldoso. Ran Atok era algo soturno, calado, muito prático, e quase só falava
com o pai e o irmão dela, ele não tinha o mesmo pendor a pensar que o Lur Okow.
Mas ela já estava ficando muito boa na
lança, e sabia usá-la muito bem, estava bem treinada agora, e sabia usa-la
tanto `a maneira Ka gigur , como `a maneira Ke- gemmar. Mas era esta ultima
técnica que ela mais gostava de usar, e resolveu que era hora de ir com os
homens para caçar.
Ela disse ao seu pai
que queria ir na próxima caçada com ele, seu
irmão, Lur Okow e Ran Atok.
-Filha, mulheres não
caçam, deixe de pensar como homem. Você e’ mulher, deve ficar com sua mãe. Você
não tem a força de um homem, e pode ser morta por um cervo gigante, um mamute
ou rinoceronte!
-Vocês também correm
este risco, pai. Eu quero ir. Lur- Okow e Kirilla me ensinaram muito bem, estou bem
treinada e pronta. Já sei seguir pistas e pegadas !
-Não!Mulheres não
caçam , já disse !
-Ah, certo, e como o
senhor explica que Kirilla caçe então?
-Agora chega! Não quero mais discussão! Vá
ajudar sua mãe. Se quiser, pode até ir
conosco para colher, nós lhe protegeremos enquanto você colhe frutas para
acompanhar a carne, mas caçar, não! E largue esta lança, que isto e’ perigoso e
não e’ para mulheres, vai acabar enfurecendo os espíritos fazendo isto!
-Não mesmo !
E Karanna saiu
bufando, nervosa e frustrada.
Ele era teimoso, e
não queria a deixar ir. Então, ela
resolveu que iria logo atrás deles, quando eles notassem, já estaria com eles.
E assim fiz. E nem mesmo a Kirilla ela avisou!
O dia seguinte
amanheceu, e os homens acordaram e pegaram suas lanças.
Karanna esperou a
voz deles desaparecer, pegou sua minha lança, sem dar muita atenção ao choro da mãe dela, que temia pela sua morte, e não
queria que ela os acompanhasse, e a menina seguiu a pista deles.
Aos prantos, a mãe
dela suplicou que Kirlla fosse atrás dela e a tentasse demover da idéia de
caçar.
Kirilla, que mal
acordara, fingiu que aceitou, mas a intenção dela era outra: proteger e servir
de retaguarda para Karanna, caso algum animal perigoso a atacasse. Vestiu-se,
pegou sua lança e seguiu na direção que a mãe da menina apontou. No entanto,
ela estava uns quinze minutos para trás da menina e dos caçadores.
Karanna desceu a
ravina do vale em direcão ‘as planicies,
aonde os animais se amontoavam as margens do rio para beber agua. Ela os podia
ver agora, a distãncia entre ela e os homens não era maior do que o alcance da
minha lança. Uma manada de búfalos pastava um pouco ‘a frente, e ela viu que os
caçadores estavam escolhendo um deles.
Mas Karanna percebeu
que eles não tinham notado um bando de leoas das cavernas prontas a cercar o
bando também, e a situação estava perigosa, pois da maneira como estavam fazendo,
iriam ficar entre os búfalos e as leoas.
Uma delas parecia
estar muito próxima do irmão de Karanna,
e armando o bote para atacá-lo. Elas eram animais espertos, sabiam que matar um
homem e’ muito mais fácil e rápido do que matar um búfalo. Mas ela acabou percebendo seu cheiro,
virou-se e olhou para a menina. E rugiu alto, arreganhando os dentes. Só então
que os homens viram que ela estava em sérios apuros. O olhar desesperadamente
preocupado de Lur Okow tocou seu coração. Karanna cravou seus olhos nos da leoa, com a lança em riste.
O olhar dela era
diferente daquela Morte de Dentes Longos que vira antes. Era um olhar de fome
profunda, autoconfiante, feroz, mas não tinha aquele ar, aqueles estigma de
crueldade, aquele brilho de quem mata não por causa da fome, mas porque gosta
mesmo de matar por pura crueldade, que só as Mortes de Dentes Longos tem. Mesmo
assim, era um olhar profundo e assustador!
Karanna logo viu ali
que com aquela leoa não haveria submissão de olhar possível, e aquela técnica
simplesmente não funcionaria com ela !
Quando os homens
tentaram intervir, as demais leoas, acompanhadas agora por um leão gigantesco,
os cercaram. Os búfalos, aproveitando a deixa, fugiram.
Súbitamente, a leoa
saltou por sobre a menina. Tudo ocorreu muito rápido, ela estava muito próxima
para ela jogar a lança nela, então, usando a velha técnica Ka gigur, manteve a
lança em ângulo baixo, levantada com a ponta afiada para cima, mas a fera se desviou,
terminou o salto ‘a frente dela, girou nos calcanhares para ficar de frente
para ela e estava chegando, chegando, já podia sentir seu hálito, quando algo
malhado saltou sobre a menina na direção contrária e aparou o salto dela,
jogando-a ao chão com o impacto.
(Por Continuar)
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