E seus pais não
tinham idéia do quanto aquilo significava para ele...
Foi no dia seguinte
que Kaspar sentiu naquela garagem a
aridez de um deserto. Bigodão não estava mais ali, e o carro novo? Ah, ele
continuava a não conseguir sentir nada por ele, exceto pelo sentimento de
raiva, frustração, impotência, um intruso que estava ali contra a sua vontade,
e que se dependesse de Kaspar, não teria lugar ali, emburrado, ele não falava com ele não falava com ninguém.
Teresa se sentiu tão
deprimida ao notar que o garoto parara
de falar com ela e remoía seus ressentimentos e mágoas em silêncio, que também
ela se calou. Ela já ficara triste pela ausência do Bigodão e seu carisma que
dominava o ambiente, que Kaspar deixar de falar com ela e ela presenciar seu
sofrimento foi demais para ela...
Ou, pior, sua
capacidade de falar com os carros e entender o que diziam se esvaiu. Uns tempos
depois ele tentou retornar a falar com
Teresa, mas não houve resposta. De repente tudo era um silêncio mortal. Na
época, ele não sabia se ela é que se calara, se ele que tinha perdido minha
habilidade mágica de conversar com os carros e entrar em sintonia com a alma
deles, ou o que, afinal, tinha acontecido. Só sabia que aquela constatação fora
um grande choque, um trauma, como se algo muito importante tivesse sido tirado
de si! Havia frio, vazio em sua alma, nem ele sabia expressar para si mesmo o
que ele sentia...
Fosse Teresa que
tivesse se calado, fosse o problema com a sua habilidade, só o silêncio
imperou, um silêncio doloroso que lhe trouxe muitas saudades dos velhos tempos!
Para piorar, dias
depois seus pais se separaram e ele e seus irmãos foram morar em outro bairro
da cidade com sua mãe.
Teresa, ao menos, lhe
era familiar, mas alguns meses depois também ela se foi, substituída por um
C230 K Touring, a qual também não falava nada com ele, nem ele com ela, e por
quem ele nada sentia. O ressentimento, a dor, a tristeza, a mágoa, o trauma
eram os mesmos, ou talvez até piores, pois agora nada mais havia de familiar
naquela parte da sua vida.
Não obstante isto,
sua mãe sempre lhe emprestava o carro dela e ele ia na concessionária ver o
Bigodão, no pátio de carros usados para venda. Mas, para sua tristeza e
decepção, ele também não mais falava. Parecia morto, pois nem o ouvia também.
Ou talvez ele que já fosse incapaz de escutá-lo...
Um dia ele voltou de
uma destas visitas (e ele o visitava todos os dias, obcessivamente), e não o
encontrou mais. O vendedor explicou a
ele que ele tinha sido vendido, mas se negou a revelar para quem, o endereço,
etc.
Ao estacionar o
carro de sua mãe na garagem da casa dela, Kaspar sentiu a maior solidão da sua
vida e chorou, chorou muito, até que viu, passando pela calçada uma linda moça ruiva da mesma idade que ele.
Aquela visão lhe
despertou algo que nunca sentira antes: paixão!
Dias depois, ele
ganhava de seu pai meu primeiro carro: uma Classe A 190 prata, com a qual eu se
identificou imediatamente.
Mas agora já
influenciado pelo fogo da paixão, já não mais falava nem conversava com carros.
O tempo passou, e de
tanta insistência, Kaspar conquistou Gretel, a ruiva por quem ele me
apaixonara.
Kaspar agora já era formado em engenharia e estava
independente e foi morar sozinho. Não demorou e Gretel foi morar com ele e os dois se
casaram.
Mas Kaspar nunca me
esquecera de Bigodão. Ele sonhava com aquele carro toda noite, e em seus sonhos
Bigodão lhe pedia socorro!
Kaspar passou a
procurá-lo, obstinadamente, pois lembrou-se de sua promessa; agora que ele já
tinha seu próprio dinheiro e ganhava bem, a ponto de ter trocado a velha Classe
A por um potente C240 2.6 ; ele viajou a
Alemanha toda procurando por Bigodão, e ele tinha um forte pressentimento de que eu iria
encontra-lo.
E de fato, um belo
dia, encontrou-o em um ferro velho, e o salvou de ser prensado e destruído.
Colocou-o em um caminhão no estado em que estava, para sua garagem e foi
comprando as peças e ele mesmo o foi restaurando ‘a mão.
Depois de muito
tempo restaurando-o, já era tarde da noite, quando Kaspar finalmente terminou.
Feliz, com um
sorriso de menino no rosto, capô baixado de novo, ele deu a partida. Nada! De novo
e de novo, nada !
Desesperado, começou
a revisar item por item do sistema elétrico por algum engano, e não achando
nada, ele disse em voz alta:
-Bigodão, por favor,
desperta! Acorda, por favor, acorda! Eu sei que você está aí em algum lugar !
O portão da garagem
estava aberto e a lua cheia brilhava no céu, e então Kaspar vi uma estrela cadente passar.
Emocionado, eu
disse:
-Estrela, minha
estrela da sorte, faz ele voltar, por favor, te peço do fundo do meu coração,
faz ele voltar!
Não se sabe se foi impressão a dele, mas lhe pareceu que
a estrela cadente brilhou, e a estrela no alto da grade de Bigodão brilhou ao
luar também, e repentinamente, para a sua surpresa, súbitamente seus faróis se ligaram sozinhos e o motor
pegou e rugiu com saúde, e logo depois a buzina tocou duas vezes!
-Estou de volta,
garoto !
-Bigodãaaao !
(Por Continuar)
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