De mansinho, e novamente contra a sua vontade,
as cenas de sua briga com Ruri voltaram também, e lágrimas caíram de seus
olhos, e ela disse em voz alta:
-Como eu pude fazer isto com ela...como
pude?Oh, Ruri-chan, como posso reparar meus erros? O que foi que fiz com você,
irmãzinha..
Mas retratos falam na memória e contam
histórias e não nos deixam esquecê-las, e assim, logo as lembranças mais antigas
voltaram e Lune adormeceu.
Em seu sonho ela estava com cinco anos de
idade, de mãos dadas com senhores que andavam perfilados um ao lado do
outro,todos barbudos e de cartolas, vestindo fraques.
Eram seus filósofos adorados. Eles dialogavam
entre si, falando citações de livros que ela tinha lido e ela estava encantada
em seu vestidinho cor de laranja e lacinho da mesma cor em forma de rotor de
helicóptero na cabeça.
Então ela viu ao longe o que parecia ser uma
família do final do século dezenove.
O ambiente era coberto por uma neblina intensa,
então demorou para os vultos se mostrarem:
Era um senhor gordo e barbudo, de barba
grisalha, que fumava cachimbo,, com um jornal enrolado debaixo do braço, uma
senhora muito bonita, de cabelos preto, cujo rosto lembravam muito o da própria
Lune,uma menina de três anos e um bebê nos braços da senhora.
Os senhores perfilados, que caminhavam por algo
que parecia uma praça ou parque, pararam, e a família também parou, de frente
para eles.
Lune teve uma vontade irresistível de ir para
aquela família e tentou soltar-se da mão forte que a segurava.
-Para que você quer ir com eles?
Perguntou friamente o senhor que segurava sua
mão.
Lune sentia que pertencia aquela família e tinha
de se soltar e insistiu, mas o homem a questionou friamente:
-Você ainda não respondeu minha pergunta.
-Eu só quer ir, me larga !
-Resposta ilógica.
Respondeu um.
-Incoerência ultrajante !
Disse outro.
-Dados insuficientes! Respondeu um terceiro.
O primeiro lhe fez outra pergunta:
-O que eles tem a te oferecer que não temos?
-Me larga, quero ir !
Um rapaz sorridente com um dobermann na correia
apareceu e interpôs-se entre ela e a família.
-Me deixa ir !
Lune gritava, mas a cada vez que ela gritava, o
cachorro latia e rosnava, arreganhando os dentes, com olhar assassino.E o rapaz
, divertido, só sorria !
Lune sentia vontade de chorar, e ficou com medo
do cachorro e abraçou a perna do senhor que a segurava.
-Inútil fazer isto, nós não estamos aqui para
lhe proteger, estamos aqui para te ensinar!
-Mas eu quero ir ! Eu quero !Eu quero eles !
E ao mesmo tempo que ela gritava, o cachorro
latia, impedindo a família de escutar seus apelos.
-Nós temos conhecimento a te oferecer. Eles só
tem amor para te dar. E para que você quer ter amor, se você só precisa de
conhecimento?
-Ela não precisa do nosso amor, pois ela não nos
ama. Ela apenas ama o conhecimento. Disse o senhor barbudo de cachimbo na boca,cujo
olhar era gelado.
-E isto mesmo. Ela não precisa de amor, precisa
apenas de conhecimento, isto basta para ela, e já decidimos por ela.Não estamos
aqui para amá-la, apenas para ensiná-la, ela não precisa da educação de vocês.
Disseram os senhores perfilados, em uníssono.
-Nãaaaao ! Berrou Lune desesperada, enquanto o
cachorro latia mais alto e encobria sua voz novamente.
A família desapareceu nas brumas, e o rapaz com
o cachorro também.
A partida deles doeu no coração da menina, mas
aquela mão parecia de ferro a oprimir sua mão e ela não conseguia se
desvencilhar, e eles continuaram confabulando citações filosóficas entre si,
como se nada tivesse acontecido.
-Como vocês são frios, insensíveis !
- Claro que somos. Nós somos você. E você somos
nós.Uma relação perfeitamente dialética , eu diria !
E súbitamente também eles desapareceram.
O ímpeto dela era procurar por sua família, mas
latidos tenebrosos ecoavam pelas brumas , sem que se conseguisse localizar de
onde vinham, e o medo dela encontrar novamente o dobermann aumentava.
Aflita, desesperada, a solidão veio com tudo e
se abateu sobre ela, que não sabia mais o que fazer, e chorava.Mas a cada vez
que sua voz se soltava, os latidos sua voz abafavam e reprimiam, cada vez mais
alto até obrigá-la a ficar calada, e as lágrimas escorriam soltas.
O cão, ou os cães, pois agora parecia ter
centenas, milhares deles, latindo, rosnando e uivando medonhamente na neblina a
paralisava, e ela não conseguia sair do lugar e se sentou chorando, com as mãos
sobre o rosto.
-Lune-san !Lune -san ! Está na hora do meu
remédio de novo!Acorda !
Ela abriu os olhos. Era Otaru, e ele tremia,
mal se aguentando em pé.
-Oh, não ! Gritou Lune, abraçando seu irmão.Com
muito esforço, e ainda os olhos úmidos, ela o carregou o quarto dele, e lhe deu
remédio.Ficou ao lado da cima dele o tempo todo, medindo sua temperatura, que
finalmente baixou, para seu alívio !
Ela ficou tão feliz, que beijou-lhe o rosto, e
lhe deu um abraço.
-Ai, Onii-chan, você é tão fofinho !Adoro você, viu? Ela disse para ele, olhando nos olhos dele com um sorriso meigo e um olhar doce e carinhoso.
-Lune-chan, você que precisa tomar um banho
agora, está cheirando mal...
Ela corou de vergonha, beijou a testa dele e
disse:
-Então eu vou ao meu quarto e vou tomar um
banho.Por favor não saia mais do seu quarto até você ficar bom.Volto daqui a
pouco.
E ela foi.
(por continuar)
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