O
vento agora flutuava no vazio, pois as velhas planícies estavam cobertas de
neve , num inverno rigoroso.O que antes parecia um mar de relva exuberante em
todo o esplendor de seu verde, agora era um deserto branco e árido. Os rios e
lagos jaziam congelados.As poucas arvores estavam também brancas e ressecadas,
murchas, e manadas de herbívoros migravam para o Sul, cobrindo com manchas
marrons parte da imensidão branca.Eram répteis que em muito lembravam
dinossauros, de porte semelhante aos velhos dinossauros de pescoço comprido, os
sauropodes. Mas , ao contrario destes, o pescoço era curto, a cabeça bem maior,
com músculos fortes para a mastigação, e os lábios tinham se transformado em
pequenas trombas, que no entanto não serviam para a respiração, pois as narinas
ficavam no alto da cabeça, mas para arrancar folhas e cascas e coloca - las na boca.Eram conhecidos
como Probossauros. Dispunham também de
uma armadura formidável de osso maciço nas costas, coroada de grandes espinhos por toda a volta, espinhos
com um veneno terrível, capaz de paralisar um animal grande e leva-lo a asfixia
em poucos minutos.Em media eles tinham o tamanho de uma pequena casa, mas
alguns podiam ser maiores que grandes mansões de dois andares.De longe, como
estavam sendo vistos agora, pareciam marrons, mas so´quando se chega mais perto
e´que se percebe a tonalidade tão particular de azul deles.
Do
alto de uma colina, Voihuu observava as manadas a passar. Ela era uma caçadora
inteligente, e sabia que não seria páreo para as bestas que migravam.
Mas
os filhotes eram seu alvo, pois eles ainda não tinham a dura carapaça nem os
espinhos dos adultos, já que o processo de formação da armadura era lento, e
ele so´ se completava totalmente no inicio da adolescência.
Mas
ela sabia que não seria fácil pegar um filhote, pois eles viajavam no centro da
manada, muito protegidos.
Foi
Então que ela viu uma mancha azul do outro lado da campina.E ficou surpresa!
Era
outro predador da mesma espécie que ela, porem, macho.Era ainda maior do que
ela própria,e muito forte.Ela ficou feliz pois achava que era a ultima de sua
espécie, e começou a se dirigir na direção dele, que estava a tocaiar as
manadas na entrada de um desfiladeiro próximo.
Ela,
apesar da fome de dias sem comer,sentiu o instinto sexual correndo em suas
veias, sim, ela agora sabia, estava no cio, e o seu cheiro agora era forte.
Ela se sentia como que despertada, não so´ a
esperança que vibrava em seus olhos fundos,mas como se se livrasse de um longo
torpor, velhas sensações que ela já achava que nem se lembrasse mais,
reacenderam-se, ela podia sentir um calor percorrendo seu corpo, sangue
fervendo.Ela não conseguia mais pensar, não conseguia se conter, era algo tão
imperativo que sua consciência ficara em
segundo plano.Corria pela neve funda com tremenda energia.
Quando
já estava algo próxima, viu o olhar dele, que a percebeu e notou.Ela estremeceu
como se estivesse com febre.
Repentinamente
um estrondo ecoou pelo desfiladeiro.
O
que ela viu a chocou:
Uma
luz iluminou todo o ventre da fera com quem ela queria ter filhotes, e este
mesmo ventre se abriu, rompido de fora a fora, a caixa toraxica explodiu,
pedaços de pulmões, costelas, músculos, fígado, estomago, intestinos,e demais
órgãos foram expelidos para fora com
violência.Nao houve tempo sequer para ele gritar. Ele caiu morto no chão, em
meio a um lago de sangue fervente.Quando
ele caiu, a figura de um homem armado de uma bazuca fotonica emergiu como que
do nada.
Voihuu
subitamente enlouqueceu, perdeu a consciência, via tudo vermelho agora,
lagrimas caiam de seus olhos, e uma ferocidade estupenda emergiu dela mesma de
um modo tão explosivo e assustador, que o homem se assustou.
Bazucas
fotonicas precisam recarregar entre um tiro e outro, cerca de dois
minutos,ate´que se possa atirar com elas novamente, e a fera não lhe deu este
tempo.Saltou e arrancou a arma dele , e a mão que a segurava junto também,e
soltou toda a sua fúria de uma so´vez.
