Tudo
é impossível até que seja tentado!
" E eis que toda a luz
Subitamente
Se fez,
No dia em que despertei,
Para nunca mais querer acordar!"
São muitas as memórias desde aquele dia memorável em
que meu filho nasceu...
Minha mulher,com contrações e dores muito antes do tempo
previsto,já estava na sala de cirurgia,
e eu estava,ah,sim, eu estava tão nervoso, agitado, eram tantos planos,
preocupações,inseguranças...
Quando finalmente fui chamado e entrei naquele quarto eu
nem pensei em quanto eu tinha imaginado meu filho cheiinho,
saudável,forte,grande...
Mas o que fui encontrar não era nada do que eu
imaginara, minha esposa estava sozinha e chorava.
Imediatamente uma onda gélida percorreu minha
espinha- dúvida perversa- será que eu tinha perdido meu filho?
O médico logo entrou enquanto eu segurava as mãos de
minha mulher,preparando-me para o pior como podia,e ele disse:
-Senhor Aston ,antes que me pergunte, sim, seu filho
está vivo!Ele nasceu de sete meses e meio,prematuro, portanto, muito pequeno,
fraco,e espera pelo senhor e sua senhora na incubadeira.Ele terá de ficar lá
por algumas semanas até que ganhe peso suficiente e imunidade.
Naquela madrugada, só os Céus sabem o que me passou pela
cabeça e pelo coração!Meu suspiro de alívio foi entrecortado sofridamente por
um fio navalhino de uma pequena decepção,ao me lembrar de meus sonhos,mas a
alegria de saber que ele vivia,superava isto em muito.Ao mesmo uma preocupação
e uma ansiedade intensa me agitavam por dentro quando a ficha caiu-meu filho
lutava para viver!
Naquela madrugada mágica beijei minha esposa e só
consegui dizer:
-Querida, vai dar tudo certo,você vai ver !
Indescritível foi o momento em que o vi na incubadora,agitando
bracinhos e perninhas, tão pequeno e delicado, mas ao mesmo tempo,o olhar dele
para mim me passou uma mensagem que tocou o coração: uma sensação de fortaleza,
garra, gana,de uma intensa e imensa força de vontade, vontade de viver,uma
obstinação pela vida , que me emocionou!
É como se aqueles olhinhos tão pequenos me dissessem:-Eu
vou viver !
O tempo passou e ele se chamava Caius.
Quando já faltava pouco para ele deixar a
incubadeira,ele ficou seriamente doente,quase enlouquecendo os médicos,numa
madrugada crítica em que o tempo todo fiquei tão perto dele quanto podia,e não
dormi,mas quando o dia seguinte nasceu, ele estava vivo e misteriosamente
recuperado, deixando todos atônitos.Mas este tempo todo seus olhos nunca se fecharam e aquele olhar era sempre o mesmo,
por pior que ele estivesse, ele parecia querer me despreocupar,e nunca perdi as
esperanças nele.
Novamente a roda do tempo gira e ele foi crescendo e
engordando aos pouquinhos.Quando ele tinha dois anos seu olhar era distante e
perdido e parecia não sustentar os olhares das pessoas.Mas finalmente eu e
minha esposa percebemos que ele não falava e ainda engatinhava, e começamos a
procurar especialistas, numa romaria sem fim.
Muitos exames foram feitos em Caius, e todos me
diziam que ele tinha um sério atraso
mental e neuromotor.
Ele seguia sua vidinha para o terceiro ano de vida
isolado, e só brincava consigo mesmo, e eu sonhava com o dia em que Caius me
chamaria de "Papai" pela primeira vez.Desesperadamente eu tentava
ensiná-lo a falar, mesmo depois que minha esposa perdeu a paciência e desistiu,completamente
frustrada,se lamentando que só ela tinha um filho assim e colocando a culpa em
mim.
Mas eu continuava insistindo e o tempo passava.
Eu tentava brincar com ele, e ele se irritava,e só aos
quatro anos conseguiu finalmente caminhar, ainda que arrastando os
pés.Lembro-me de ter ficado tão feliz com aquela conquista dele, e tinha sido
quando menos se esperava,e rápidamente ele adquiriu um maior controle no andar.
Seus sucessos, depois de anos de fisioterapia e treinos
insistentes meus com ele em casa acabaram frutificando finalmente.
Um dia também ele falou, e quando começou, não parou
mais.Porém, a tão esperada palavra "Papai" não saía da boca dele.
Foi nesta época que nasceu Rudolph,o filho do meio, e
nasceu forte e grande, e dividir a atenção para com os dois nunca foi fácil.Mas
Caius pouco interagia com Rudolph, depois que este cresceu.
