sábado, 16 de agosto de 2014

Conto: Magnânimidade


 
Calor. Calor intenso era o que se sentia, enquanto as chamas percorriam os pântanos em meio ‘a desolação que se via, chamas que consumiam também uma cidade inteira, dali muito próxima.
Fogo, sangue, suor,corpos putrefatos, odor insuportável, destruição, consternação.Sotto ardia como que em febre, reflexo de um mundo doente.
As poderosas e burocráticas forcas imperiais assistiam ao triste espetáculo daquelas paragens de morte.
O vento ,qual entidade de braços de fogo, espalhava ainda mais a destruição,levando a desgraça para onde quer que ele apontasse.
Restava o vazio , a falta de esperança, dos poucos moribundos que ainda teimavam em não sucumbir a pressão da extinção,mas todo seu esforço para tentar continuar vivendo parecia a eles próprios ser em vão.
A fome de vida das chamas que dançavam sua valsa ardente parecia inesgotável, e a fumaça exalada tão celeremente parecia que a tudo cobriria inevitavelmente.
Quanto mais as chamas se agigantavam, mais  alto era o ranger de dor da velha cidade de Sotto, cujas casas queimavam em profusão.
Eis que então surge um vulto em meio às chamas.
Esta sombra avassaladora dirigiu seu olhar para alguém que jazia em meio às chamas, ainda viva, mas mal respirando.
Era uma mulher  jovem, recém saída da adolescência,e ainda que toda marcada por queimaduras, permanecia linda.Seus cabelos  eram  de um negro brilhante, ainda que chamuscado, seus olhos azuis brilhavam como diamantes, e lágrimas corriam deles.Semi nua, com o vestido parcialmente consumido pelo fogo e muito rasgado,exibia um corpo generoso por abrigar uma vida nova dentro de si, que lutava para nascer.
O vulto a pegou nos braços, e emergiu das chamas.
Tal era seu tamanho , que assustou os soldados.
O Gigante segurou a garota com um braço e levantou o outro, em cuja mão estava uma enorme e refulgente espada.
Da arma um raio poderoso emanou,  e afastou as chamas de seu dono poderoso.
Foi quando, em meio ‘a tanta dor ,os olhos da moça se fecharam para sempre.
O Gigante deixou cair a espada, e levantou a sua amada acima da cabeça e um brado ecoou:
“-Nãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaao!”
Em desespero, o Guerreiro chorava.
Caiu de joelhos e a colocou no chão, mãos no rosto.
“-Tanto poder, e não consegui salvá-la...não mereço viver, eu falhei, falhei, falhei completamente...” Pensava o gigante consigo mesmo, enquanto sua angústia continuava a lhe atormentar:
“Eu não podia falhar, não podia, ela dependia de mim, oh, Ciris, eu a decepcionei, não e´mesmo?Fui incompetente, impotente, cheguei tarde demais,falhei...como posso me perdoar, se jamais me perdoarás?”
Era o que ele sentia, amargurado, arrependido, desolado!
O sangue dela ainda pingava de suas mãos quando ele subitamente olhou para os soldados atônitos, e então, o gigante não sabia mais se vivia ou sonhava, pesadelo que jamais terminava, sofrimento continuado de toda uma vida.
Agora toda aquela desolação se tingiu de vermelho, e ele  a colocou delicadamente no chão, e se pôs de pe´, depois de empunhar a espada novamente.
Seu semblante subitamente mudou de consternado para colérico, e aos brados, avançou contra os soldados num ataque  avassalador e histérico!
Atravessou o pântano com fúria assustadora, demonstrando uma energia incontivel. Os raios  eletromagnéticos de sua espada afastaram as balas de seu corpo, tornando inúteis as armas dos soldados.
Frenesi de sangue se abateu sobre o exército imperial.
Uma multidão sem rosto se abateu sobre Gigas, o guerreiro gigante, que desapareceu sob tamanha pressão para ser finalmente esmagado,ainda que a muitos tenha valentemente abatido.
Um único soldado se aproximou do corpo sem vida de  Ciris, e abriu o ventre  avantajado da moça, e de la´saiu um bebê, ainda com vida.
Espantado com a beleza cândida e inocente daquela nova vida  que irrompera diante da destruição,o soldado tomou para si o bebê em seus braços fortes, enquanto grossas lágrimas abriam caminho em meio ‘a sua barba cerrada.
-General ! Gritou o soldado.
-Sim, soldado?
-E´uma menina, senhor. Quero me apossar dela.Gigas deu a vida dele para protegê-la, e a mãe dela também, e eu...minha mulher não pode ter filhos, senhor, e eu..eu sempre quis ser pai!
-A filha do nosso inimigo e´nossa inimiga, soldado Tarkis.Mate-a.
-Sinto em ter de desobedece-lo, senhor, pode me punir, mas eu acho que ela merece uma chance de viver, já que eu a trouxe ao mundo por piedade, e a vida dela já custou tantas vidas assim.Eu ofereço minha própria vida, para que a vida desta criança seja poupada.Eu vou criá-la  como se fosse o pai verdadeiro dela,e vou criá-la  e educa –la  nos preceitos do Império, então ela será um dia uma importante aliada, senhor.
-Então, que assim seja. Vejo que ser magnânimo não e´privilegio somente dos nobres, mas dos nobres de alma e coração.
-Obrigado, meu senhor. Doravante o nome dela será´  Nimitris, aquela que veio do fogo!
E  foi assim que se originou a velha lenda da  invicta Filha das Chamas, aquela  guerreira ,filha da união apaixonada de um gigante e uma sacerdotisa,que jamais se rendeu...

Fim

Cristiano Camargo

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