sexta-feira, 20 de março de 2015

O Presídio- Episódio 48




-Você, Cidadão1, me lembro bem, uma vez comparou a Liberdade a um passarinho como este. Sim, a liberdade é pequena, delicada e livre como ele, mas ele é um animalzinho bastante inteligente também, sabia? Potencialmente podemos sim podar suas asas ou mesmo esmaga-lo, mas ele levantará voo tão logo perceba nossas intenções. Esta é a diferença entre o pássaro real e o que representa a liberdade. É que também nós somos passarinhos, meu amigo, mas ao contrário dele, temos a ignorância como companheira, como âmago de nossos seres.
-Mas os pássaros também ignoram nossos conhecimentos, não tem acesso a livros, nem aos conhecimentos que produzimos.
-Você nunca se perguntou por que é que quando você passou a frequentar a Biblioteca e adquirir conhecimentos humanos ,nenhum tijolo desapareceu do Presídio, Cidadão 1 ?
-Não, agora que estais me perguntando, é que estou a perceber, tens razão.
-Aaaaaaaah, afinal concordastes comigo !Hoje me fizestes feliz !
-Uma vitória sua, Diretor?
-Não, uma vitória sua. Mas eu te explico: os conhecimentos humanos são muito pouco diante da sabedoria do Universo, de tudo em que estamos imersos e inseridos, é praticamente nada, um átomo no meio do infinito. Por mais que reflitamos e busquemos razões e respostas para nossas dúvidas tão infantis e imaturas, jamais nos igualaremos ao universo, então de certa forma, conhecimento é ignorância, pois para cada fato que aprendemos, para cada novo conceito, milhões, bilhões, trilhões de outros sempre existirão e permanecerão ignorados.Por isto lhe digo: este simples passarinho é muito mais inteligente do que nós , humanos!
-Agora é você que está caindo em contradição, ele sequer raciocina. Ele apenas vive.
-O mais contraditório é aquele que não percebe e ignora suas próprias contradições, e as atribui aos outros, menino ! Mas levantastes um ponto importante: ele sequer raciocina, por isto é mais feliz, é livre e é muito mais sábio do que nós. Ignorância pode ser uma bênção como pode nos levar à ruína.Ele sabe voar por si, nós temos de inventar máquinas para voar.E na verdade são nossos aviões que voam e nos levam para voar, nós não, estamos na verdade presos dentro deles. Presos na ignorância de não sabermos voar. O Pássaro precisa de pouco para ser feliz e sabe como viver bem e aproveitar sua vida. Ele tem um acesso à uma liberdade que jamais teremos. Nós não somos livres por natureza, por isto ansiamos pela liberdade. Então, eis que pois, o pássaro da liberdade, invenção nossa, é uma farsa. A prisão é nosso lar, é a matéria de que somos feitos, é onde nos colocamos e onde sempre vamos estar. Todos nós. Toda sociedade é uma ditadura, em formas diferentes. Nós vivemos  diariamente a ditadura de nós mesmos, uma ditadura chamada Inconsciente ! E quão feroz e aterrorizante ela é ! Revoltante, não? Não estás impressionado com a facilidade com que desmontei seus argumentos antes que você os expusesse?
O queixo de 133144 estava enterrada no peito, por entre os ombros levantados e lágrimas saíam de seus olhos, e era possível ver seus punhos cerrados nos bolsos do pomposo uniforme quase se rasgando de frustração.
Ele caminhou alguns passos para longe do Diretor, de costas para ele e de repente, berrou descontroladamente:
-Definitivamente você é um homem louco !
-Como diria Nietchze: “E os homens que não conseguiam escutar a música julgaram insano o homem que dançava”...

133144 caminhou com passos revoltados e bateu a porta com força atrás de si.
Eu o vi, com lágrimas nos olhos, afogar suas mágoas e lástimas em forma de lágrimas nos ombros da 500800, que se desesperava para ampará-lo.
Resolvi então mudar o canal para o gabinete do Diretor e para a minha surpresa, o ouvi falando sozinho, olhando por uma das janelas:
-Um dia você vai entender minhas razões, que tanto me doem! Vais entender que é tudo pelo seu próprio Bem! Ou estarei eu errando? Como é doloroso ter de ser forte na frente de todos, menos diante de mim mesmo ...não vejo a hora de tudo isto terminar...estou cansado, tão cansado...
E lágrimas caíam do rosto dele.
Era um lado humano dele que 133144 ignorava, pois agora eu percebia, o Diretor não queria que o garoto soubesse. Ou ao menos julguei assim, o Cidadão 1 era um homem intrigante !Que grandes mistérios acercavam aquele homem misterioso do qual tão pouco se sabia?
Imerso nestes pensamentos, percebi que nunca tinha visto um só documento sobre as origens do Presídio, quando ele tinha começado, desde quando existia, e nem sobre a História dele. Curioso e precisando de uma distração para apaziguar minha pobre e limitada mente torturada, embrenhei-me nas mais profundas trevas da Biblioteca e me recolhi num canto o mais distante e isolado de outras pessoas que encontrei.
E lá passei a ler furiosamente, sistematicamente, tentando esquecer todo o infortúnio que me ocorrera.
Por três dias e três dias lá fiquei.
Ao sair de lá, sem encontrar qualquer documento histórico sobre as origens do Presídio ou sua História, quem teriam sido os Diretores anteriores, etc, resolvi voltar. Não aos meus aposentos de Diretor da DIIS, mas minha velha cela, agora solitária e quase vazia, e me perguntei como pude viver com tão pouco por tanto tempo.

(Por continuar)

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