quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O Presídio-Episódio 4



Eu me lembrava que tinha visto uma figura de um pássaro numa revista na biblioteca, e fiquei imaginando a cena.Mas 133144 continuou:
-O  que acontece na Natureza também acontece entre os Homens. Ninguém aceita o Ser diferente.Todos querem que todos sejam iguais.Normais. O Diferente e´desconhecido, incomoda, amedronta,e o medo se transforma em agressividade e violência.E´preciso extirpar o diferente da sociedade, pois eles sentem que o diferente ameaça a integridade da sociedade.Isto acontece comigo. Aconteceu agora. Acontecera´sempre.Mas eu fico me perguntando, e pergunto agora a você,o que e´Ser Normal? E´tao bom assim ser normal?
-Eu sou normal como todos os outros, sou limitado, não tenho a sua inteligência, li muito pouco e o pouco que li não consegui entender...acho que ser normal e´ser igual.
-Igual a quem?
-Igual a todos, ‘a maioria.
-Entao todos estão certos e eu estou errado.
-Antigamente eu pensaria exatamente assim, mas eu vi nos últimos anos que você foi muito além  de mim, e vi quanta coisa você já me ensinou.Se ser normal e´ bom, não sei dizer, porque sempre fui assim, e seu jeito de ser e´algo totalmente novo para mim, simplesmente me acostumei. Mas antigamente eu era mais, e gostava de ser como era.Mas agora sei que existe alguma coisa além desta normalidade,e ser normal já não e´mais tão bom quanto era.Algo em mim mudou.
-Fico feliz em saber disto, 100169.
-Mas acho que o importante mesmo e´você se sentir feliz sendo diferente. A questão agora e´: você  gosta de ser diferente? E´bom ser diferente?
-Sim, meu caro guarda. E´, apesar de tudo, e´muito bom!
-Então eu o invejo. Gostaria de poder ser diferente também...
A expressão de felicidade no rosto do menino era evidente.
Ele já estava mudando , sem perceber, muitas coisas no Presídio.A começar pelas próprias crianças: antigamente elas eram todas quietas e obedientes, e não expressavam emoções,não brincavam, mas a convivência delas com 133144 fez com que elas começassem a mudar seu comportamento, e estas agressões eram um sinal claro de que o garoto tinha realmente as influenciado.
Muitas vezes fui chamado pelos pais, que se queixavam de que as crianças estavam muito agitadas e não conseguiam mais seguir as velhas rotinas e comportamentos previsíveis e submissos de sempre.
E não havia simplesmente o que eu pudesse fazer, porque tal comportamento simplesmente não estava previsto nos Regulamentos.
E os Regulamentos eram a vida daquela gente...acostumados eles estavam a ocupar celas para famílias, para duplas ou para pessoas solitárias.Quando alguém  deixava de ser criança para ser um adolescente, os Regulamentos exigiam que este fosse retirado da cela dos pais e levado para uma cela individual.Caso este cidadão quisesse uma companheira, ele me chamava, ou a outro guarda,e requeria formalmente um processo de formação de casal. Eu dava entrada no processo, e depois de certo tempo, no Escritório de Processamento de Processos, era apurado se havia outro processo de alguma cidadã que quisesse formar um casal.Caso houvesse mais de uma, as candidatas eram selecionadas e escolhidas por um Comitê de Seleção,e a candidata escolhida era trazida a cela do cidadão requerente.
Caso o novo casal decidisse ter filhos, eles chamavam a um guarda, e este abria um processo de Reprodução Artificial.Uma vez o processo terminado e aprovado, ambos eram chamados ao Setor de Reprodução Artificial do Hospital do Presidio,onde, em salas separadas, cada um doava suas células reprodutoras, e depois eram levados a sua cela novamente. 

(Por continuar)

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