Segundos
depois o homem estava estraçalhado,
reduzido a farrapos, e ela o devorou afoitamente, quase sem mastigar.
Então
sentou-se nas patas trazeiras, e começou a chorar. Nada parecia conter seu
pranto.Nem mesmo a consciência de que aquele homem era um soldado imperial e de
que onde existe um homem podem existir muitos outros,e que os companheiros logo
viriam ate´ ela a faziam parar seu pranto.
O
ódio dela aos homens e especialmente ao Exercito Imperial recrudescia em sua
mente, e ela queria vingança.Um so´ homem não era o bastante.
Ela
sentia então na pele, a sensação de vazio mais profundo, a solidão mais
angustiante que existe, pior, muito pior do que a da consciência da morte, a
dor maior da consciência da Extinção.
Corria
em suas veias a frustração da impossibilidade de esvair de si todo aquele
instinto imperativo que se acumulara por tantos anos,a vontade gigantesca , a
necessidade profunda de se acasalar, gerar filhotes, ser mãe.
Sentia-se
como se tivesse perdido seu filhote antes mesmo de ele nascer.
Ela
olhava para o desfiladeiro, que agora lhe exercia um magnetismo
impressionante.Ela parecia querer mesmo morrer, extinguir-se de vez.
Então
ouviu o barulho de vozes humanas. Toda uma tropa armada ate´os dentes estava
chegando.Ouviu o zumbido irritante de uma nave de assalto chegando. O desejo de
vingança dela se exacerbou. Mas ela sabia bem que não havia a menor chance.Viu
uma caverna a seu alcance, e la se escondeu.
Foi
então que ela se comoveu: ali estava o cheiro da fera macho, era o seu
covil.Entao , ao entrar mais fundo viu ossos. Muitos ossos. Os primeiros, na
porção mais rasa da caverna eram de presas há muito mortas. Mas no final
estavam ossos de outras feras de sua espécie, ossos de dezenas de indivíduos.
Ela
sentiu então o quão ela era mortal e agora já não se sentia mais tão confiante
e invencível como sempre se sentira.As marcas de queimaduras nos ossos não
deixavam duvidas a respeito das velhas e tristes historias que aqueles ossos
contavam:Homens, haviam sido vitimas de homens.Tantos restos mortais, tamanho
massacre a deixou ainda mais consciente da dor da Extinção, e o verdadeiro e
mais profundo significado de se estar extinto.Repentinamente ela se via como algo
muito velho, arcaico, algo do passado, há muito esquecido.Algo que já não
deveria mais estar vivendo, respirando.
Sentia-se
velha, gasta,não lhe parecia mais ter sentido viver.
Então
sentiu um cheiro. Ou melhor, dois.Ela se dirigiu ao fundo da caverna, nos
meandros mais profundos. O que ela viu fez encher seus olhos de lagrimas
novamente:
Uma
outra fera fêmea, caída no chão, ensangüentada,a beira da inconsciência,
segurando com suas ultimas forças um pequeno filhote, recém desmamado.
O
rosto dela se iluminou quando ela sentiu o cheiro e viu Voihuu.
-Por
favor...cuide de meu filhote...eu...eu já não posso mais cuidar...
-Eu
o acolho por ti, e o cuidarei como se fosse meu.
Ambas
estavam de olhos rasos.
-Obrigada,
muito...muito obrigada...agora tenho paz para ir embora...
Voihuu
pegou o filhote em seus braços e o
lambeu, para limpa-lo, com todo o carinho e cuidado.
O
olhar de agradecimento, de alegria e alivio da mãe mais uma vez comoveu a
Voihuu.
Então
os olhos da mãe do filhote se fecharam para todo o sempre, junto a um suspiro,
enquanto as lagrimas escorriam de seu rosto e o sangue escorria de sua boca.
Então
Voihuu uivou seu uivo mais profundo, uivo seguido em coro pelo filhote, que
ecoou pela caverna.Ela então resolveu tirar o filhote daquele antro de morte.
Os
homens já tinham ido embora e a região estava em paz e silenciosa agora.
E
silenciosa estava o que ficou sendo conhecida como A Caverna da Morte,e esta
foi a lenda que originou este nome.
Silenciosa
também estava Voihuu, apesar de seu jubilo. Silenciosos estavam os montes e as
planícies e o desfiladeiro também, pois sem a presença humana, podiam
agora exercer novamente toda a sua
majestade...
FIM
Cristiano Camargo
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