quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Conto: Interação





Era uma manha de sol, e as aves marinhas disputavam com os répteis alados a profusão de peixes que se aglomerava próximo a superfície do mar calmo da enseada.O vento estava fresco  e suave, a água estava morna e as algas dançavam sob as ondas, quando finalmente o navio de Orthuu aportou no cais.Ao descer, ouviu os marinheiros aglomerados no bar do Porto discutindo sobre uma estranha historia de um ser sobrenatural, metade réptil marinho predador, e metade homem.
O velho marujo sabia muito bem que estas  historias de marinheiros eram muito comuns e nada tinham a ver com a realidade, mas o burburinho estava insistente, e acabaram puxando ele para dentro da roda de conversas.
A discussão prosseguiu acalorada, mas o velho marujo continuou descrente e acabou indo embora dando de ombros e balançando a cabeça.
Cinqüenta anos no mar, e ele já tinha visto de tudo, e sabia muito bem que aqui era impossível.Viu os companheiros se lançando ao Mar quando souberam que havia um premio para quem pescasse o monstro marinho, e ele sabia que eles não iriam conseguir.
Chegou em casa e ficou a olhar as fotos da esposa e do filho que tão cruelmente se foram, e as saudades lhe pareceram fortes demais.Um peso enorme pairava por cima de sua alma, como que esmagando-a sob a pressão da dor  da ausência.Esta dor era pior do que a dor da inexistência, por que, ate´certo tempo, estes entes assim tão queridos existiram, e agora já não existiam mais, só nas lembranças,que teimavam em voltar cada vez mais vagas.
O dia seguinte amanheceu, e Orthuu não conseguira dormir direito. Tivera pesadelos terríveis.Voltou então para o seu barco após o café da manha, e começou a limpa-lo. Logo teria de partir novamente,pois o quadro no bar era bem claro: estavam pagando bem para quem pescasse pteropisces, e ele não podia deixar passar esta oportunidade.Sabia bem que teria de ficar dias no mar, pois estes peixes estavam cada vez mais raros.
Então zarpou, sozinho como sempre em seu pequenino mas  valente navio.
Dias depois ele acordou no meio da madrugado com um balançar anormal do navio, e ouviu o ribombar dos trovoes. Foi ao tombadilho e postou-se na cabine de comando com muita dificuldade: era uma das piores tempestades que já vira em sua vida, e lutava com muita dificuldade para manter o barco flutuando, em meio a ondas gigantescas como nunca vira antes.
Quando a tempestade finalmente cedeu , notou que estava perdido, mas próximo de uma ilha desconhecida, pequena, e que talvez por isto mesmo, não estava em mapa algum.Não estava muito longe da praia, e achou melhor fundear o navio ali, pois as águas límpidas eram tão rasas ali que se podia ver o fundo, a não mais que uns dois ou três metros do calado do navio.Jogou as ancoras, e olhou pelo binóculos digital. O que ele viu foi um enorme réptil predador marinho encalhado na praia.
Orthuu pegou seu bote, e , armado de seu inseparável lança arpões de repetição portátil, foi ate´a praia ver  a agonia do monstro.
-Megabucassaurus horridus...e´como os cientistas chamam este monstro.Vinte metros de comprimento em media , cabeça gigantesca destacada do corpo por este pescoço tão pequeno e tão forte,quatro patas em forma de remos e cauda curta.Pelos mares, olhe estes dentes! São maiores que as minhas maiores facas!
E´irônico como um predador tão poderoso no mar seja agora a caça e esteja assim tão vulnerável...em breve suas cinquenta toneladas o farão se sentir esmagado pela gravidade e ira morrer sufocado, antes mesmo de morrer de fome ou sede, já que e´incapaz de se mover na terra.E mesmo com estas mandíbulas tão compridas que poderiam abarcar dois homens grandes de uma só vez, cheias de dentes enormes, ele não poderá se defender das aves rapinantes marinhas, que não demorarão a chegar, triste fim para que já foi o Rei de todos os mares, e este é um exemplar magnífico, e deve ter uns vinte e  cinco metros, pelos mares, ele  tem a metade do tamanho do meu navio !
E pensar que já enfrentei um bando inteiro deles para salvar aquela megaloceta...
Dizia Orthuu enquanto caminhava em volta do monstruoso predador agonizante.Quando olhou no olho dele, porem, alguma coisa lhe chamou a atenção. Um brilho estranho vinha daquele olho verde escuro, e parecia ter algo de humano nele.
-Ainda não morri...
Orthuu espantou-se. Será que ouvira o enorme réptil falar alguma coisa?Mas eles não eram capazes de falar! Não podia ser!
-Ainda não morri...não posso morrer assim...Não se espante...meu nome é Marthuu, fui um pirata desertor, e minha embarcação foi tragada por uma enorme tempestade, assim como eu.Pensei que morreria afogado, mas este réptil predador me matou, e quanto mais consumia minha carne, mais a minha alma se fundia a dele, e depois de devorado, passei a ser ele, e meu desejo de viver foi tanto que enquanto ele me partia em pedaços, passei a sentir  o meu sangue a correr nas veias dele,enxergar pelos olhos dele, passei a ser ele, e minha alma consumiu a dele, ficando só a minha neste corpo.Se ele for devorado pelas aves marinhas, minha alma se perdera, despedaçada em centenas de almas de aves e não mais viverei, pois ainda mantenho todas as minhas lembranças e sentimentos de quando eu era um ser humano, por isto consegui fazer um contato mental com você...
Orthuu não teve dúvidas. Voltou ao bote, subiu no navio. E munido da poderosa corrente de pescar, a amarrou em volta das nadadeiras traseiras do animal, voltou ao navio e colocou os motores em marcha a ré, 'a plena força.
As hélices patinavam na água, mas o peso do monstro e mais seu arrasto estavam deixando o navio imóvel.Orthuu ligou os turbocompressores a toda a força e finalmente o Megabucassauro começou a ser arrastado de volta ao mar.Foi uma luta intensa, mas finalmente o monstro marinho estava de volta ao mar.Orthuu o libertou das amarras.
-Muito obrigado. Por favor saia da água agora. Não sei ate´quando conseguirei segurar o instinto dele.Adeus!
Orthuu subiu de volta ao navio enquanto o réptil magnífico voltava  para as águas profundas, de onde tinha sido arrostado pela tempestade.
A lenda que os marinheiros contavam era exagerada, mas tinha um fundo de verdade, afinal...

FIM

Cristiano Camargo

 

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