quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Conto: Subúrbia



Subúrbia
  
Caos.Total desorganização , ordenação desvairada, fractal,confusão.
Pessoas, multidões, rostos sem rosto, faces sem expressão, expressando suas angústias,borboleteando em meio à vidas sem sentido.
O vento frio irrompe pelas largas avenidas, frio que reflete a desumanidade espelhada na impessoalidade profissional das ruas e avenidas iluminada por gases luminosos frios como a própria subúrbia.
Veículos circulam em alta velocidade, pressa de se chegar a nenhum lugar, não há um objetivo,nem sentido.Placas, números,textos,pessoas estampadas,consumo.Todos estão ocupados com suas próprias vidas, seus pequenos problemas.
Mas esta é apenas a superfície.Como as galerias fluviais da cidade, nela há um fluxo subterrâneo e subconsciente de sentimentos e emoções aprisionados, que se escondem em meio à desolação da frustração.
Por trás dos edifícios o Sol se põe e nasce,o arco íris brilha, mas ninguém os vê.Por trás dos rostos, decepção continua, angústia de se ter sonhos tão carinhosamente acalentados que ficam a cada novo dia mais distantes.
Por dentro dos veículos e de sua pressa,uma fome de viver,uma noção barata de amor,solidão.
Por trás da Subúrbia ,grande e poderosa, por trás do brilho néon cegante, mas gelado, a esperança conduz todos a lugar nenhum, e nega sua própria impossibilidade de existir.
Por trás da Subúrbia, grande e poderosa, ou melhor, por baixo dela, se esconde a pequenez humana e suas limitações, estampadas a cada novo dia em cada rosto aparentemente conformado.
Por trás da Subúrbia,grande e poderosa,se esconde o Poder corrupto, a riqueza da Elite como contraponto da massa uniforme e indistinta e sua falta de identidade.
Por trás da Subúrbia, grande e poderosa,enfim,esta a grandiosidade da miséria humana, em todo seu drama e pungência, para a qual a multidão sem rosto e sem dignidade sucumbe qual gado, e qual gado é tangida pelas regras ditatoriais da Sociedade de Consumo,a própria Subúrbia, que faz de sua miséria sua grandeza e opulência.
Quem esta a margem dela, como Uthuu, a pedinte,sabe bem os segredos da Subúrbia,pois sofre em sua pele arrepiada de frio e o vento gelado que corre com os veículos pelas avenidas espelhando a frieza da indiferença humana, impiedosa e cruel.
Uthuu já perdeu a esperança.Não espera mais da vida nada além do que morrer.Ainda jovem, sua pele feminina tão maltratada e rija,ressente-se da falta de calor humano, e clama por carinho, cuidado e proteção, sonhos outrora tão acalentados, mas agora perdidos, jogados fora em meio ao labirinto infinito de ruas da cidade.Os olhos verdes estão sem brilho, e os cabelos loiros estão duros e ressecados.As roupas estão rotas e os pés endurecidos de frio não tem nada para vesti-los e aquecê-los.
As mãos trêmulas tem unhas quebradas e enegrecidas por maus tratos.
Uma sensação de imensa fome devora seu abdômen.Fome não apenas de alimento, mas de falta, saudades, solidão,e a mente sabe, não adianta refugiar-se no passado, ele é medonho, e mais assustador do que a própria madrugada congelante que ela tem de enfrentar todos os dias.
O nada que possui é constantemente usurpado, e ela sabe, que mais uma vez, quando a noite chegar, como ocorre todo santo dia, ela será mais uma vez estuprada.
O respeito, o amor, a dignidade, o carinho , o conforto, são sonhos distantes.
Então um dia, Uthuu olha para o céu,pela primeira vez em sua vida.
Mesmo ali, entre os prédios,em meio a todo o frenesi louco e vazio da Subúrbia,em meio a tamanha multidão sem rosto, um pedacinho de Arco Íris aparece depois de um pouco de chuva.
O rosto dela se ilumina.O que ela vê lhe parece um sorriso, franco, iluminado, carinhoso, colorido, como seu sorriso estampado com dificuldade em sua face tão sofrida.Lágrimas brotam de seus olhos de brilho estrelado, e ela salta no ar,levanta as mãos e grita:
-Que lindo !


FIM

Cristiano Camargo




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