quarta-feira, 25 de março de 2015

O Presídio- Episódio 53



Contei das manifestações que vinham ocorrendo.
-Eu vou fazer novas regras, simplificando o acesso ao Curatório. E eu tenho, aliás, estudado muito maneiras de diminuir a burocracia daqui.Vou precisar eliminar uma série de cargos burocráticos, mas tenho um pouco de receio de que este pessoal se volte contra mim. Mas fico feliz com suas notícias, mostram que a Revolução já está em curso e está se fazendo por si só.
-O Diretor lhe diria que você está gostando de mandar e governar, e pode brincar com você que se continuar deste jeito, poderás substituí-lo!
-100169, sabe que eu tenho refletido muito sobre esta questão do Poder? Eu vejo hoje que amadureci bastante depois deste cargo, e vejo que só mesmo estando no Poder para poder julgá-lo. Eu já tinha a vivência como preso, e agora tenho a vivência dos que estão do outro lado. Fico achando que mudei muito e fico pensando se foi para melhor ou pior...
Contei a ele das minhas angústias com os novos tempos.
-Isto me faz lembrar um trechinho do livro de Rudyard Kipling, o Livro da Selva, que no seu final dizia: “...-As estrelas desmaiam, concluiu o Lobo Gris, de olhos erguidos para o céu. Onde me aninharei amanhã? Porque doravante os caminhos são novos...”
-Muito bonito !Eu me identifico com esta incerteza !
-Quer saber, 100169? Eu também !Posso até te dizer que eu me senti minha curta vida inteira...acho que ser diferente como sou das outras pessoas é, de certa forma, viver esta incerteza !
-Incerteza de Viver?
-Exato, você pegou o espírito da coisa !
-Mas eu não sei, 133144, afinal, o que é certeza nesta vida? O que é realmente previsível nos nossos viveres?
-Apenas a Morte, meu amigo. Pois as pessoas têm a imprevisibilidade por natureza, e não raro, se surpreendem a si mesmas, a ponto de começarem a duvidar se elas se conhecem mesmo como elas pensavam antes!
-Certezas são tão efêmeras...
-E tem de ser, pois tudo muda, tudo se adapta, tudo vive, nada numa Sociedade, ou mesmo na vida humana pode ser pétreo, nem é eterno, não passamos a vida toda sequer com uma mesma opinião. Eis que pois , movimento é vida, e os ciclos da psique humana tem de mudar, se atualizar, não há como parar o tempo. O tempo urge, o tempo ruge, o tempo é fera,um predador que não espera. Nada é mais impaciente que o tempo, nada é mais veloz, por isto mesmo é tanto assim feroz!
-Mas dizem que o tempo cura as mágoas, as feridas...
-100169, posso te dizer? O tempo não cura nada, mas as pessoas mudam! E já imaginou que chato se as pessoas não mudassem e fossem sempre as mesmas?
-Ah, eu não sei, 133144, tem pessoas que parecem não mudar de jeito nenhum...
-Na verdade, penso que são pessoas que se esforçam para mostrar que não mudaram, e que não admitem para si mesmas que mudaram, por que não aceitam estas mudanças e acham que outras pessoas também não aceitarão. Bom, caímos de novo na velha imprevisibilidade humana...
-Quando somos nós quem mudamos ainda é mais fácil de aceitar, mas quando é a vida, o ambiente, o contexto, as pessoas à nossa volta que mudam, é bem mais difícil de aceitar!
-Claro, somos tão presunçosos e orgulhosos que queremos ter o controle de tudo, nós exigimos de nós mesmos isto, pois a sensação de impotência acerca de mudanças que não são da nossa vontade, ou pior ainda, que não dependam de nós, nos é angustiante, não suportamos a culpa que colocamos em nós mesmos de que não somos nós que estamos no controle. Isto de certa forma , é aterrador, esta constatação de impotência diante da Vida, do Mundo, nos faz sentir inferiorizados, o que é algo de ilógico, sem nexo, pois como nós seres humanos podemos querer ter a pretensão de nos igualar à Vida, ao Mundo, ao Universo? Impossível ! Mas o possível não nos atrai, é pouco para nossa ambição, nossa ganância, queremos ser Deuses; por isto inventamos religiões e Deuses à nossa imagem e semelhança, para que nos sintamos refletidos neles e eles realizem nosso sonho grandioso de onipotência, da certeza absoluta, da extinção da frustração, do horror da insegurança eterna das nossas incertezas, que teimam em brandir um espelho na nossa frente, insistindo em nos mostrar que , afinal, não somos perfeitos e que o absoluto, a certeza, a perfeição não existem! O sonho da conquista do infinito, do eterno, da certeza, da onipotência, nossos grandiosos sonhos vãos e tolos , nossa incomensurável insatisfação e vaidade, devaneios que vivem a nos desiludir, são os que nos levam a viver, alargar limites, quebrar barreiras, superar dificuldades, provar  para nós mesmos e para todos, sobretudo talvez ao Mundo, que vemos com uma onipotência e onisciência que ele na verdade não tem, e por quê? Porque tolamente humanizamos o mundo, humanizamos a vida, os dotamos de sentimentos e inteligência e personalidade que na verdade criamos para eles, mas que eles na verdade não têm. Esta nossa inconformidade com nossa pequenez, com nossa dependência, nos levou onde chegamos e nos levará onde queremos ir, nos fazendo subir por uma montanha que na verdade não tem pico, o fim de nossas vidas é apenas o máximo onde pudemos chegar. Ao fim da vida este máximo nos parece uma imensidão, a ponto de termos a sensação de que somos tão altos quanto a montanha, enquanto que na verdade, nós apenas escalamos alguns centímetros nela.
É como esta formiga que tenta subir pela parede do prédio. Ela simplesmente não viverá o suficiente para conseguir chegar ao telhado. Mas ela ignora isto, não tem como saber, então tenta, e só subirá o quanto ela aguentar. Se soubéssemos que nunca conquistaremos o infinito justamente por ele ser infinito, nossas vidas perderiam o sentido, não teríamos razão para viver e morreríamos ainda mais infelizes do que se tentássemos. Então temos a determinação da formiga de prosseguir e enquanto tentamos e sonhamos com o infinito, o absoluto, somos felizes. A Natureza humana, eis que pois, tem como essência enganar-se a si mesma? Não. Nós temos um motor chamado esperança, que nos impulsa para frente e nosso combustível é a vontade de vencer, superar, de conquistar nossos sonhos, nos quais acreditamos não porque queiramos nos enganar, mas por que precisamos de um sentido, uma missão, algo em que acreditar, e temos vontade de acreditar em algo que seja maior do que nós, pois queremos nos sentir poderosos para sermos felizes, nós precisamos desesperadamente acreditar que existe algo que seja eterno, infinito, absoluto, certo, onipotente e nos identificarmos com isto, afinal, a maior “desobediência” e insulto a nós do Mundo, da Vida, é a Morte. E precisamos nos identificar com o que consideramos maior do que nós para que nos sintamos tão grandes quanto eles ou mesmo maiores, pois queremos que nossa fantasia de majestade vença a Vida, o Mundo, a Realidade. Então nossas felicidades são eternos tentares, e tentares, e mesmo ao morrermos nossos sonhos nunca morrem, pois temos a esperança de que nossos descendentes os alcancem por nós !

(Por continuar)

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