terça-feira, 19 de agosto de 2014

Conto: Despertar



O vento agora flutuava no vazio, pois as velhas planícies estavam cobertas de neve , num inverno rigoroso.O que antes parecia um mar de relva exuberante em todo o esplendor de seu verde, agora era um deserto branco e árido. Os rios e lagos jaziam congelados.As poucas arvores estavam também brancas e ressecadas, murchas, e manadas de herbívoros migravam para o Sul, cobrindo com manchas marrons parte da imensidão branca.Eram répteis que em muito lembravam dinossauros, de porte semelhante aos velhos dinossauros de pescoço comprido, os sauropodes. Mas , ao contrario destes, o pescoço era curto, a cabeça bem maior, com músculos fortes para a mastigação, e os lábios tinham se transformado em pequenas trombas, que no entanto não serviam para a respiração, pois as narinas ficavam no alto da cabeça, mas para arrancar folhas e  cascas e coloca - las na boca.Eram conhecidos como  Probossauros. Dispunham também de uma armadura formidável de osso maciço nas costas, coroada de  grandes espinhos por toda a volta, espinhos com um veneno terrível, capaz de paralisar um animal grande e leva-lo a asfixia em poucos minutos.Em media eles tinham o tamanho de uma pequena casa, mas alguns podiam ser maiores que grandes mansões de dois andares.De longe, como estavam sendo vistos agora, pareciam marrons, mas so´quando se chega mais perto e´que se percebe a tonalidade tão particular de azul deles.
Do alto de uma colina, Voihuu observava as manadas a passar. Ela era uma caçadora inteligente, e sabia que não seria páreo para as bestas que migravam.
Mas os filhotes eram seu alvo, pois eles ainda não tinham a dura carapaça nem os espinhos dos adultos, já que o processo de formação da armadura era lento, e ele so´ se completava totalmente no inicio da adolescência.
Mas ela sabia que não seria fácil pegar um filhote, pois eles viajavam no centro da manada, muito protegidos.
Foi Então que ela viu uma mancha azul do outro lado da campina.E ficou surpresa!
Era outro predador da mesma espécie que ela, porem, macho.Era ainda maior do que ela própria,e muito forte.Ela ficou feliz pois achava que era a ultima de sua espécie, e começou a se dirigir na direção dele, que estava a tocaiar as manadas na entrada de um desfiladeiro próximo.
Ela, apesar da fome de dias sem comer,sentiu o instinto sexual correndo em suas veias, sim, ela agora sabia, estava no cio, e o seu cheiro agora era forte.
Ela  se sentia como que despertada, não so´ a esperança que vibrava em seus olhos fundos,mas como se se livrasse de um longo torpor, velhas sensações que ela já achava que nem se lembrasse mais, reacenderam-se, ela podia sentir um calor percorrendo seu corpo, sangue fervendo.Ela não conseguia mais pensar, não conseguia se conter, era algo tão imperativo que  sua consciência ficara em segundo plano.Corria pela neve funda com tremenda energia.
Quando já estava algo próxima, viu o olhar dele, que a percebeu e notou.Ela estremeceu como se estivesse com febre.
Repentinamente um  estrondo ecoou pelo desfiladeiro.
O que ela viu a chocou:
Uma luz iluminou todo o ventre da fera com quem ela queria ter filhotes, e este mesmo ventre se abriu, rompido de fora a fora, a caixa toraxica explodiu, pedaços de pulmões, costelas, músculos, fígado, estomago, intestinos,e demais órgãos  foram expelidos para fora com violência.Nao houve tempo sequer para ele gritar. Ele caiu morto no chão, em meio a um  lago de sangue fervente.Quando ele caiu, a figura de um homem armado de uma bazuca fotonica emergiu como que do nada.
Voihuu subitamente enlouqueceu, perdeu a consciência, via tudo vermelho agora, lagrimas caiam de seus olhos, e uma ferocidade estupenda emergiu dela mesma de um modo tão explosivo e assustador, que o homem se assustou.
Bazucas fotonicas precisam recarregar entre um tiro e outro, cerca de dois minutos,ate´que se possa atirar com elas novamente, e a fera não lhe deu este tempo.Saltou e arrancou a arma dele , e a mão que a segurava junto também,e soltou toda a sua fúria de uma so´vez.
