quinta-feira, 3 de maio de 2018

Conto: Alegoria


Alegoria

Sim,por incrível que pareça, o  Fantoche sonhava!
Preso pelas cordas, feitas de dinheiro, sabia bem quem o manipulava.
Não era, porém, um fantoche fácil de manipular, nem as cordas lhe davam muita autonomia  para se mexer, afinal, em seus tornozelos não lhe bastavam as cordas: haviam curtas correntes atadas a bolas de ferro pesadas chamadas Gratidão.
Ainda assim, o Fantoche sonhava. Mas bem real ao seu lado, outro fantoche a que ele amava assim estava, uma triste e sofrida figura feminina chamada Marionette.
Um dos delírios de Fantoche era um dia poder libertar Marionette, embora ele soubesse que sem se libertar ele jamais o faria. Mas também ela estava presa pelas cordas feitas de dinheiro, e lá de cima caiam, as vezes os dois viam,  lágrimas de moedas.
Nas poucas vezes que Fantoche achou que estava progredindo em sua vida, não percebia que na verdade, era a esteira rolante do palco onde vivia que girava, fazendo parecer que ele caminhava e avançava na vida, com os cenários giratórios movidos também pela esteira, num automatismo mecânico que lhe iludia, e que ele também não reparava que os cenários na verdade se repetiam. E as cores deles lhe pareciam diferentes a cada vez por conta da sua imensa vontade de que fossem  reais novas situações, mas de quem manipulava não eram estas as intenções.
Fantoche e Marionette na realidade estavam naquele mundo de cores pastel foscas, desbotadas e envelhecidas, um mundo pequenino e limitado de um pequeno palco, com duas esteiras rolantes, e cercados por um tambor giratório de cenários que se moviam, dando a ilusão de movimento que não os deixavam vislumbrar que havia todo um imenso mundo lá fora.
A felicidade que a vida toda perseguiam, em meio aos rangidos monótonos das engrenagens de madeira abaixo das esteiras, e que moviam suas vidas, mantendo-as em falso movimento, nunca seria alcançada pois na verdade caminhavam em falso, parados no mesmo lugar- era apenas onde pisavam que se mexia.
Um dia, Fantoche sonhava, não importava se amanhecia ou anoitecia, ele acreditava que enquanto andasse, poderia alcançar a Felicidade que gostaria!
Um dia Fantoche sonhava, Mas Marionette nem isto mais o fazia, apenas sofria, sofria... sonharia ele pelos dois então, todavia, pois era isto que o obstinava e o fazer continuar caminhando fazia, era o que ele achava que o impulsionava. Ele sabia, sim, ele sabia,que Marionette já estava idosa e não muito tempo lhe restava, mas a ela era grato espontaneamente, pois era ela quem o tinha gerado, e gratidão a ele ela jamais o cobrava. No fundo de seu coração, Fantoche queria, que eterna Marionette fosse, pois eterno era o amor maternal que ela lhe devotava.
Mas um dia, Fantoche acordou: Marionette para sempre não viveria, pois suas cordas de dinheiro púido e gasto já estavam se rompendo- agora percebia, que sem as cordas que odiava, como ela ele pereceria, só agora então percebia, horrorizado, que a Felicidade pela qual lutara, a Liberdade pela qual sonhara, foram apenas uma ilusão, nunca existira, nem existiria pois Quem, que os manipulava, não o permitiria. Para ele, assim como para Marionette, a qual ele achara que conseguira dela cuidar como poderia até então, só estava reservado para ele na Vida o Palco, os cenários giratórios e ilusórios que se repetiam, as esteiras e os mecanismos velhos, puídos, engastalhados com seus rangidos, que com letargia se desgastavam .Só então percebia como as cordas, as correntes e os pesos lhe eram pesados, só agora notava o quão minúsculo era seu triste e desbotado, descolorido mundo, o quanto viver era pesado, buscando com sua Fantasia, por toda uma Vida, uma Felicidade, que agora ele sabia, não existia !
Porém, Quem os manipulava, ele mesmo não o percebia: de seus manipulados também dependia, pois não existe maniqueísta sem a quem manipular, não existe dominador sem ter a quem dominar, a vida de Quem manipula e a todos domina, através de seu provimento, perde o sentido se não tiver mais a quem prover, dominar, manipular, ordens perdem o sentido se não tiver que as obedeça, depender de quem dele depende é a sina inevitável  de todo provedor, e no final das contas, ambos vivem a mesma ilusão, pois a prática da dominância transcende a razão para atingir as raias da  obstinação insana  e irracional, puro devaneio e ilusão, pois ser obedecido se tornar razão de seu viver  e disto tirar seu ego e prazer, é uma alegoria de vida injustificável, sem explicação, que só causa a ele e a todos, , infelicidade e frustração, eis que pois o domínio dos dominados passa a ser  de Quem eles dependem, deles depender também,um teatro de distribuir fracassos sem emancipação, contrariando as tentativas desesperadas de afirmação, que pensava comandar, mas é escrava de sua própria obstinação, devaneios que se perdem no céu desbotado de azul pastel do carrossel de ilusões, palco de gerações, agonizando de tanto girar em torno de si mesmo, ainda que a mão de Quem manipula as cordas de dinheiro já esteja velha e cansada por inteiro, quando ela finalmente desabar exausta e exaurida, todos os três terminarão suas existências, terminarão as ilusórias resistências, as revoltas e tentativas de desobediência, pois acaba-se a potência, extingue-se o sentido sem sentido, por todos sempre sentido sem resignação, mas sem perceber sua real dimensão, total falta de noção  de que no fim, desperdiçaram suas vidas e viveram em vão...

FIM


Cristiano Camargo

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