-Sim, eu entendo, filha, eu também já me senti
muito assim quando eu tinha a sua idade.Demorei a perceber as verdadeiras
intenções das pessoas e entender que não eram aquelas que eu julgava.Sabe,
filha, julgar, ou melhor, pré- julgar com base nos sentimentos imediatos, sem
refletir antes é algo muito sério, sabe?Pode nos fazer mal e corremos o risco
de perder as pessoas das quais gostamos.Sabe, as pessoas não gostam da gente
gratuitamente.Nós precisamos ajudar as pessoas a gostar da gente,gostando delas
e as compreendendo, primeiro.É preciso se colocar no lugar das outras pessoas e
tentar sentir o que elas sentem, tentar se informar em como é a vida delas, em
como elas pensam, no que passaram na vida delas,para entender por que agiram
como agiram.
-As pessoas precisam gostar de mim como eu sou.Eu não
preciso mudar para agradar as pessoas e ser do jeito que elas querem, pai.
Kazuo logo percebeu que ela não tinha entendido
o que ele quisera dizer, ou levou para o lado pessoal.E que ela estava acuada,
em alerta de defesa.Sabia que não se tratava de uma interpretação errada, mas
que ela sabia qual a interpretação correta, mas não a aceitava.Ela tentava se
afirmar para não admitir erros, para não se sentir inferiorizada novamente e se
defender de uma nova depressão. E que por tudo isto ela escolheu expressar a
interpretação que ela sabia que era a errada, mas que para ela, era mais segura e aceitável,mas assim cometendo
novos erros e falhas em seu raciocínio.E ela sabia disto e não se perdoava, mas
ela não queria arriscar se sentir inferiorizada de novo, aquilo doía demais
nela, que era tão orgulhosa!
Kazuo decidiu que precisaria ser diplomático
com ela , e escolher muito bem as palavras, para que ela se sentisse mais auto
confiante e segura de si.
-Aham...bom, você tem razão, você não deve
mesmo mudar para agradar a ninguém, e as pessoas precisam te aceitar como você é, está certinho, perfeito! Apenas eu colocaria uma ressalva, filha: se você
quiser que as pessoas te aceitem como você é, você precisa primeiro aceitar as pessoas
como são.Claro que isto não significa que você seja obrigada a gostar de todas
as pessoas, nem as pessoas são obrigadas a gostar de você. Mas para você
aceitar as pessoas como são, você precisa conhecê-las e aprender a se colocar
no lugar delas. Mas olha, filha, aprender não é nenhuma humilhação,sabe,
maturidade é um eterno aprendizado, e ninguém, nem que viva cem anos, consegue
ser cem por cento maduro.Sempre temos o que aprender e estamos aprendendo a
vida toda. Mesmo eu, tendo cinquenta e nove anos de vida,estou sempre
aprendendo com você...filha, você me ensina tanto...se você soubesse como me
faz feliz aprender com você !E a adolescência é uma fase difícil da vida, de
muito aprendizado, de preparação para a vida adulta, então você não deve exigir
de si mesma tanta perfeição, tanta maturidade, não deve se cobrar tanto, você
vai conseguir tudo isto no seu devido tempo.Mas você pode tentar exercitar e
tentar criar uma técnica de se colocar no lugar das pessoas...bom, chegamos,
vamos lá?
Ele, como bom cavalheiro, abriu a porta
para pensativa filha e eles entraram no
consultório um pouco depois.
Lune estava aliviada de sair de dentro daquele
carro que cheirava a cachimbo e também de se livrar dos sermões intermináveis
do pai,que se dirigiu ao balcão e apresentou a filha para a secretária, e já
deixou a sessão paga adiantadamente.
-Bom, filha, eu agora vou te deixar aqui na
sala de espera.A psicóloga se chama Dra. Yuki Amana.Se quiser, eu venho daqui
uma hora buscá-la, o que acha?
-Pode deixar, pai. Daqui eu me viro sozinha.
Aqui do lado tem um metrô e depois dele pego um ônibus para casa.
Kazuo abriu a carteira e tirou um maço de notas
e colocou n mão dela.
-Ok, isto é para você tomar um lanchinho.Te
espero em casa, qualquer coisa use se celular e me ligue , ok?
-Tudo bem, pai, obrigada! Disse Lune , com um
olhar doce e um sorriso meigo nos olhos.
Ele saiu pelo corredor e foi embora.
A sala estava cheia de pessoas interessantes,
mas Lune continuava pensativa, com olhar aparentemente perdido.Após algum tempo
de espera, ela tamborilava os dedos no sofá, nervosa e impaciente. Para ela
aquilo era apenas mais uma sessão de censuras ,ladainhas e sermões, uma
obrigação desagradável. Ao mesmo tempo a incerteza de desconhecer a Dra. Yuki,
e a impossibilidade de saber como se comportar diante dela, como agir, o que
fazer e de poder prever as reações dela a deixavam insegura, o que só aumentava
o nervosismo.
Por fim ouviu seu nome, e acompanhou a moça da
recepção, que abriu a porta do consultório para ela.
Quem ela viu foi uma mulher balzaquiana,quase
chegando nos quarenta anos de idade,vestida com elegância, mas com um jaleco por
cima. Usava óculos e tinha os cabelos presos num penteado estilo rabo de
cavalo.Sobressaíam os quadris desproporcionalmente largos e os seios fartos.Seu
rosto não pareceu 'a Lune muito japonês, apesar dos cabelos pretos e escorridos , o que levou Lune a pensar que a doutora
deveria ser descendente de estrangeiros com japoneses.
Yuki cumprimentou Lune com o tradicional
cumprimento japonês e desta vez Lune respondeu com o gesto correto,
cumprimentando-a corretamente também.A doutora sorriu diante da educação da
mocinha.
-Boa tarde, Senhorita Lune.Por favor, deite-se
naquele divã ao lado da poltrona!
Lune, ainda com uniforme escolar, obedeceu,
meio contrariada. Preferia se sentar na poltrona e estar no lugar da psicóloga.
-Eu sou
Doutora Yuki Amana.É a primeira vez que você vem uma consulta de psicanálise?
-Sim.
-Muito bom ! Então, você verá que é muito
simples.Eu gostaria que você por favor me contasse seu passado, sua vida,tudo o
que você se lembrar, e de vez em quando te farei umas perguntinhas, ok?
-E por que eu teria de contar a minha vida, se
você é uma pessoa desconhecida para mim?
-Não teria muito sentido contar a sua vida a
uma pessoa que você conhecesse bem, você não acha?
-Não faz sentido contar a minha vida para quem
quer que seja, Yuki-sempai.
-É? E desde quando você pensa assim,Senhorita
Lune?
-A senhora está tentando manobrar meu raciocínio,
Yuki-sempai !Manipuladora !
(por continuar)
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