Segundos depois  o homem estava estraçalhado, reduzido a farrapos, e ela o devorou afoitamente, quase sem mastigar.
Então sentou-se nas patas trazeiras, e começou a chorar. Nada parecia conter seu pranto.Nem mesmo a consciência de que aquele homem era um soldado imperial e de que onde existe um homem podem existir muitos outros,e que os companheiros logo viriam ate´ ela a faziam parar seu pranto.
O ódio dela aos homens e especialmente ao Exercito Imperial recrudescia em sua mente, e ela queria vingança.Um so´ homem não era o bastante.
Ela sentia então na pele, a sensação de vazio mais profundo, a solidão mais angustiante que existe, pior, muito pior do que a da consciência da morte, a dor maior da consciência da Extinção.
Corria em suas veias a frustração da impossibilidade de esvair de si todo aquele instinto imperativo que se acumulara por tantos anos,a vontade gigantesca , a necessidade profunda de se acasalar, gerar filhotes, ser mãe.
Sentia-se como se tivesse perdido seu filhote antes mesmo de ele nascer.
Ela olhava para o desfiladeiro, que agora lhe exercia um magnetismo impressionante.Ela parecia querer mesmo morrer, extinguir-se de vez.
Então ouviu o barulho de vozes humanas. Toda uma tropa armada ate´os dentes estava chegando.Ouviu o zumbido irritante de uma nave de assalto chegando. O desejo de vingança dela se exacerbou. Mas ela sabia bem que não havia a menor chance.Viu uma caverna a seu alcance, e la se escondeu.
Foi então que ela se comoveu: ali estava o cheiro da fera macho, era o seu covil.Entao , ao entrar mais fundo viu ossos. Muitos ossos. Os primeiros, na porção mais rasa da caverna eram de presas há muito mortas. Mas no final estavam ossos de outras feras de sua espécie, ossos de dezenas de indivíduos.
Ela sentiu então o quão ela era mortal e agora já não se sentia mais tão confiante e invencível como sempre se sentira.As marcas de queimaduras nos ossos não deixavam duvidas a respeito das velhas e tristes historias que aqueles ossos contavam:Homens, haviam sido vitimas de homens.Tantos restos mortais, tamanho massacre a deixou ainda mais consciente da dor da Extinção, e o verdadeiro e mais profundo significado de se estar extinto.Repentinamente ela se via como algo muito velho, arcaico, algo do passado, há muito esquecido.Algo que já não deveria mais estar vivendo, respirando.
Sentia-se velha, gasta,não lhe parecia mais ter sentido viver.
Então sentiu um cheiro. Ou melhor, dois.Ela se dirigiu ao fundo da caverna, nos meandros mais profundos. O que ela viu fez encher seus olhos de lagrimas novamente:
Uma outra fera fêmea, caída no chão, ensangüentada,a beira da inconsciência, segurando com suas ultimas forças um pequeno filhote, recém desmamado.
O rosto dela se iluminou quando ela sentiu o cheiro e viu Voihuu.
-Por favor...cuide de meu filhote...eu...eu já não posso mais cuidar...
-Eu o acolho por ti, e o cuidarei como se fosse meu.
Ambas estavam de olhos rasos.
-Obrigada, muito...muito obrigada...agora tenho paz para  ir embora...
Voihuu pegou o filhote em seus braços  e o lambeu, para limpa-lo, com todo o carinho e cuidado.
O olhar de agradecimento, de alegria e alivio da mãe mais uma vez comoveu a Voihuu. 
Então os olhos da mãe do filhote se fecharam para todo o sempre, junto a um suspiro, enquanto as lagrimas escorriam de seu rosto e o sangue escorria de sua boca.
Então Voihuu uivou seu uivo mais profundo, uivo seguido em coro pelo filhote, que ecoou pela caverna.Ela então resolveu tirar o filhote daquele antro de morte.
Os homens já tinham ido embora e a região estava em paz e silenciosa agora.
E silenciosa estava o que ficou sendo conhecida como A Caverna da Morte,e esta foi a lenda que originou  este nome.
Silenciosa também estava Voihuu, apesar de seu jubilo. Silenciosos estavam os montes e as planícies e o desfiladeiro também, pois sem a presença humana, podiam agora  exercer novamente toda a sua majestade...


FIM


Cristiano Camargo

Nenhum comentário:

Postar um comentário