Kaspar estava
imensamente revoltado com aquela realidade cruel, de certa forma decepcionado e
se sentindo rejeitado com as vãs tentativas dos seus amigos de quatro rodas de o
consolar!
Era a primeira vez
que Kaspar tomava ciência de que carros também não eram eternos e podiam
desaparecer da sua vida e sem nunca mais os encontrar, uma face dura e cruel da
vida não só para eles, mas para ele igualmente ,pois os tinha como amigos e até
então, achava que amizades durassem para sempre!
Então, uma noite
depois, Kaspar pegou as chaves do Bigodão escondido, e abriu o portão da garagem,
aproveitando-se que todos tinham ido dormir.
Entrou no carro e
deu a partida, o motor pegou na hora.
-Kaspar, onde vai me
levar a esta hora? Seu pai sabe que estamos saindo?
-Eu não vou te
deixar te levarem, Bigodão, não vou mesmo!
-Meu jovem, é muito
perigoso a gente sair à noite, sem consentimento, sem destino, você ainda é
muito inexperiente !
-Ninguém me segura
mais, eu vou, nós vamos!
Kaspar ligou os
faróis, deu ré, e ganharam as ruas, e saíram correndo livres velozmente, e logo
pegavam a estrada.
-Garoto, estou te
falando, a polícia pode aparecer, você está correndo muito, se eu bater eu irei
morrer ou poderei ir direto morar no ferro velho, e você pode se machucar sériamente
ou mesmo morrer, nesta velocidade posso não ser capaz de te proteger, por
favor, vamos voltar!
-Não, não, eu não vou
te entregar para ser vendido! Nunca vou deixar você ir embora!
Repentinamente
começou a chover e a pista ficou escorregadia.
Veio a aquaplanagem
e Kaspar perdeu totalmente o controle e rodou
muito rápido.
Em desespero, ele não sabia o que fazer, parecia que iam
bater!
Para a sorte deles,
pararam a centímetros de um barranco.
Pálido de medo, trêmulo,
muito a contragosto Kaspar resolveu
voltar, desta vez bem mais devagar.
Porém, quando já
estava perto de casa, tomou outro susto:
Cruzando o caminho
dele estavam seus pais, a bordo de Teresa, procurando desesperadamente por
Kaspar!
O garoto parou
imediatamente o carro, e seu pai estava furioso: Kaspar levou a maior bronca de toda a sua vida, e sua
mãe assumiu o volante do Bigodão, enquanto Kaspar sentava no banco do
acompanhante de Teresa, com seu pai dirigindo.
O garoto ficou um
dia inteiro de castigo, mas a punição mais pesada para ele foi ser forçado a
ficar longe de Bigodão e Teresa!
No dia seguinte ao
término do castigo, Kaspar pediu desculpas aos dois, que no entanto, não
ralharam com ele e procuraram consolá-lo
novamente. Então, antes de sair da garagem, Kaspar fez uma promessa solene:
-Bigodão, eu juro
que você vai ser o meu carro ! Eu nunca vou te abandonar e vou passar o resto
da minha vida procurando por você onde for, vou te encontrar e te restaurar,
você vai ficar novinho de novo, você vai ver ! Vamos ser companheiros para
sempre ! Eu juro, juro mesmo, e tudo o que eu juro e prometo, eu cumpro, você
me conhece, é uma questão de honra para mim e eu levo a honra muito a sério !
Bigodão olhou para
Teresa com um olhar comovido, emocionado, mas descrente e suspiraram...
O dia em que seu pai
foi levar Bigodão para a concessionária para entrega-lo foi um verdadeiro drama
para Kasper:
Ele entrou no carro
e o garoto pediu ao pai diversas vezes
para que não o entregasse, mas, de cara fechada com sua revolta, e também com a
testa franzida de preocupação, seu pai entrou no carro e saiu com ele ganhando
a rua.
Sua mãe tentou abraça-lo para tentar segurá-lo e o consolar, e ela estava de olhos
rasos, mas ele se desvencilhou e saiu correndo atrás do carro:
-Bigodãaaaao, não vá
embora, não vá, não me deixe sóooo!
Mas, triste, ele era
uma máquina comandada por mãos e pés humanos e se foi. Anos depois seu pai contaria para Kasper: não era só a mãe dele
que ficara de olhos rasos, também seu pai os tinha ao ir para a
concessionária...
Kaspar voltou para a
garagem e abraçou sua mãe, chorando convulsivamente, e ela tentava consolá-lo com carinho.
Aquele fora talvez o
dia mais triste de sua vida, e Teresa também estava extremamente triste, e
,abraçado com sua mãe, Kaspar olhava para Teresa, e notava, podia sentir o
quanto ela estava deprimida e emocionada, o quanto ela estava sofrendo: ela
também gostava muito do Bigodão !
Algumas horas depois
seu pai chegava na nova 600 SEL do ano, e a colocou na garagem, e para Kaspar, vê-la chegar no lugar do velho Bigodão foi de
cortar o coração ! Ele tinha se apegado muito, era como se ele fosse o avô que
o garoto nunca tinha tido na vida!
Não era a mesma coisa,
com aquele carro eu não se identificava, e tinha raiva dele por ter tomado o
lugar do Bigodão em sua vida, e com ele Kaspar não falava e ele também ficava
em silêncio: para o garoto, ao contrário dos carros a que ele tinha se
apegado, ele não significava nada, então não havia como ter uma comunicação
ali, pois ele, ao contrário de Bigodão e Teresa, para Kaspar não tinha alma !
(Por continuar)
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