sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O Presídio-Episódio 26




-Eu não o quero como meu sucessor. Não quero ser seu modelo, nem que se inspire em mim, como sei bem que não se inspira. Também não tenciono oprimi-lo ou rejeitá-lo, a não ser que me traias. Qual a minha real intenção? Eu a direi para você, rapazinho: Eu o fiz para que sejas meu contraponto. Quero que me superes, que vença, que conclua seus planos. Quero que me enfrentes, me desafies, quebre todas as regras, que faças um levante com os demais prisioneiros, se revolte, tentes me matar, me prender. Quero que faça qualquer coisa que não seja levar uma vidinha conformada, limitada, submissa, obedecendo ordens e regras. Eu o fiz para seres especial, não qualquer um. Eu não sou seu pai, apenas seu genitor, seu pai é quem te criou e educou. Sou apenas um genitor biológico que lhe deu origem, mas deixou que outro homem o assumisse sem saber.Ah, sim, claro que ao subir até aqui, você se questionou por que eu quebrei as regras. Preste atenção a mim, moleque, quando falo com você, olhe nos meus olhos, veja se os sustenta! Eu sou as regras! Eu faço e desfaço as regras, crio, revogo e as interpreto e manipulo, como a todos aqui. Sabe por que todos aqui tem números como nomes e sou conhecido como Cidadão Zero? Muito bem, lembra-se do plano cartesiano na matemática? O Zero é o centro de tudo, a intersecção entre os dois eixo, não é um nada, nem ausência, é por onde toda a existência passa, a origem de tudo e de todos. Todo tem de passar pelo zero para existir, e sem o zero, o que seria da Matemática? Então o Zero é Poder, e sim, eu sou o poder, sou um Deus, sou eterno, por isto nunca me sucedirias! Eu sou o Presídio e o Presídio sou eu! Enquanto existir o Presídio eu existirei, e enquanto eu existir, todos os prisioneiros e guardas existirão, assim como as regras. Pensaste que sou prisioneiro de meu próprio presídio, e que o poder me aprisiona, que eu seja um mero prisioneiro do meu poder? Estás tão enganado...mas eu entendo, ainda és jovem, inexperiente, uma criança que está entrando na adolescência. Eu sei porque acompanhei toda a sua vida. Tenho contradições e ambiguidades? Lógico, eu sou um lado seu, como você é um meu! Minha perfeição de Deus está justamente em não ser perfeito, pois você é o que fui e eu sou o que você gostaria de ser mas não admite para si mesmo. Sei que queres comandar uma revolução aqui, e que já descobristes que existem outros lugares além daqui, heresia das heresias. Sei que queres usurpar e deturpar a ordem, causar baderna e conscientizar o povo contra mim, e, creio eu, ficarás talvez surpreso em saber que é exatamente isto que quero que faças, chegue ao poder, volte ao Zero, seja corrompido como fui por esta sede homérica de poder, qual vício que nos atrai !Ah, mas você me disse que não queria que eu o sucedesse ! Sim, sim, eu disse, eu disse! Haha, eu bem o disse e é verdade ! Tudo isto lhe será um grande aprendizado e quero ver as conclusões que tirarás ! Fico ansioso para ver o que irás aprender e como reagirás, ao empreender sua árdua jornada, árdua sim, por que não é por faz parte de meus planos que facilitarei nada para você, e não te protegerei de tudo, você correrá sérios riscos sim, até de vir a falecer!
O Cidadão Zero parecia agora dominado por uma estranha euforia neurótica e descontrolada, e seu sorriso era malévolo e sinistro como o de uma caveira!
-Vamos, garoto, vamos, eu te entendo, eu sei como você é, acompanhei tua vida toda, sei como pensas! Vamos lá, agora quero tua resposta !
133144, com semblante sério, e segurando com esforço suas lágrimas, disse com olhar colérico para o Diretor.
-Definitivamente não me conheces, Vossa Senhoria, e não tens a mínima idéia do que pretendo fazer! Pode me matar agora mesmo, mas não os direi!
-Oras, nem precisa! Está vendo, guarda 100169, és testemunha, você também sabia que eu sabia de tudo !
O olhar de 133144 para mim foi intensamente reprovador, embora tivesse muito de surpresa no olhar dele também. Sem saída, confessei:
-Sim, senhor, Vossa Senhoria!
Mas agora o olhar de 133144 para o Diretor era desconfiado. Estava claro que ele percebera que o Cidadão Zero estava me usando para colocar 133144 contra mim, pura manipulação!
-Ora, ora ,ora!
Disse o Diretor, depois de mais uma baforada em seu cachimbo estilo Sherlock Holmes, como eu lera no livro homônimo, e continuou a falar.

(Por continuar)

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