quinta-feira, 19 de março de 2015

O Presídio-Episódio 47



Com ele estavam dois agentes da DIIS, que deram a ela voz de prisão, já que, como 133144 me explicou depois, tinham sido as ordens dele. 
Eles a levaram para a solitária, e ele teve muito trabalho para me acalmar.
-Porque você tinha de revogar justo agora a pena de Morte, 133144?
-Porque uma morte não justifica outras , nem traz os mortos de volta à vida.Olha, meu amigo, eu sei que você agora está transtornado pelo ódio, a tristeza,e talvez até esteja me odiando agora, mas é melhor você tirar uns dias de folga do DIIS, e..
-Eu não quero mais voltar para meus aposentos, é muita dor e eu...eu...eu não sei o que fazer...
-Eu entendo, é bastante compreensível! Eu te aconselho então a ir para a biblioteca e lá se enfurnar por uns dias, pois o conhecimento é o mais reconfortante consolo ,já que nos desperta a compreensão.
-Mas o que há para se compreender na morte, 133144?
-Isto só quem morre pode lhe responder, meu caro !
-Mas isto não tem sentido!
-E a morte precisa ter sentido? Não somos por demais pretenciosos em tentar achar sentido para tudo? Bom, eu ordenarei que uma investigação seja feita dentro da DIIS, para termos certeza de que tenha sido mesmo ela que matou sua esposa, mas eu vou visitar o  Diretor agora, e vou perguntar a ele diretamente se ele não teria nada a ver com este crime, está certo?
133144 nem esperou minha resposta e saiu.
Também eu resolvi sair daquele lugar odiado, mas como eu estava em dúvidas agora se ela teria ou não matado obedecendo ordens diretas do Diretor, antes de ir para a Biblioteca, saí pelos corredores entre os vários prédios do Presídio, e fui assistir à nova audiência de 133144 com o Diretor, que passava em todos telões espalhados pelo presídio.
Assim que me sentei em um dos muitos bancos públicos em um dos corredores para assistir, vi ele entrando no Gabinete do Cidadão Zero.
-Ora, ora, que bons ventos o trazem aqui, Cidadão 1 !Vamos, sente-se, vamos conversar !
Disse o Diretor ,com um sorriso afável no rosto.

-Foi você quem ordenou a morte da esposa do 100169?
-Não, só estou sabendo deste ocorrido agora. Mas você fez bem em abrir um inquérito. Eu teria feito o mesmo.
O olhar de 133144 para o Diretor era desconfiado.
O Diretor, subitamente  se levantou de sua cadeira com olhar colérico, e sua mão foi ao chicote que tinha na cintura e golpeou sua mesa com força: o estalo mais parecia um trovão, o que fez 133144 saltar para trás com cadeira e tudo e a derrubá-la, assustado com a reação inesperada do Cidadão Zero e com o barulho do chicote sobre a mesa.
-Jamais desconfie de mim ! Nunca ! Eu nunca seria desleal a você ! Eu sou seu amigo, pombas! Não admito tal insubordinação ! Você fui eu que fiz, tudo o que você é, o que pensa, seu cargo, tudo graças a mim, só está vivo pela minha vontade, você sem mim não é nada, você sem mim não existe !Você deveria ser mais agradecido a este Diretor aqui , que com tanto esforço fez de você o que você é, seu ingrato, ao menos reconheça !Fui claro?
A voz do cidadão 1 era trovejante e cortante como seu chicote, mas 133144 não se deixou intimidar e respondeu calmamente:
-Não. Você também só existe em minha função. Se existes para mim, é por que sou importante para você e portanto, também não és nada, nem existes sem mim. Sou eu quem dou sentido à sua vida. Então deverias estar grato à minha existência.
O semblante do Diretor mudou radicalmente, e o ríctus de fúria foi trocado, imediata e surpreendentemente por um sorriso amável, e o chicote foi recolhido à cintura novamente.
-Cidadão 1, por favor, venha comigo observar as janelas.
O garoto se levantou e ficou ao lado esquerdo do Diretor, em um dos janelões.
-Este é o prédio mais alto do Presídio, e estamos no topo dele. O que consegues ver daqui, Cidadão 1 ?
-Há uma intensa e espessa neblina fora do Presídio, cercando-o, não dá para ver nada !
-Isto significaria necessariamente que nada há para ser visto?
-Claro que não. Você está subestimando minha inteligência, Diretor?
-Por decerto que não, garoto. Jamais faria isto. Sabe qual é o grande muro que nos limita, contém e nos aprisiona? A ignorância !Ah, sim, a grande e sábia Ignorãncia, motor de todos os acontecimentos da História da Humanidade!
-Eu já deixei de ser ignorante há muito tempo !
Com as mãos no ventre, o Diretor se curvou para trás numa gargalhada que ressoou por toda a sala!
-Divertes-me muito, garoto !Ahahahahahaha !Acaso pensas que o conteúdo na nossa biblioteca é suficiente para tirá-lo da mais profunda ignorância? Então és por demais presunçoso, Cidadão 1? Não me faças achar que eres apenas mais um tolo dentre os tolos !
133144 percebeu sua contradição e ficou em silêncio. O Orgulho e o sentimento de inferioridade o impediam de responder, apenas seus pensamentos deviam estar maquinando.
-Sim, sim, você caiu em contradição, seu teimoso, e nem percebestes a minha própria, então como podes dizer que não és tão ignorante quanto eu?
Disse o Diretor, em tom paterno.
Foi quando ele abriu os vidros da janela e uma brisa gelada invadiu o gabinete, e ele esticou o braço, e colocou a mão esquerda na posição de apontar para alguma coisa e logo um passarinho apareceu e pousou no dedo dele.

(Por continuar)

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