segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Presídio- Episódio 2





-O senhor sabe o que foi feito dos outros novos cidadãos a que dei origem?
Perguntou a senhora 967133.
-Não. Para saber a resposta, a senhora precisa se dirigir ao Setor de Processos, e instaurar um processo de investigação civil , dirigido ao Setor de Reprodução por Inseminação Artificial.E´meu dever lembrar que a reprodução ilegal por meios que não de Inseminação artificial e´expressamente proibido.
Fiz o relatório e sai da cela.Estava muito ocupado com os processos burocráticos, tanto o de 133144, como o de como ele viera a receber um tapa olho defeituoso.
Eu sabia que ambos os processos iriam levar anos, mas como todos ali, estava conformado e satisfeito com isto.
Mas o olhar de 133144 me perturbava. Era a primeira vez que alguém me via de lado,e que me dirigia um olhar de curiosidade, aquilo me intrigava, era ininteligível.Eu já tinha registrado dezenas de ocorrências de novos cidadãos, mas aquele definitivamente era diferente.
Mas eu tinha outros casos a tratar e não podia ficar pensando muito nestas coisas.
O tempo no entanto foi passando,e com o decorrer deste fui notando algo perturbador:
Enquanto para mim e todos os outros cidadãos os dias se passavam iguais uns aos outros,para 133144 o tempo era percebido de maneira diferente: ele parecia viver cada dia de uma maneira particular, que nunca se repetia, e sua rebeldia era férrea e implacável.
Haviam se passado quatro anos e aquele menino insistia em se manter isolado das outras crianças e não se sociabilizar com elas.O olhar dele agora era de uma desafiadora insolência, um que de desprezo. Longe de ser quieto e conformado como as outras crianças, procurava sempre chamar a atenção para si, brincando com qualquer objeto que estivesse por perto.
133144 tinha algo de precoce, pois antes mesmo dos cinco anos já tinha lido todas as inscrições do Presídio e todos os manuais de procedimentos e regulamentos legais ‘a disposição dos cidadãos comuns.As vezes eu passava defronte a cela dele, e para minha surpresa, eu o via discutindo e criticando as leis com os pais, que tinham imensa dificuldade em refuta-lo.
Aos cinco anos conseguiu fugir da cela e desapareceu misteriosamente.
Eu fui então designado a procurar por ele em caráter emergencial, e já estava quase desistindo quando vi a porta de um departamento de acesso restritíssimo entreaberta.
Era a Biblioteca.
Nem mesmo aos guardas era permitido ler qualquer coisa que fosse da Biblioteca,pois havia uma lei que dizia que somente cidadãos autoridades especiais podiam ter acesso a leitura que não fosse de manuais,regulamentos e propagandas, pois quaisquer outras leituras poderiam ser danosas ‘a Instituição e ‘a Sociedade.
Entrei la´e em meio a aquele labirinto de livros misteriosos encontrei 133144, mergulhado em meio ‘a uma montanha de livros.
Como o processo para autorizar minha procura tinha demorado quase um dia inteiro,havia dado tempo para o menino ler muito, e notei que ele tinha uma habilidade impressionante para ler e memorizar em alta velocidade.
-133144?
-Oi,100169!
-Voce deve me chamar de cidadão guarda 100169! E´hora de você voltar para sua cela!
-Vai você. Eu ficarei aqui, tenho muito para ler, seu guarda.
O olhar dele, sempre de lado, era de uma firmeza e uma arrogância admiráveis.Ele estava decidido e exibia uma autoconfiança como eu nunca tinha visto em ninguém.
-E´expressamente proibido ler textos não institucionais, assim como o acesso a Biblioteca, lei de numero...
Fui bruscamente interrompido:
-1248954/65, parágrafo oitavo,inciso221, artigo 962.Estou cansado de saber disto, 100169!

(Por continuar)

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