-Liga para ele não, Bigodão,
ele não tem a sua classe!
Kaspar respondeu.
-Você quem pensa,
garoto! Eu sou chique também!
-Iiiih, azedou o
clima, Kaspar!
Disse Teresa, que
olhou para a cara agora carrancuda de Bigodão, que respondeu com todo o seu mau
humor:
-Classe? Ha, você
não passa de um burguesinho presunçoso, não é um aristocrata como nós aqui, não
tem berço, não tem nossa tradição!
-Calma, meu bem, não
fica nervoso, a Caravan passa...
Disse Teresa,
apreensiva.
Por coincidência passou
uma perua Opel na rua, e os três riram à
vontade, pois as peruas da Opel sempre foram designadas Caravan, entenderam a
piada?
Logo o dono do BMW
Série 5 saía com seu carro, para o alívio de Kaspar e seus amigos, mas logo
depois, o vizinho da direita tirou seu carro esporte, um Porsche 911.
-Ih, olha só, tinha
de aparecer o Desdentado !
Provocou Bigodão,
que apesar de sua cara sisuda, era pródigo em fazer piadas com os outros.
-Desdentado é a sua
avó! Respondeu o Porsche.
-Não fale assim da
minha querida e falecida Frau Heckflossen (*) ! Ela não tinha o motor no
traseiro que nem você!
(*)
Heckflossen foi uma geração antiga de automóveis Mercedes Benz, identificada
pela fábrica como W111, nos anos 60, e tinha como cararcterística a traseira
tipo “rabo de peixe”
Agora não tinha mais
jeito, os três amigos riram a valer !
-Ora, seu velho
empertigado...
Disse Desdentado, que
não teve tempo de ouvir mais nada , pois o vizinho entrou no Porsche e foi
embora.
-Os vizinhos todos
me adoram, Kaspar, você viu?
-Oras, não sejas tão
irônico, querido!
Disse Teresa, com
meiguice.
Mas Kaspar ria à
vontade, e sua mãe o via rindo sozinho e não entendia nada do que acontecia.
-Kaspar, estamos
curiosos, agora que não tem mais ninguém para atrapalhar, nos conte suas
novidades de hoje, por favor!
-Tudo bem, Teresa,
vou contar então!
E era assim: todo
dia ele ansiava para contar as novidades do dia anterior aos seus amigos de
quatro rodas, e como estão vendo, era muito divertido !
Eles ouviam suas
queixas, suas dores, consolavam suas tristezas, compartilhavam com ele suas
alegrias, o aconselhavam nos seus momentos de raiva ou de revolta, quando ele
brigava com seus pais ou com os colegas de escola.
Passear com o
Bigodão ou com a Teresa o deixava muito feliz, e ‘as vezes seus pais o deixavam
esperando no carro enquanto iam buscar alguma coisa em algum comércio, e ele
aproveitava para conversar com seus amigos de quatro rodas. Lá dentro ele se
sentia protegido e querido.
Mas o tempo passou,
e ele foi crescendo, e um belo dia seu pai o ensinou a dirigir.
E foi no Bigodão,
para a sua alegria, que Kaspar aprendeu
a dirigir !
O dia em que sua
carta de motorista saiu então, foi um dia muito feliz!
Mas o dia seguinte
não seria: Kaspar ouviu seu pai falar com sua esposa que o Bigodão já estava
velho e ultrapassado e era hora de trocar por um carro mais novo!
Naquela mesma noite,
depois que todos foram dormir,ele contou a notícia para Bigodão e Teresa, que como ele, ficaram muito
tristes.
-O que será de você ,
Bigodão? Você sempre esteve comigo mesmo nas horas mais difíceis, sempre me
ajudou quando eu precisei e não quero me separar de você! Nunca! Eu não vou
deixar!
-Infelizmente não há
nada que você possa fazer, garoto. Seu pai me levou na concessionária, onde
adquiriu um 500 SEL novinho, que vai ser entregue na semana que vem...o que
será feito de mim? Entrarei no negócio e ficarei no pátio de carros usados,
para vender, até que apareça um novo dono e me leve para casa, mas, para minha
dor, não poderei mais te ver, nem à minha amada Teresa, da qual terei de me separar contra a vontade...
-E eu provavelmente
serei a próxima a ter este destino, Kaspar, sinto muito...mas olha, você terá
novos companheiros em breve, e tenho certeza de que você e eles serão bons
amigos, vocês vão se dar muito bem! E pode ter certeza, eu e meu amado Bigodão
nunca nos esqueceremos de você!
-Eu não quero novos
companheiros, eu quero vocês ! Eu nunca terei companheiros tão legais e leais
como vocês !
-Meu jovem, olha,
nós somos apenas máquinas, não...não estaria na hora de você arranjar amigos
humanos como as outras pessoas? Infelizmente, nós carros ficamos velhos e somos
substituídos, em muitos casos abandonados, ou ainda acabamos morrendo em um
ferro velho...
-Eu não sou outras
pessoas, Bigodão, você não entende? Eu sou eu, singular, único, não sou como os
outros e tenho orgulho disto!
(Por continuar)
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