sábado, 21 de março de 2015

O Presídio- Episódio 49



Eu já começava a pensar em pedir  minha resignação da DIIS. Mas estava faminto até a alma e resolvi passar antes na cozinha do Presídio, onde solicitei uma refeição avulsa. Como eu era uma alta autoridade, logo me serviram e pude saciar minha fome e sede.
Só então fui ao à minha velha cela, vazia de gente sim, mas lotada de saudades e velhas lembranças.
Saudades não apenas da minha agora falecida esposa, mas da minha velha humildade esquecida em algum canto de minha vida. Lembrei do que o Diretor falara do passarinho, e repentinamente me dei conta do quanto a minha simplicidade e limitações anteriores me faziam falta agora. Eu era acomodado, burocrático, prático e não pensava, apenas vivia um dia após o outro, sem ter de pensar no próximo dia como seria, afinal, o futuro simplesmente não existia para mim, como também o passado. E o passado nunca me fizera falta até então. Eu era um homem para o qual só o presente existia e valia e isto me bastava. Eu me bastava assim mesmo. Mesmo sendo um passarinho de asas amarradas, eu era mais feliz. Ou não?
Resolvi então tirar as dúvidas passando no gabinete do 133144 e convidando-o a um passeio pelo Presídio comigo.
Enquanto caminhávamos, notei que agora  muitos tijolos faltavam nos muros do Presídio, que agora estavam ao menos meio metro mais baixos. E que agora começava a se formar tumulto na porta da Biblioteca, onde a multidão para entrar agora era grande. Tive de chamar alguns guardas comuns para disciplinar a multidão e a organizar em uma fila.
Fui explicando minhas reflexões a 133144 e terminei com a seguinte pergunta:
-O conhecimento nos liberta. Mas nos liberta de quê?
-Você tem uma resposta, 100169, pode falar.
-Da ignorância?
-E o que é ignorância para você, 100169?
-Ausência de conhecimentos?
-Não. Os conhecimentos em si nunca deixam, ou deixaram de existir. É a não-percepção deles, é o desconhecimento de que o conhecimento existe. É também a não- aceitação do conhecimento, e o apego ao que já se sabia, ou se achava que sabia, evitando novos aprendizados. É a falta da Conscientização.
-Mas para conscientizar não é preciso introduzir novos conhecimentos para as pessoas? Conscientização e Conhecimento não seriam então a mesma coisa?
-O ato de conscientizar consiste em abrir os olhos das pessoas para os conhecimentos que elas sabiam há muito tempo que existiam, mas que, como contrastam com seus julgamentos prévios e seus velhos conceitos já há muito formados, elas teimavam até então em não aceitar e deixar de perceber- lhes a existência, enganando a si próprias, ao se convencerem firmemente de que aquele conhecimento não existe, quando na verdade, ele está defronte a seus olhos. Sabe, 100169, depois da minha última entrevista com o Diretor, eu fiquei muito pensativo, refletindo com muito sofrimento sobre tudo o que ele me disse.
-E você chegou a alguma conclusão?
-Cheguei. A Liberdade de fato é um pássaro pequeno, porém lindo, do qual precisamos cuidar muito bem e valorizarmos. Você me disse que sentiu falta de suas limitações e de sua ignorância, e assim, poderia corroborar com a Tese do Diretor de que a ignorância pode ser benéfica e nos fazer felizes, e que o Conhecimento nos faria infelizes. Mas sabe por que nenhum tijolo sumiu depois que passeia ir na biblioteca? Por que não foi conhecimento que adquiri lá e sim, conscientização.
-Então é a conscientização quem liberta e não o conhecimento?
-Aí voltamos à sua pergunta anterior: o conhecimento nos liberta? De quê? Eu poderia até propor novas perguntas, inclusive:- A conscientização nos liberta? De que? Será que realmente queremos ser libertos de alguma coisa?
-Ih, aí encontrei meus limites de novo, 133144, agora sim estou realmente confuso...
-Posso responder, Amor?
Era 500800 que tinha acabado de chegar e ela já tinha ido logo se metendo na conversa.
-Claro, querida, pode falar !
-A conscientização nos liberta sim, dos preconceitos que conscientemente não admitimos ter, mas que em nosso íntimo sabemos que temos. Mas só nos libertamos sob constrangimento e/ou pressão, pois na verdade sempre vamos preferir o comodismo, a segurança e a comodidade de nos iludirmos que não temos o que temos e a de que estamos acostumados e nos é familiares, pois ao pré-concebermos e pré-julgarmos, nossas convicções resultantes são tão antigas e confortáveis que relutamos em nos desfazermos delas e nos apegamos sentimentalmente a elas, então conscientização sempre terá um caráter intervencionista, por menos que queiramos, mas, enfim, é a única maneira de tentarmos mudar alguma coisa!
-Gostei da sua resposta, querida ! Coerente, lógica intuitiva !Não é à toa que combinamos tão bem !

(Por continuar)

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