sábado, 14 de fevereiro de 2015

O Presídio- Episódio 27



-Por um momento caístes em minha armadilha, não, 133144? Mas és esperto e percebestes minha manobra maquiavélica, muito bom, muito bom, parabéns, vejo que não posso de maneira alguma subestimar tua inteligência!
O cinismo estava elegantemente embutido na fina ironia do Cidadão Zero, de quem eu notara já muito cedo, o quão inteligente ele o era.
-Estás autorizado por mim a falar, 133144!
- Não quero, obrigado. Prefiro ir embora para a minha cela.
-Já falou, mesmo que não queiras! E se eu te disser que você não terá mais sua cela? E se eu quiser matar a 500800 ,consequentemente seu segundo filho? Sim, por que o primeiro, fui eu quem o matou! O rio subterrâneo estava contaminado por drogas abortivas, sabia? Ah, é raiva que vejo em seus olhos? Revolta? Ahahahahahahah !
A gargalhada do Diretor era trovejante e aterrorizante, podia-se dizer mesmo tétrica!
133144 não conseguia se conter e bateu seus punhos na mesa, esquecendo-se totalmente da temeridade de seus atos.
Mas surpreendentemente, o Cidadão Zero continuava a rir, e pior, apontava o dedo para a cara, de 133144, humilhando-o terrivelmente. O pior mesmo era saber que era justamente uma reação de fúria que as provocações do Diretor tinham intenção de despertar!
Ao notar o silêncio raivoso de seu “pupilo”, o Cidadão Zero continuou:
-Aaaah, mas vejam só, ele resiste ! Imagino agora o que estás pensando neste patético momento: meu abuso de poder, meu cinismo, minha hipocrisia, como sou manipulador, como sou maniqueísta, como sou cruel, e que eu não passo de um ditador, e que todos aqui vivem numa ditadura. Ah, é mesmo? Não diga ! Ahahahahahahahahah !
O escárnio tomava conta de seu rosto num rictus de desprezo e arrogância, que pareciam não ter limites !
133144 permaneceu calado, braços esticados e punhos fechados, quase irando sangue das palmas das mãos. Até que sua voz saiu, em um grito descontrolado, com o rosto voltado para mim.
-100169, vamos embora !
Diante do meu olhar estupefato, e da indecisão e mêdo em meu olhar, ele berrou novamente:
-Vamos embora !Agora ! Este homem é um louco !
Dava para ver em seus olhos o sentimento de impotência, e consequente frustração, auto cobrança e a angústia de se culpar a si mesmo, de não conseguir expressar os sentimentos, de não saber nem por onde começar, de não ser capaz de enfrentar, de ter de improvisar argumentos e de nenhum servir, e não ter tempo para pensar em uma estratégia de raciocínio que o pudesse vencer!
Dias depois ele me contaria que tinha sido assim que se sentira, e que ele não se perdoava. Ele achava que tinha fracassado fragorosamente e não conseguia se conformar em ter sido incapaz e incompetente para improvisar rebatendo os argumentos do Diretor ali, na hora, e se sentia humilhado, e muito.
Mas voltando aos momentos finais da audiência,133144  se levantou de sua cadeira, e, fora de si, me derrubou da minha, além de derrubar a dele. Furioso, me chutou nas costas me mandando levantar e seguir com ele.
Com as mãos segurando o imenso queixo, o Diretor ficava só olhando, com um sorriso no rosto e um olhar divertido. Estava claro que ele se sentia vencedor, superior, e muito satisfeito com os resultados da audiência.
Com extrema insolência, insubordinação e má educação, 133144 , acompanhado por mim, deu as costas ao Cidadão Zero, que se virou de costas para ele também, agora em silêncio meditativo. Quando, porém, as portas do elevador se fecharam, e embora meu amigo não tenha percebido, eu tive a nítida impressão de que o Diretor chorava...
Ao chegarmos na cela de 133144, ele foi recebido pela nervosa e ansiosa 500800, e contou tudo o que ocorreu na audiência para ela, e chorou colocando sua cabeça entre os pequenos seios dela, que chorava também e lhe fazia carinhos na cabeça.
Saí dali bem abalado, ainda muito confuso, sem saber direito o que se pensar e sem saber direito o que realmente ocorrera naquela malfadada audiência que fora tudo, menos o que 133144 esperava, mostrando a ele e a todos o quanto ele ainda era inexperiente no lidar com as pessoas...

(Por continuar)

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