Era
uma manha de sol, e as aves marinhas disputavam com os répteis alados a
profusão de peixes que se aglomerava próximo a superfície do mar calmo da
enseada.O vento estava fresco e suave, a
água estava morna e as algas dançavam sob as ondas, quando finalmente o navio
de Orthuu aportou no cais.Ao descer, ouviu os marinheiros aglomerados no bar do
Porto discutindo sobre uma estranha historia de um ser sobrenatural, metade
réptil marinho predador, e metade homem.
O
velho marujo sabia muito bem que estas
historias de marinheiros eram muito comuns e nada tinham a ver com a
realidade, mas o burburinho estava insistente, e acabaram puxando ele para
dentro da roda de conversas.
A
discussão prosseguiu acalorada, mas o velho marujo continuou descrente e acabou
indo embora dando de ombros e balançando a cabeça.
Cinqüenta
anos no mar, e ele já tinha visto de tudo, e sabia muito bem que aqui era
impossível.Viu os companheiros se lançando ao Mar quando souberam que havia um
premio para quem pescasse o monstro marinho, e ele sabia que eles não iriam
conseguir.
Chegou
em casa e ficou a olhar as fotos da esposa e do filho que tão cruelmente se
foram, e as saudades lhe pareceram fortes demais.Um peso enorme pairava por
cima de sua alma, como que esmagando-a sob a pressão da dor da ausência.Esta dor era pior do que a dor da
inexistência, por que, ate´certo tempo, estes entes assim tão queridos
existiram, e agora já não existiam mais, só nas lembranças,que teimavam em
voltar cada vez mais vagas.
O
dia seguinte amanheceu, e Orthuu não conseguira dormir direito. Tivera
pesadelos terríveis.Voltou então para o seu barco após o café da manha, e
começou a limpa-lo. Logo teria de partir novamente,pois o quadro no bar era bem
claro: estavam pagando bem para quem pescasse pteropisces, e ele não podia
deixar passar esta oportunidade.Sabia bem que teria de ficar dias no mar, pois
estes peixes estavam cada vez mais raros.
Então
zarpou, sozinho como sempre em seu pequenino mas valente navio.
Dias
depois ele acordou no meio da madrugado com um balançar anormal do navio, e
ouviu o ribombar dos trovoes. Foi ao tombadilho e postou-se na cabine de
comando com muita dificuldade: era uma das piores tempestades que já vira em
sua vida, e lutava com muita dificuldade para manter o barco flutuando, em meio
a ondas gigantescas como nunca vira antes.
Quando
a tempestade finalmente cedeu , notou que estava perdido, mas próximo de uma
ilha desconhecida, pequena, e que talvez por isto mesmo, não estava em mapa
algum.Não estava muito longe da praia, e achou melhor fundear o navio ali, pois
as águas límpidas eram tão rasas ali que se podia ver o fundo, a não mais que
uns dois ou três metros do calado do navio.Jogou as ancoras, e olhou pelo
binóculos digital. O que ele viu foi um enorme réptil predador marinho
encalhado na praia.
Orthuu
pegou seu bote, e , armado de seu inseparável lança arpões de repetição
portátil, foi ate´a praia ver a agonia
do monstro.
-Megabucassaurus
horridus...e´como os cientistas chamam este monstro.Vinte metros de comprimento
em media , cabeça gigantesca destacada do corpo por este pescoço tão pequeno e
tão forte,quatro patas em forma de remos e cauda curta.Pelos mares, olhe estes
dentes! São maiores que as minhas maiores facas!
E´irônico
como um predador tão poderoso no mar seja agora a caça e esteja assim tão
vulnerável...em breve suas cinquenta toneladas o farão se sentir esmagado pela
gravidade e ira morrer sufocado, antes mesmo de morrer de fome ou sede, já que
e´incapaz de se mover na terra.E mesmo com estas mandíbulas tão compridas que
poderiam abarcar dois homens grandes de uma só vez, cheias de dentes enormes,
ele não poderá se defender das aves rapinantes marinhas, que não demorarão a
chegar, triste fim para que já foi o Rei de todos os mares, e este é um
exemplar magnífico, e deve ter uns vinte e cinco metros, pelos mares, ele tem a metade do tamanho do meu navio !
E
pensar que já enfrentei um bando inteiro deles para salvar aquela megaloceta...
Dizia
Orthuu enquanto caminhava em volta do monstruoso predador agonizante.Quando olhou
no olho dele, porem, alguma coisa lhe chamou a atenção. Um brilho estranho
vinha daquele olho verde escuro, e parecia ter algo de humano nele.
-Ainda
não morri...
Orthuu
espantou-se. Será que ouvira o enorme réptil falar alguma coisa?Mas eles não
eram capazes de falar! Não podia ser!
-Ainda
não morri...não posso morrer assim...Não se espante...meu nome é Marthuu, fui
um pirata desertor, e minha embarcação foi tragada por uma enorme tempestade,
assim como eu.Pensei que morreria afogado, mas este réptil predador me matou, e
quanto mais consumia minha carne, mais a minha alma se fundia a dele, e depois
de devorado, passei a ser ele, e meu desejo de viver foi tanto que enquanto ele
me partia em pedaços, passei a sentir o
meu sangue a correr nas veias dele,enxergar pelos olhos dele, passei a ser ele,
e minha alma consumiu a dele, ficando só a minha neste corpo.Se ele for
devorado pelas aves marinhas, minha alma se perdera, despedaçada em centenas de
almas de aves e não mais viverei, pois ainda mantenho todas as minhas
lembranças e sentimentos de quando eu era um ser humano, por isto consegui
fazer um contato mental com você...
Orthuu
não teve dúvidas. Voltou ao bote, subiu no navio. E munido da poderosa corrente
de pescar, a amarrou em volta das nadadeiras traseiras do animal, voltou ao
navio e colocou os motores em marcha a ré, 'a plena força.
As
hélices patinavam na água, mas o peso do monstro e mais seu arrasto estavam
deixando o navio imóvel.Orthuu ligou os turbocompressores a toda a força e
finalmente o Megabucassauro começou a ser arrastado de volta ao mar.Foi uma
luta intensa, mas finalmente o monstro marinho estava de volta ao mar.Orthuu o
libertou das amarras.
-Muito
obrigado. Por favor saia da água agora. Não sei ate´quando conseguirei segurar
o instinto dele.Adeus!
Orthuu
subiu de volta ao navio enquanto o réptil magnífico voltava para as águas profundas, de onde tinha sido
arrostado pela tempestade.
A
lenda que os marinheiros contavam era exagerada, mas tinha um fundo de verdade,
afinal...
FIM
Cristiano Camargo
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