-Eu entendo sua necessidade de observar e ficar fora e acima da sociedade
e também o valor que você dá a sua identidade. Isto é intrinsecamente humano,
Lune-san, sinto em dizer que isto não a faz diferente das pessoas em geral, mas
você tem sim um diferencial !
-Qual é este diferencial, Takeo-san?
-Se você observar atentamente a si mesma, Lune-san, verá que você observa
tudo racionalmente, friamente, sem emoções, objetivamente. Não “sente” o que
observa. Às vezes precisamos sentir o que observamos, não apenas
racionaliza-los. É uma nova maneira de observar o mundo, as pessoas, a vida.”
-Entendo. Mas se eu “sentisse”, meu diferencial estaria arruinado, e eu
seria apenas mais uma pessoa, como as outras, perderia minha identidade, minha
essência!
-Será mesmo, Lune-san? Eu não diria isto, pois este não é seu único
diferencial. Além disto, não se trata de ser absorvida pela massa, mas trocar
gestos, emoções, enriquecer-se. Você é o que você é, com suas características
próprias, um ser humano lindo, especial, nunca deixará de ser.
-Interessante. Exponha para mim então o seu conceito de “Diferencial”.
-Muito bem, Lune-san, como sabe tudo o que pensamos existir, e que, como
você mesma diz, nem por isto realmente existem, tem várias interpretações,
posso dizer mesmo infinitas, cada uma carregando seu próprio significado
Diferencial é essencialmente um elemento separador. Um intruso, podemos dizer,
que cria no objeto algo que faz este objeto ter algo a mais, ou a menos, ou
algo que faça com que o observador atento não confunda este objeto com “n”
outros semelhantes.
Lune contou então a ele a confusão mental que povoou a mente a tarde toda.
Claro que Takeo abriu um largo sorriso ao ouvir que era desejado sexualmente
por ela, ele mesmo se excitou e sua imaginação voou longe, e ele teve muito
trabalho para se conter, pois sabia que tinha de esperar a hora e o clima
certos, e não queria colocar nada a perder novamente, afinal, estava, pensava
ele, no caminho certo para conquista-la !
-Não posso dizer que eu entenda o que você sente, Lune-san, pois seria muita
presunção e falsidade da minha parte. Mas vejo, por outro lado, que você está
confusa, você está acostumada a pensar sozinha, consigo mesma, você , é fácil
notar, é alguém fechada ,introspectiva, tímida, e de certa forma criou um
“mundo“ seu em que você gosta de viver, um mundo interno, dentro de si mesma,
onde você gosta de observar o mundo lá
fora, mas não o aproveita. Você diz observar a realidade, a externa e
muitas vezes analisa sua própria realidade interna, e agora, pareço um elemento
estranho, que a influencia e a atrapalha a viver esta fuga da realidade. Por
outro lado, quando você fala de sexualidade, note, por favor não me leve a mal,
quero expor isto a você da maneira mais delicada possível, mas não há na verdade
muito espaço aqui para delicadezas : penso que você está falando apenas de
coisas teóricas, as quais você nunca experimentou na sua vida, e não sabe o que
é, na verdade a realidade delas. Mas isto é porque esta é uma realidade que não
é para ser pensada, mas sentida. Você
precisa sentir a vida, Lune-san, não apenas pensar nela. Procure observar sentindo, procure sentir as emoções das pessoas. Há todo um
Mundo emocional lá fora para ser sentido, e acho que você, de certa forma tem
empreendido uma fuga da sua realidade emocional, que agora está começando a se
manifestar !
-Fuga da realidade...emocional, Takeo-san? Interessante! Eu observo a realidade, mas nunca levo mesmo
em conta as emoções e sentimentos, estou sempre atualizada com o que acontece
na realidade racional, mas não com esta nova que você está me mostrando agora.”
-É que você se coloca acima dela e não participa dela, Lune-san. O ser
humano é um ser social, que vive numa
sociedade complexa, claro que se pode rotula-la de corrupta, doente, injusta,
mas é a sociedade em que vivemos e fazemos parte, e somos parte da cultura que
nos foi passada. Suas reflexões a levam para fora da sociedade e a negar os
valores cultuados, mas no entanto, a levam a simplesmente ignorar a realidade
emocional, Lune-san. O ser humano é um ser dual, e os grandes paradoxos e
dilemas humanos são resultantes desta interação dialética entre a razão e a
emoção, então, não há nada mais intrinsecamente humano do que os conflitos e a
ambigüidade!
