Alegoria
Sim,por incrível que pareça, o
Fantoche sonhava!
Preso pelas cordas, feitas de
dinheiro, sabia bem quem o manipulava.
Não era, porém, um fantoche fácil de
manipular, nem as cordas lhe davam muita autonomia para se mexer, afinal,
em seus tornozelos não lhe bastavam as cordas: haviam curtas correntes atadas a
bolas de ferro pesadas chamadas Gratidão.
Ainda assim, o Fantoche sonhava. Mas
bem real ao seu lado, outro fantoche a que ele amava assim estava, uma triste e
sofrida figura feminina chamada Marionette.
Um dos delírios de Fantoche era um
dia poder libertar Marionette, embora ele soubesse que sem se libertar ele
jamais o faria. Mas também ela estava presa pelas cordas feitas de dinheiro, e
lá de cima caiam, as vezes os dois viam, lágrimas de moedas.
Nas poucas vezes que Fantoche achou
que estava progredindo em sua vida, não percebia que na verdade, era a esteira
rolante do palco onde vivia que girava, fazendo parecer que ele caminhava e
avançava na vida, com os cenários giratórios movidos também pela esteira, num
automatismo mecânico que lhe iludia, e que ele também não reparava que os
cenários na verdade se repetiam. E as cores deles lhe pareciam diferentes a
cada vez por conta da sua imensa vontade de que fossem reais novas
situações, mas de quem manipulava não eram estas as intenções.
Fantoche e Marionette na realidade
estavam naquele mundo de cores pastel foscas, desbotadas e envelhecidas, um
mundo pequenino e limitado de um pequeno palco, com duas esteiras rolantes, e
cercados por um tambor giratório de cenários que se moviam, dando a ilusão de
movimento que não os deixavam vislumbrar que havia todo um imenso mundo lá
fora.
A felicidade que a vida toda
perseguiam, em meio aos rangidos monótonos das engrenagens de madeira abaixo
das esteiras, e que moviam suas vidas, mantendo-as em falso movimento, nunca
seria alcançada pois na verdade caminhavam em falso, parados no mesmo lugar-
era apenas onde pisavam que se mexia.
Um dia, Fantoche sonhava, não importava
se amanhecia ou anoitecia, ele acreditava que enquanto andasse, poderia
alcançar a Felicidade que gostaria!
Um dia Fantoche sonhava, Mas
Marionette nem isto mais o fazia, apenas sofria, sofria... sonharia ele pelos
dois então, todavia, pois era isto que o obstinava e o fazer continuar
caminhando fazia, era o que ele achava que o impulsionava. Ele sabia, sim, ele
sabia,que Marionette já estava idosa e não muito tempo lhe restava, mas a ela
era grato espontaneamente, pois era ela quem o tinha gerado, e gratidão a ele
ela jamais o cobrava. No fundo de seu coração, Fantoche queria, que eterna
Marionette fosse, pois eterno era o amor maternal que ela lhe devotava.
Mas um dia, Fantoche acordou: Marionette
para sempre não viveria, pois suas cordas de dinheiro púido e gasto já estavam
se rompendo- agora percebia, que sem as cordas que odiava, como ela ele
pereceria, só agora então percebia, horrorizado, que a Felicidade pela qual
lutara, a Liberdade pela qual sonhara, foram apenas uma ilusão, nunca existira,
nem existiria pois Quem, que os manipulava, não o permitiria. Para ele, assim
como para Marionette, a qual ele achara que conseguira dela cuidar como poderia
até então, só estava reservado para ele na Vida o Palco, os cenários giratórios
e ilusórios que se repetiam, as esteiras e os mecanismos velhos, puídos,
engastalhados com seus rangidos, que com letargia se desgastavam .Só então
percebia como as cordas, as correntes e os pesos lhe eram pesados, só agora
notava o quão minúsculo era seu triste e desbotado, descolorido mundo, o quanto
viver era pesado, buscando com sua Fantasia, por toda uma Vida, uma Felicidade,
que agora ele sabia, não existia !
Porém, Quem os manipulava, ele mesmo
não o percebia: de seus manipulados também dependia, pois não existe maniqueísta
sem a quem manipular, não existe dominador sem ter a quem dominar, a vida de
Quem manipula e a todos domina, através de seu provimento, perde o sentido se
não tiver mais a quem prover, dominar, manipular, ordens perdem o sentido se
não tiver que as obedeça, depender de quem dele depende é a sina
inevitável de todo provedor, e no final
das contas, ambos vivem a mesma ilusão, pois a prática da dominância transcende
a razão para atingir as raias da
obstinação insana e irracional,
puro devaneio e ilusão, pois ser obedecido se tornar razão de seu viver e disto tirar seu ego e prazer, é uma
alegoria de vida injustificável, sem explicação, que só causa a ele e a todos,
, infelicidade e frustração, eis que pois o domínio dos dominados passa a
ser de Quem eles dependem, deles
depender também,um teatro de distribuir fracassos sem emancipação, contrariando
as tentativas desesperadas de afirmação, que pensava comandar, mas é escrava de
sua própria obstinação, devaneios que se perdem no céu desbotado de azul pastel
do carrossel de ilusões, palco de gerações, agonizando de tanto girar em torno
de si mesmo, ainda que a mão de Quem manipula as cordas de dinheiro já esteja
velha e cansada por inteiro, quando ela finalmente desabar exausta e exaurida,
todos os três terminarão suas existências, terminarão as ilusórias
resistências, as revoltas e tentativas de desobediência, pois acaba-se a
potência, extingue-se o sentido sem sentido, por todos sempre sentido sem
resignação, mas sem perceber sua real dimensão, total falta de noção de que no fim, desperdiçaram suas vidas e
viveram em vão...
FIM
Cristiano Camargo
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