quarta-feira, 18 de março de 2015

O Presídio- Episódio 46



Fazia tempo que o Diretor não chamava 133144 nem 500800 para suas conversas.
Mas enfim ele chamou, e lá fui eu observar a conversa dos dois nos telões:
-Sente-se por favor, Cidadão 1.Então, tenho ficado muito satisfeito com o bom uso que você tem feito das regras, especialmente das novas que tem criado, outorgando benefícios para os presidiários e tenho visto com alegria o quão popular você está ficando. Especialmente por que, quanto mais popular você fica, mais popular eu fico. Sempre segui a máxima de Maquiavel de que seja melhor ser temido que amado, mas vejo agora que ser amado tem lá suas vantagens. E quero te parabenizar, sua saída do meu xeque mate foi brilhante, brilhante, deixar que o povo faça sua revolução por você, sem que você os precise incitar é genial, pois o isenta de culpa se a revolução não der certo. É uma bela maneira de manipular o povo para a sua vontade, você está se saindo um tirano perfeito !Já está aprendendo a governar por baixo dos panos, dos bastidores. E qualquer político sabe que é no palco que se engana e entretém o povo, mas é nos bastidores que se manobra ,se manipula e que se faz suas vontades acontecerem. É dos bastidores que vem a obediência às ordens, que se governa de verdade! É condição suficiente e necessária que o governante se conscientize da importância dos Bastidores na política e a utilize em proveito próprio !
-Não tive intenção de manipular a ninguém.
-Como não, Cidadão 1? Ser revolucionário é ser um manipulador em essência ! Qualquer mudança na consciência popular  é uma manipulação à sua vontade, inclusive levar o povo a conscientizar-se por si mesmo. Ou você acha que eles se esquecerão de que foi você quem abriu a biblioteca para eles e introduziu as aulas de filosofia e literatura na escola? Estais a se tornar um Déspota esclarecido, isto sim ! Agora, intenção, o que é a intenção senão a manifestação da vontade, o emergir prático da aspiração, a idealização de uma decisão? Intenção, eu posso também conceituar da minha cabeça, é a constatação da imprevisibilidade da Decisão. Toda Decisão tem Consequencias, as previstas e as imprevistas.É na categoria das previstas que entra a Intenção. Só que as previstas são fruto do nosso imaginário, inconsciente, intenção é pura fantasia. E as consequencias imprevisíveis são a Realidade.
-Segundo  o filósofo Auguste Comte, À observação conjuga-se com a imaginação: ambas fazem parte da compreensão da realidade e são igualmente importantes” !
-Huum, apelando agora para o Positivismo! Não foi ele quem disse que seja preciso ver para prever, a fim de prover? Caístes em contradição novamente, meu caro, pois prover é um ato que permite o controle das pessoas,eque sempre tem o risco de cair numa ditadura!Não seria o provimento então uma forma de manipulação?
Disse o Diretor, vivamente interessado na resposta de 133144, afinando seus bigodinhos com os dedos da mão esquerda.
-Aí você está generalizando. O ato de prover em si não necessáriamente leva à manipulação ou à dominação!
-Não seria por que o ato de prover já não seria em si um ato de dominação, já que pressupõe uma relação de dependência?
-Se for, será dos dois lados, pois o provido sabe sempre que o provedor tem necessidade do provido para existir e cultivar seu ego, e assim, também ele pode manipular seu provedor para conquistar suas vontades.É na verdade uma relação de interdependência!
-Muito bem, por hoje é só, outra hora conversaremos mais.Está dispensado, Cidadão 1 !
133144 voltou para seu escritório e lá ficou pensativo.
O tempo corria novamente e 500800 fez o ultrassom, e descobriu que a criança que ela gerava era uma menina.
Mas quem não me deixava em paz era minha assistente,que se dizia apaixonada por mim e tinha ciúmes da minha esposa.
Naquela mesma noite,enquanto 500800 e 133144 comemoravam a filha deles, eu chegava em meus aposentos já no escuro, depois de o dia inteiro e parte da noite trabalhando,e encontrei minha esposa morta. Havia sangue por todos os lados, e buracos de balas nas paredes e no chão. Ela tinha sido metralhada, mas não foi uma morte instantãnea: haviam cerca de duzentos orifícios de bala, todos no abdômen,matando inclusive meu bebê em formação. A violência dos tiros de metralhadora pesada, de grosso calibre foi tanta, que o ventre se despedaçou e estava em frangalhos.De fato, ela quase foi partida em dois pedaços e havia uma poça enorme de sangue debaixo dela. Ela tinha os olhos abertos, vidrados,e a expressão final de seu rosto era de terror !
Ora, no Presídio só agentes da DIIS portavam armas, especialmente uma arma daquelas.Então, eu só poderia começar a investigar pelos meus próprios agentes. E, claro, a suspeita sobre minha assistente era gigantesca!
Eu estava consternado, arrasado, deprimido, não podia acreditar no que tinha ocorrido!
Ajoelhado no chão inundado de sangue, com pedaços de meu futuro filho em minhas mãos,levantei meu rosto aos céus e gritei a plenos pulmões:
-Nãaaaaaaaaoooooooo!
As lágrimas me eram abundantes e meu pranto, pesado e insuportável. Intercalava-se com minha depressão uma raiva animal, uma fúria de fera incontrolável, uma revolta tão incontível que parecia que meu coração explodiria,meus soluços me faziam engasgar e quando dei por mim, eu uviva como um lobo !
Finalmente consegui forças para me levantar e corri para os aposentos de minha assistente, e arrombei a porta e o s invadi. Ela estava deitada semi nua na cama dela, e assustou-se com minha chegada repentina.
Mas talvez seu susto não se devesse só a isto: meu semblante deformado pelo ódio cego e a ferocidade da expressão nele eram pura temeridade, e avancei em cima dela, com as duas mãos no pescoço dela e a chocalhei violentamente, a ponto de seus seios nus se chocarem com seu ventre e com seus ombros.
Ela tentava gritar, mas eu via tudo vermelho, e só pensava em matar e me vingar dela.
Foi quando, alertado pelos meus gritos e os dela, 133144 apareceu.

(Por continuar)

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