- Nisto eu concordo contigo! Muito bem! E porque participar dela, Takeo-san
? Porque fazer parte da massa e perder a privacidade, ser invadida, saqueada,
ir para o Nada, fazer parte do Nada?
-Porque a existência humana é muito curta e precisa ser bem aproveitada,
querida. O fato de você viver na sociedade e participar dela e seguir as regras
naturais, como a reprodução, por exemplo, não quer dizer que você passará a
fazer parte da massa indistinta e perderá sua identidade, pois você tem suas
próprias idéias, valores, sentimentos, sensibilidade, e isto ninguém te tirará.
Claro que eu expondo minhas opiniões aqui, estou agindo como um agente
influenciador, ainda que eu não queira, e não quero, mas minhas opiniões não
são ordens a serem seguidas, você tem o livre arbítrio de segui-las ou não, ou
mesmo parcialmente, e’ seu direito. Sabe, Lune-san, você, à primeira vista parece
uma garota insensível e séria, fria, mas não o é. Você apenas tem dificuldade
de expor suas emoções, mas isto não significa que não as tenha, e você as tem,
e muito profundas!
-Obrigada, mas você fala de regras naturais, reprodução, mas para você é
fácil falar isto, você é o agente ativo da reprodução, e eu sou o passivo. Isto
é uma hipocrisia. Eu não posso falar destas coisas com a mesma facilidade que
você, nem aceita-las com esta tranqüilidade!
Takeo engoliu em seco, ele percebo que ele sendo rude e grosseiro com
ela.
-Você tem razão, Lune-san. Mea culpa. Porém, não fica bem eu discutir sobre sexo
com você, não quero encabulá- la. Só posso dizer, no entanto, que o fato de ser
o elemento passivo, não a torna inferior, e na verdade este papel não é tão
passivo assim, mas eu respeito sua opinião. Só posso elogiar a sua franqueza e
o modo claro e direto como expõe suas idéias, você e’ muito inteligente!
Lune então percebeu nas palavras dele uma certa aspereza, agressividade e
machismo por detrás do que, à primeira vista parecia ser uma gentileza
cavalheiresca. Um modo polido de responder ao insulto dela à altura, mas ao
mesmo tempo,procurando não insultar à
ela. Ele estava sendo falso e hipócrita!
-Muito inteligente para uma mulher, é isto o que você quis dizer, Takeo-san?
É arrogância que vejo em seu olhar? Ou está simplesmente querendo me bajular?
-Claro que não, querida. Não houve machismo em minha afirmação, nem e’
arrogância, meu bem. Também minha intenção não é a de procurar te agradar ou te
bajular. Eu fui sincero. Mas pense, sabe, muitas mulheres dizem que é uma
experiência maravilhosa a de ser Mãe, sentir um novo ser humano se desenvolver
dentro delas, dar origem a vida, é um sentimento muito belo este da
maternidade, querida, não é só um instinto, isto e’ um privilégio que os homens
nunca terão.
-Ah, Isto é a resultante simplesmente dos fatores condicionantes sociais
e históricos sobre a mulher, ela não só tem que reproduzir, mas ainda por cima
é obrigada a gostar disto; é tal a insegurança, que a Mulher teve de criar um
mecanismo emocional para complementar o instinto!
-Querida, você está falando de coisas que não domina...
-E você idem ! Você me joga na cara minha virgindade, e vem falar de ser
mãe, e quer saber? Acho que para você não sou uma mulher, mas um corpo! Apenas
mais um corpo do qual você quer se aproveitar! Se você tem planos de se casar e
ter filhos comigo, esqueça!
Lune agora estava ficando nervosa!
Takeo baixou os olhos e a cabeça, parecia algo magoado. O olhar dele,
perdido e triste , cruzou com o de Lune, autoritário. Ela, no entanto, refletiu
consigo mesma que estava enganada a respeito dele. Não, pensava ela, ela não
era apenas um corpo para ele,afinal; porém, o que estava claro e ela não queria
admitir para si mesma, é que estava sendo influenciada pelos sentimentos dele e
estava sensível a qualquer sinal de mágoa dele, que disparava na psique dela
sentimentos de culpa e a vontade do lado emocional de protege-lo do lado
racional dela, já que naquele momento, o lado vencia facilmente o lado
racional!
(por continuar)
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