Eu já começava a pensar em pedir
minha resignação da DIIS. Mas estava faminto até a alma e resolvi passar
antes na cozinha do Presídio, onde solicitei uma refeição avulsa. Como eu era
uma alta autoridade, logo me serviram e pude saciar minha fome e sede.
Só então fui ao à minha velha cela, vazia de gente sim, mas lotada
de saudades e velhas lembranças.
Saudades não apenas da minha agora falecida esposa, mas da minha velha
humildade esquecida em algum canto de minha vida. Lembrei do que o Diretor
falara do passarinho, e repentinamente me dei conta do quanto a minha
simplicidade e limitações anteriores me faziam falta agora. Eu era acomodado,
burocrático, prático e não pensava, apenas vivia um dia após o outro, sem ter
de pensar no próximo dia como seria, afinal, o futuro simplesmente não existia
para mim, como também o passado. E o passado nunca me fizera falta até então.
Eu era um homem para o qual só o presente existia e valia e isto me bastava. Eu
me bastava assim mesmo. Mesmo sendo um passarinho de asas amarradas, eu era
mais feliz. Ou não?
Resolvi então tirar as dúvidas passando no gabinete do 133144 e
convidando-o a um passeio pelo Presídio comigo.
Enquanto caminhávamos, notei que agora muitos tijolos faltavam nos muros do
Presídio, que agora estavam ao menos meio metro mais baixos. E que agora
começava a se formar tumulto na porta da Biblioteca, onde a multidão para entrar
agora era grande. Tive de chamar alguns guardas comuns para disciplinar a
multidão e a organizar em uma fila.
Fui explicando minhas reflexões a 133144 e terminei com a seguinte
pergunta:
-O conhecimento nos liberta. Mas nos liberta de quê?
-Você tem uma resposta, 100169, pode falar.
-Da ignorância?
-E o que é ignorância para você, 100169?
-Ausência de conhecimentos?
-Não. Os conhecimentos em si nunca deixam, ou deixaram de existir.
É a não-percepção deles, é o desconhecimento de que o conhecimento existe. É
também a não- aceitação do conhecimento, e o apego ao que já se sabia, ou se
achava que sabia, evitando novos aprendizados. É a falta da Conscientização.
-Mas para conscientizar não é preciso introduzir novos
conhecimentos para as pessoas? Conscientização e Conhecimento não seriam então
a mesma coisa?
-O ato de conscientizar consiste em abrir os olhos das pessoas
para os conhecimentos que elas sabiam há muito tempo que existiam, mas que,
como contrastam com seus julgamentos prévios e seus velhos conceitos já há
muito formados, elas teimavam até então em não aceitar e deixar de perceber- lhes
a existência, enganando a si próprias, ao se convencerem firmemente de que
aquele conhecimento não existe, quando na verdade, ele está defronte a seus
olhos. Sabe, 100169, depois da minha última entrevista com o Diretor, eu fiquei
muito pensativo, refletindo com muito sofrimento sobre tudo o que ele me disse.
-E você chegou a alguma conclusão?
-Cheguei. A Liberdade de fato é um pássaro pequeno, porém lindo,
do qual precisamos cuidar muito bem e valorizarmos. Você me disse que sentiu
falta de suas limitações e de sua ignorância, e assim, poderia corroborar com a
Tese do Diretor de que a ignorância pode ser benéfica e nos fazer felizes, e
que o Conhecimento nos faria infelizes. Mas sabe por que nenhum tijolo sumiu
depois que passeia ir na biblioteca? Por que não foi conhecimento que adquiri
lá e sim, conscientização.
-Então é a conscientização quem liberta e não o conhecimento?
-Aí voltamos à sua pergunta anterior: o conhecimento nos liberta?
De quê? Eu poderia até propor novas perguntas, inclusive:- A conscientização
nos liberta? De que? Será que realmente queremos ser libertos de alguma coisa?
-Ih, aí encontrei meus limites de novo, 133144, agora sim estou
realmente confuso...
-Posso responder, Amor?
Era 500800 que tinha acabado de chegar e ela já tinha ido logo se
metendo na conversa.
-Claro, querida, pode falar !
-A conscientização nos liberta sim, dos preconceitos que
conscientemente não admitimos ter, mas que em nosso íntimo sabemos que temos.
Mas só nos libertamos sob constrangimento e/ou pressão, pois na verdade sempre
vamos preferir o comodismo, a segurança e a comodidade de nos iludirmos que não
temos o que temos e a de que estamos acostumados e nos é familiares, pois ao
pré-concebermos e pré-julgarmos, nossas convicções resultantes são tão antigas
e confortáveis que relutamos em nos desfazermos delas e nos apegamos
sentimentalmente a elas, então conscientização sempre terá um caráter
intervencionista, por menos que queiramos, mas, enfim, é a única maneira de
tentarmos mudar alguma coisa!
-Gostei da sua resposta, querida ! Coerente, lógica intuitiva !Não
é à toa que combinamos tão bem !
(Por continuar)
Nenhum comentário:
Postar um comentário