E finalmente, meu primogênito chegou aos nove anos.E é
exatamente aqui que realmente começa nossa história.
Caius era um garoto fechado em si mesmo, e parecia passar
dia e noite sonhando encerrado num mundo de fantasia,e se agitava muito quando
alguém tentava chamar a atenção dele.
Novamente recorremos , eu e Jennie ,minha esposa, aos
terapeutas, psicólogos e psiquiatras desta vez, e um após o outro o diagnóstico
era o mesmo :algum tipo de autismo.Eles recomendavam milhões de terapias
,remédios e quando eu perguntava se ele ia poder ser um dia um homem sociável e produtivo, eles ,com olhar
condenscendente, diziam que era para desistir, ele seria sempre daquele jeito e
o atraso mental era permanente.
Mas assim como meu filho mostrou para mim em seu olhar
que não era para perder as esperanças e lutar com ele,eu também nunca desisti
dele.
Eu tentava com todo o empenho e esforço alcançá-lo e
entrar em contato com ele, e quando ele começou a ficar nervoso, agitado,
constantemente mal humorado, eu percebi que ele sofria, e com ele eu sofria
também, especialmente por ter doloridamente que encarar minha impotência diante
dele, que continuava absorto em si mesmo,e
eu o sentia cada vez mais distante de mim e chorava...
Mas aquele olhar perdido parecia ter a mesma expressão
de quando ele nasceu e me dava forças para continuar por ele, mesmo todos à
volta tentando me dizendo para esquecer, deixar para lá, que o caso era perdido,quando
um amigo meu , que era médico, me disse:
-Esqueça, é impossível!
Eu respondi:
-Tudo é impossível até que tenha sido tentado!
E continuei tentando e insistindo dolorosamente no que
parecia ser um mar de espinhos e dores de não conseguir me aproximar de meu
filho.
No entanto Caius, do jeito dele, parecia tão feliz!
Mas não para sempre: um dia ele começou a bater em si
mesmo, berrar e espernear sem parar, e fiquei desesperado, e tentava acalmá-lo
sem sucesso.
Foi quando diante dele, ajoelhado, coloquei as mãos no
rosto de comecei a chorar.Procurava dentro de mim desesperadamente uma maneira
de ajudar aquele menino, o meu menino querido, que tanto significava para mim,
estava diante de mim sofrendo e eu nada podia fazer, e precisava de uma esperança,
por menor que fosse!
Minhas lágrimas corriam para fora das mãos por entre os
dedos, quando senti uma mão acariciar meus cabelos...era Caius, e o sorriso que
ele deu para mim, aquele olhar também,eu nunca, nunca mais vou esquecer!
Eu o abracei com força, e um lágrima caiu de um dos
olhos dele, e outra.
Naquela noite inesquecível, em que um milagre parecia
ter acontecido minhas forças e esperanças se renovaram e no dia seguinte
continuei tentando, mas para meu desespêro, ele parecia ter regredido novamente,o
que me levou a engolir em sêco e me perguntar se tinham sido apenas falsas
esperanças.
Numa certa noite, porém,eu o observava, atento a todos
os detalhes,quando ele finalmente adormeceu no cantinho da sala que ele
gostava.
Eu o abracei por trás e fiquei pensando no que será que ele imaginava, qual seria seu
mundo, e fui lembrando do meu passado com ele.
Ele se virou para mim e começou a se arrastar no chão
como se fizesse um círculo.Depois encostei minha cabeça na dele e ficamos
parecendo os ponteiros de um relógio vivo.Começamos a brincar de relógio, e nos
arrastávamos como se eu fosse o ponteiro das horas e ele o dos minutos.
Ficamos assim por horas até ele cair no sono.
Ele dormiu com as mãos segurando meu rosto,e então
comecei a sonhar -ou teria sido real?
Tudo ali era nebuloso, e vi Caius ao longe, em pé, com
as mãos nos bolsos das calças.Uma forte e brilhante luz se viu ao longe e ele correu para lá, e eu corri atrás dele.
Repentinamente, ele estacou, bem na entrada.Dali por
diante parecia existiu algo parecido com um céu , sem um chão, e nada parecia
fazer sentido.Ele deu a mão dele para mim, sem nada dizer, e fez um gesto com a
cabeça querendo dizer que iria saltar e que era para eu fazer a mesma coisa.O
olhar dele era extremamente confiante, então, com ele saltei naquele
desconhecido.Quando dei por mim nós flutuávamos e ele abriu os braços e começou
a voar! ...
(por continuar)
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