quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O Presídio-Episódio 12




Assim, a Cartilha de Leis e Regras era a única literatura que os prisioneiros liam na vida, e eram a única coisa que lhes eram permitido ler.
A Biblioteca, inclusive, era um tipo de museu fechado, onde só os altos administradores e conselheiros do Presídio podiam frequentar.Como a  Regra tinha sanções muito duras, não haviam guardas na porta e a sala ficava aberta dia e noite, mas ninguém que não fosse da cúpula, ou o 133144 e a 500800 , se atrevia a entrar e ficar.Uma vez lá dentro, porém, era fácil se esconder, pois a sala era enorme, um verdadeiro labirinto.
Foi com muita dor que vi, aliás, 0 133144 e a 500800 apanharem de guardas femininas, ao chorar diante da execução em massa.Tive de me auto reprimir muito para não chorar ou não intervir,pois sabia que poderia ser preso novamente e ter de enfrentar consequencias terríveis.
Meu coração gritava,mas sua voz não saía.E ao voltar para dentro de mim, esta dor, acrescentada da frustração imperiosa da Impotência,retornava com uma dor ainda mais lancinante!
Quando anoiteceu e o pátio ficou vazio, abracei aos dois, e choramos juntos debaixo da Lua cheia, pranteando a morte dos que foram vítimas inocentes do Presídio, sem nada de errado terem feito em vida.O único crime que tinham cometido em vida era chegarem à idade limite de sessenta anos...
Devo dizer que muitos detentos, ao chegarem aos cinquenta e oito, cinquenta e nove anos,tentavam se suicidar, e alguns conseguiam.Quem tentasse, e não conseguisse, era torturado e ficava retido na solitária até o próximo dia da Liquidação Anual.Quem conseguisse, tinha o corpo já morto primeiro torturado e espancado, e depois era congelado até o próximo dia de liquidar.Estivesse vivo ou morto, tinha de ser liquidado e moído de qualquer jeito, dizia a Regra.
Mas o dia seguinte finalmente amanheceu, e pude observar 133144 e 500800 novamente escondidos na Biblioteca.
Coloquei-me a escutar o que conversavam:
-Um dia, 500800, um dia, transformaremos esta sociedade em algo mais humano...
-Sonhar é a única coisa que as regras não podem nos tirar, eu penso...mas este seu  é um sonho impossível....
-Você sabe o que é o Impossível, 500800?
-Diga-me seu conceito, meu querido, estou curiosa para saber...
-Impossível é o estado em que o Possível estava antes de ele ter sido realizado !Por isto, querida,quem faz o impossível existir somos nós , e em mais de um sentido; se não acreditamos em nossos sonhos, nossa essência, nossa razão para viver,o impossível se torna concreto, real, porque colocamos um limite, um bloco de concreto  bloqueando nossos caminhos, nova vida, nossa possíbilidades, criamos nosso próprio Presídio.Mas se acreditamos e lutamos pelos nossos sonhos,é iniciada a gestação do Possível, o nascer do Sol de nossas esperanças, o nascimento do propósito de existirmos,o alvorecer glorioso  das possibilidades , da felicidade, de crescermos, amadurecermos e sermos felizes!
-Ah, 133144, você fala coisas tão belas...então me diga, por favor,qual a sua razão para viver, seus ideais?
O garoto dirigiu para a garota um olhar meigo e doce, acariciou o queixo dela, e disse a ela olhando nos olhos:
-É você, minha doce consorte...
-Que lindo...
Balbuciou por entre lágrimas diante dos olhos marejados da carinhosa sinceridade de 133144, no qual era fácil perceber que as palavras vinham do coração, e o beijo aconteceu.
Alguns minutos depois que suas bocas se separaram, 500800 disse, em tom triste:
-Eu terminei de ler Moliére...agora precisamos ir, antes que os guardas nos peguem aqui!Está quase na hora de servirem o jantar.
-Tudo bem, também terminei por hoje, vamos embora.Melhor você ir primeiro, daqui a pouco eu vou, não é bom que nos vejam saindo juntos daqui.
-Certo, vou indo agora, então.
-Nos vemos às duas da manhã, na Torre de vigília Norte?
-Mas será que não vai ter guardas lá?
-Não, como é suposto pelas regras que todos estejam dormindo,as torres ficam vazias depois das dez da noite.
-Mal posso esperar !
Disse, alegre 500800, dando pulinhos de entusiasmo!
Eles se beijaram rápidamente e  ela foi primeiro, já ele saiu cinco minutos depois.
O que ele dissera para ela era verdade, ninguém ficava nas Torres de noite.As Regras ditavam que, salvo operação especial autorizada, todos os guardas devem ir dormir no máximo duas horas depois dos prisioneiros.
Eu vi então os Servidores passando de cela em cela levando a comida do Jantar,e fui para a minha própria cela, onde fui recebido com carinho por minha esposa.
Mas eu estava preocupado: o que aqueles dois iriam fazer sozinhos na torre de vigília?
Eu tinha muito receio que alguém os descobrisse, e quando me deitei, resolvi segui-los, afinal, era minha função.

(Por continuar)

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