-Que bom ! Agora, quanto à sensação de
inferioridade que você sentiu ao encarar a sua família, e a vergonha que você
sentiu pela censura de todos e o clima ruim na viagem de volta,Lune-san, você
não percebeu, mas a principal censura vinha de você mesma. Na verdade você não
se sentia inferior a eles e sim à si mesma.A impotência diante do Mundo nos
traz mesmo sensação de inferioridade, não comandar a situação e perceber que a
situação é comandada pelos outros nos
traz profunda decepção e frustração.Mas quantas situações na vida nós dominamos?Quantas
decisões dependem apenas de nossas vontades?Nem todas !E somos menores que o
mundo por causa disto?Ora, não seria uma enorme prepotência e arrogãncia nos
julgares maiores que o mundo que nos rodeia?Se ele nos rodeia, não há como
sermos maiores do que ele.Mas sim, sim, nossa vontade é a de que tudo e todos
dependam de nós e nossas vontades , como se divindades fôssemos ! Mas vamos parar
para pensar um pouquinho: não seria para nós um fardo grande demais ter todos e
tudo dependendo de nós? A dependência é cruel tanto para quem depende de como
com quem comanda.A cada poder se elege uma responsabilidade, então o que parece
uma posição vantajosa, na verdade é uma posição de dependência,por que a
responsabilidade é uma relação dialética e interativa de interdependência entre
as partes, e a parte de quem comanda tem o peso da responsabilidde sobre seus
comandados e a insegurança das consequencias sobre eles, de suas decisões, que
pode acarretar a própria perda de seu comando.Quem comanda tem de zelar pela
sua imagem perante os comandados.Então, a inferioridade do comandado é apenas
aparente.Mas onde as situações sociais erram é na verticalização das relações
através das hierarquias.E a hierarquia é a base de qualquer sociedade humana.Há
que se pensar mais horizontalmente.Então, por que se censurar se todos a
censuram?Eles sabem os verdadeiros motivos que a levaram a agir como você
agiu?A sua prima não agiu mal em te levar para a rua com claras intenções de
brigar com você físicamente?Ela também
tem boa parcela de culpa, portanto, eles foram injustos em culpar a você por
tudo.Mas como sua prima não estava presente no carro, descontaram a raiva e a
vergonha que eles passaram em você.Mas não havia na verdade, necessidade de
você ter vergonha de si mesma por causa da vergonha que eles sentiram.Você não
sentiu vergonha, e não pode se censurar por isto, é o seu jeito de ser, que as
pessoas tem de respeitar.
-Mas eu perdi a briga, Rina-san, ela me
bateu..ai,aiai !
-Desculpe, eu deveria ter limpado o ferimento
com mais delicadeza.Olha, Lune-san, você ter aceitado a briga com ela e ter
embarcado na atitude de violência dela foi um erro , de fato.Você sabia que ela
era mais alta e forte que você, então deveria entender que seria uma luta
perdida.Mas ainda assim você se defendeu como pode, e não se rendeu.Então não
foi nenhuma vergonha.Atribua o erro à sua inexperiência com este tipo de
situação e considere esta experiência como um aprendizado.Você não cometerá o
mesmo erro outra vez, pois sabe que o caminho das palavras é uma espada muito
mais afiada que o da violência.Porém penso que você deve ir começando a se
preparar psicológicamente para uma onda de sermões de seus pais ou mesmo alguma
punição, mas lembre-se que o Ser Humano Honrado é aquele que arca com as consequencias
de seus próprios atos sem reclamar.Deste modo, se a punição vier, não se sinta
inferiorizada ou injustiçada.Punições passam, mas a Vida continua.O importante
é que você sinta em sua consciência ter feito a coisa certa !
-Você tem razão, Rina-san, muito obrigada !
-Você se sente melhor agora?
-Sim, você é um bálsamo para minhas dores ,
minha amiga, eu adoro você!
-Obrigada, Lune-san ! Bom, eu preciso ir agora,
mas a gente vai se vê na segunda, na aula !
-De nada, eu também quero tomar um banho agora.
Rina saiu do quarto e foi ter uma longa
conversa com os pais de Lune, enquanto esta tirava suas roupas e entrava no
banho.
Uma semana se passou e agora uma nova festa
iria acontecer, agora para o aniversário de Momiji.
A movimentação na casa dos Tamasuki era intensa
naquele domingo de manhã,com todos cooperando para a organização da festa,
menos quem?
Exato !Lune !
Ela ficara enfurnada em seu quarto lendo seus
livros de filosofia e não queria nem saber de sair de lá.De nada adiantara
Ruri, Otaru, Kazuo e até a própria Momiji pedirem e insistirem,prometerem
presentes, etc, aquilo tudo só a irritava.Até Rina, que não era da família,
quis ajudar,mas nem a ela Lune ouviu.
Perguntada se ler o bendito livro era mais
importante que o aniversário da própria mãe dela, a resposta dela foi um seco
Sim!
Para Lune, se eles sequer compareceram ao
aniversário dela, por que ela iria ajudar a organizar e comparecer ao
aniversário da mãe dela? Só por que Momiji era mãe dela? Para Lune, este era um
argumento emocional, não racional, portanto era fraco e inválido. E ela se
comprometera consigo mesma a terminar de ler aquele livro naquele dia e não
iria se apressar só para satisfazer as
vontades dos outros. Os outros que esperassem ela terminar primeiro, oras, os
assuntos dela eram para ela mais prioritários dos que os de quaisquer outros e
ponto final, sem mais discussão. Afinal, porque só os assuntos dos outros
tinham de ser prioritários para os outros e os dela não?
