sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sensibilidade de Viver Origens -Episódio 16: Lune no divã





-Sim, eu entendo, filha, eu também já me senti muito assim quando eu tinha a sua idade.Demorei a perceber as verdadeiras intenções das pessoas e entender que não eram aquelas que eu julgava.Sabe, filha, julgar, ou melhor, pré- julgar com base nos sentimentos imediatos, sem refletir antes é algo muito sério, sabe?Pode nos fazer mal e corremos o risco de perder as pessoas das quais gostamos.Sabe, as pessoas não gostam da gente gratuitamente.Nós precisamos ajudar as pessoas a gostar da gente,gostando delas e as compreendendo, primeiro.É preciso se colocar no lugar das outras pessoas e tentar sentir o que elas sentem, tentar se informar em como é a vida delas, em como elas pensam, no que passaram na vida delas,para entender por que agiram como agiram.
-As  pessoas precisam gostar de mim como eu sou.Eu não preciso mudar para agradar as pessoas e ser do jeito que elas querem, pai.
Kazuo logo percebeu que ela não tinha entendido o que ele quisera dizer, ou levou para o lado pessoal.E que ela estava acuada, em alerta de defesa.Sabia que não se tratava de uma interpretação errada, mas que ela sabia qual a interpretação correta, mas não a aceitava.Ela tentava se afirmar para não admitir erros, para não se sentir inferiorizada novamente e se defender de uma nova depressão. E que por tudo isto ela escolheu expressar a interpretação que ela sabia que era a errada, mas que para ela, era  mais segura e aceitável,mas assim cometendo novos erros e falhas em seu raciocínio.E ela sabia disto e não se perdoava, mas ela não queria arriscar se sentir inferiorizada de novo, aquilo doía demais nela, que era tão orgulhosa!
Kazuo decidiu que precisaria ser diplomático com ela , e escolher muito bem as palavras, para que ela se sentisse mais auto confiante  e segura de si.
-Aham...bom, você tem razão, você não deve mesmo mudar para agradar a ninguém, e as pessoas precisam te aceitar como você é, está certinho, perfeito! Apenas eu colocaria uma ressalva, filha: se você quiser que as pessoas te aceitem como você é, você precisa primeiro aceitar as pessoas como são.Claro que isto não significa que você seja obrigada a gostar de todas as pessoas, nem as pessoas são obrigadas a gostar de você. Mas para você aceitar as pessoas como são, você precisa conhecê-las e aprender a se colocar no lugar delas. Mas olha, filha, aprender não é nenhuma humilhação,sabe, maturidade é um eterno aprendizado, e ninguém, nem que viva cem anos, consegue ser cem por cento maduro.Sempre temos o que aprender e estamos aprendendo a vida toda. Mesmo eu, tendo cinquenta e nove anos de vida,estou sempre aprendendo com você...filha, você me ensina tanto...se você soubesse como me faz feliz aprender com você !E a adolescência é uma fase difícil da vida, de muito aprendizado, de preparação para a vida adulta, então você não deve exigir de si mesma tanta perfeição, tanta maturidade, não deve se cobrar tanto, você vai conseguir tudo isto no seu devido tempo.Mas você pode tentar exercitar e tentar criar uma técnica de se colocar no lugar das pessoas...bom, chegamos, vamos lá?
Ele, como bom cavalheiro, abriu a porta para  pensativa filha e eles entraram no consultório um pouco depois.
Lune estava aliviada de sair de dentro daquele carro que cheirava a cachimbo e também de se livrar dos sermões intermináveis do pai,que se dirigiu ao balcão e apresentou a filha para a secretária, e já deixou a sessão paga adiantadamente.
-Bom, filha, eu agora vou te deixar aqui na sala de espera.A psicóloga se chama Dra. Yuki Amana.Se quiser, eu venho daqui uma hora buscá-la, o que acha?
-Pode deixar, pai. Daqui eu me viro sozinha. Aqui do lado tem um metrô e depois dele pego um ônibus para casa.
Kazuo abriu a carteira e tirou um maço de notas e colocou n mão dela.
-Ok, isto é para você tomar um lanchinho.Te espero em casa, qualquer coisa use se celular e me ligue , ok?
-Tudo bem, pai, obrigada! Disse Lune , com um olhar doce e um sorriso meigo nos olhos.
Ele saiu pelo corredor e foi embora.
A sala estava cheia de pessoas interessantes, mas Lune continuava pensativa, com olhar aparentemente perdido.Após algum tempo de espera, ela tamborilava os dedos no sofá, nervosa e impaciente. Para ela aquilo era apenas mais uma sessão de censuras ,ladainhas e sermões, uma obrigação desagradável. Ao mesmo tempo a incerteza de desconhecer a Dra. Yuki, e a impossibilidade de saber como se comportar diante dela, como agir, o que fazer e de poder prever as reações dela a deixavam insegura, o que só aumentava o nervosismo.
Por fim ouviu seu nome, e acompanhou a moça da recepção, que abriu a porta do consultório para ela.
Quem ela viu foi uma mulher balzaquiana,quase chegando nos quarenta anos de idade,vestida com elegância, mas com um jaleco por cima. Usava óculos e tinha os cabelos presos num penteado estilo rabo de cavalo.Sobressaíam os quadris desproporcionalmente largos e os seios fartos.Seu rosto não pareceu 'a Lune muito japonês, apesar dos cabelos pretos e escorridos , o que levou Lune a pensar que a doutora deveria ser descendente de estrangeiros com japoneses.
Yuki cumprimentou Lune com o tradicional cumprimento japonês e desta vez Lune respondeu com o gesto correto, cumprimentando-a corretamente também.A doutora sorriu diante da educação da mocinha.
-Boa tarde, Senhorita Lune.Por favor, deite-se naquele divã ao lado da poltrona!
Lune, ainda com uniforme escolar, obedeceu, meio contrariada. Preferia se sentar na poltrona e estar no lugar da psicóloga.
-Eu sou  Doutora Yuki Amana.É a primeira vez que você vem  uma consulta de psicanálise?
-Sim.
-Muito bom ! Então, você verá que é muito simples.Eu gostaria que você por favor me contasse seu passado, sua vida,tudo o que você se lembrar, e de vez em quando te farei umas perguntinhas, ok?
-E por que eu teria de contar a minha vida, se você é uma pessoa desconhecida para mim?
-Não teria muito sentido contar a sua vida a uma pessoa que você conhecesse bem, você não acha?
-Não faz sentido contar a minha vida para quem quer que seja, Yuki-sempai.
-É? E desde quando você pensa assim,Senhorita Lune?
-A senhora está tentando manobrar meu raciocínio, Yuki-sempai !Manipuladora !

(por continuar)

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