Ela assim via os assuntos dos outros como meros
caprichos e os dela como metas estratégicas e prioritárias que ela tinha por
obrigação cumprir a ferro e fogo e as
demais pessoas teriam de esperar sua vez na fila de prioridades e missões que
Lune organizava todos os dias para si mesma mentalmente. E naquele dia, aquela
festa estava no último lugar da lista. E a ordem que ela estabelecia para suas
prioridades e tarefas era rígida e tinha de ser cumprida na ordem
estabelecida. Ela não gostava de ter de incluir uma nova tarefa, especialmente
uma imposta pelos outros, na lista, por que implicaria em reorganizar toda a
sua agenda mental e já lhe bastava o trabalho que organizar tanto lhe causava.
Sua prioridade era tamanha, que quando estava
chegando a um ponto de ônibus, por exemplo, ou a um semáforo para pedestres,
ela esperava e desejava ,na verdade mentalmente ordenava, que o ônibus
esperasse a ela chegar ao ponto primeiro
antes de chegar e sair, ela não iria apertar o passo para pegá-lo; e o semáforo
tinha a obrigação de esperar a ela chegar na frente dela para abrir para ela, ela
também não apertaria o passo por causa dele.
Caso o ônibus não a esperasse ou o semáforo
fechasse, ela os "punia" pela "desobediência" deles
xingando-os mentalmente. Então, tudo na vida real tinha de obedecer suas
ordens e vontades, inclusive as pessoas, e quando não ocorriam, ela sempre
arranjava uma maneira de "punir".
O chofer do ônibus nunca saberá o quanto foi
xingado, nem o semáforo, claro, mas sempre que dava, algum tipo de punição
física ela impunha às pessoas, animais e objetos inanimados que não a
"obedeciam".
Como , por exemplo ,chutar algum objeto que a
fizesse tropeçar(no entender dela).Ela aliás, adorava punir, mas detestava ser
punida!
Como no dia seguinte ao escândalo na prima
dela, em que Momiji, sabendo que não adiantava deixá-la de castigo no quarto
dela, pois ela nem ligaria e ficaria nos livros dela, resolveu puni-la
mandando-a lavar uma pilha de louças suja, algo que ela sabia que Lune
detestava.
E sempre que punida, nossa heroína planejava
suas "vingancinhas".
E era justamente uma delas o principal motivo
de ela não estar nem aí com o aniversário da mãe e sequer a cumprimentar no
domingo de manhã.
Mas a experiente Momiji sabia das coisas e
apesar de ao invés de receber um "Feliz aniversário!" , ter recebido
um "Eu te odeio! Morra por favor !" da filha no seu dia especial logo
cedo, ela, logo que a festa começou, mandou aumentar o volume do som a ponto de
Lune escutar alto dentro de seu quarto e atrapalhar a concentração dela.
Resultado, a contragosto e revoltada, sentindo-se
pressionada, ela acabou se trocando e se arrumando e desceu para a festa na
sala.
A festinha contava com umas trinta pessoas,
incluindo Marika e Rina.
Assim que Lune chegou, o volume do som foi
diminuido para o volume normal, baixinho. Ela simplesmente ignorou a mãe como
se nem existisse e fez a mesma coisa com Marika, que tentou lhe pedir
desculpas, abaixando seu tronco e cabeça para ela, mas Lune, numa grosseria
extrema para os hábitos japoneses, fez de conta que nem viu, passou direto por
ela, cumprimentou Rina e começou a conversar com ela, como se Marika nem
existisse, o que deixou a outra garota tremendo de raiva!
Durante a festa ficava abraçando o pai o tempo
todo e ignorando a mãe, e sorria diante do constrangimento social desta, e os
convidados, muitos deles amigos da família e parentes, ficavam olhando-se entre
eles, espantados e descrentes entre eles, passando a eles uma péssima
impressão!
Uma determinada hora, Lune foi buscar mais
refrigerante na geladeira, na cozinha, quando Marika a seguiu.
-Escuta aqui, sua malcriada, até quando vai
ficar me ignorando, heim? Já não bastou a surra que levou, quer outra, é?
Disse Marika, furiosa.
-Não é livre quem não obteve domínio sobre si. Pitágoras.
-Você também não se controlou!
-A Ambiguidade faz parte da essência de se ser
um Ser Humano. Lune Tamasuki.
-Ah, mas que convencida, agora se acha filósofa
também !
-´Só sei que nada sei, e o fato de eu saber
disto me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa. Sócrates.
-Aaaaah, que raiva! Você está me dando nos
nervos com a sua arrogãncia!
Lune sorriu e sem olhar para prima, respondeu:
-Eduquem os meninos e não será preciso educar
os Homens. Pitágoras.
Marika estava soltando fumacinha pelas orelhas,
de fúria, diante da indireta, mas eis que Rina entrou na cozinha e viu as
faíscas saindo dos olhos da duas, e o sorriso maquiavélico e cruel de Lune, na
certeza de que desta vez ela triunfara e ganhara a briga brilhantemente.
Sabendo que Rina era amiga de infância de Lune,
e que era mais alta e mais forte que ela, Marika retirou-se da cozinha, com
olhos molhados de frustração. Sua vontade era de surrar Lune a noite toda!
-Parece que desta vez você se deu bem,
Lune-san! E resolveu a situação sem brigas.
-Só usei citações bem básicas e populares , algumas
óbvias mesmo, bem chichês, por que eu sabia o quanto ela é ignorante,
então fui o mais rasa que pude.
(por continuar)
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