... -Huum, entendi, ainda é incapaz de admitir e enfrentar suas fantasias sexuais.Bom, pelo visto o senhor tem muito pouco conhecimento sobre o comportamento e a fisiologia dos ratos.Seria esta sua fobia um mêdo do desconhecido?
-Eu acho que sim, porque vocês são imprevisíveis
,doutora.Não dá para prever quando irão atacar!
-Nossa, mas é teimoso! Eu explico e ele não entende, o
que é que eu faço com este ignaro estúpido...eu já não te falei que não temos
motivos para atacá-lo?Que nem tem como, e que não temos como ameaçar sua
vida?Você sim, é uma ameaça para a gente!
Paciente encolheu-se mais ainda, mãos na cabeça,
tremendo novamente:
-Não fica brava não, moça, por favor!Não me ataque ! Não
me ataque !
-Huuum, me chamou de moça...será que existem aí nest seu
comportamento, segundas intenções?Aaaaam...disse a terapeuta, lambendo os
beiços.Depois, deixou o tom sensual e voltou a falar sériamente:
-Você sabia que assim você atiça nosso instinto de
perseguição?Para a gente, pedir para não atacar é a mesma coisa que pedir para
atacar.Bom, mas recuso seu convite.Concluo então que o senhor teme o que
desconhece, e como não consegue prever nosso comportamento, e na verdade desconhece
que nossa única reação é simplesmente fugir,e nos escondermos,se sente impotente
e incapaz diante de sua ignorância, e se envergonha de ser um incapaz e irracional e esta
impotência o leva à refletir em você mesmo
uma imagem irracional e assustadora de um rato hipotético e cruel que na
verdade não existe.
-Acho que meu medo não é tanto do rato em si, doutora,
mas do símbolo que ele carrega, o nosso inconsciente,sabe...
-Entendi, entendi.Vou fazer um jogo de sombras;olhe para
minhas mãos e depois para as sombras na parede:
A terapeuta fez um teatrinho com as mãos imitando ratos
ameaçadores e ferozes atacando.Paciente ficou apavorado de novo !
-Huuum, interessante a sua reação.Observe agora.
A terapeuta moveu o foco de luz de um modo a alongar as
sombras de modo à ficarem muito maiores.Paciente ficou de tal maneira
aterrorizado que pendurou-se no ventilador de teto de novo!
No chão, a ratazana rolava de rir ! Então, recompôs-se:
-Ai, você é mesmo muito engraçado, Paciente!Bom, mas
falando sériamente, meus experimentos demonstram que o seu inconsciente,haja
visto a grande potencia de sua imaginação,acreditou que os ratos tinham ficado
muito maiores, ferozes e assustadores na segunda experiência.
O "símbolo" a que você se refere nâo é você
mesmo que o produz?Ou foi o rato que o produziu para você?
-Fui eu, doutora.
-Muito bem, agora estamos chegando à algo importante em
seu tratamento.Se foi você que o
produziu,não seria este "símbolo" na verdade a imagem que você faz de
si mesmo?Talvez uma imagem de você mesmo como um incapaz e impotente seja mesmo assustadora, medonha, uma imagem
muito maior que si mesmo, porque você não a quer enfrentar, você quer fugir,mas
ao fugir de você mesmo você se sente ainda mais incapaz e impotente e sua
auto-imagem fica ainda maior e mais assustadora, num ciclo que nunca termina.O
que acha da minha teoria?
-Acho que a senhorita tem razão,doutora.
-E como podemos quebrar este ciclo?Já refletiu sobre
isto?
-Não, nunca tinha pensado nisto.
-Está disposto a refletir, à se enfrentar?
Encorajado, Paciente respondeu animadamente:
-Sim !
-Muito bem, bravo ! Enfim algum progresso!Então, pegue
aquele espelho de mão em cima da cômoda.Não precisa ter mêdo de mim, pode ficar
tranquilo que te prometo que permanecerei sentadinha aqui.
Com mil cuidados e temores, ainda trêmulo, Paciente foi
nas pontas dos pés e pegou o espelho e voltou correndo para cima da cama de
novo.
-Olha, que legal,bravo, bravo, este é um menino
corajoso!Muito bom. Agora, olhe-se no espelho.Lembre-se que este é o
"espelho da verdade", ele não reflete a sua imagem, mas a imagem que
você faz de si mesmo.Agora, olhe para ele.
Paciente olhou e formou-se uma imagem de um rato descomunal.O
rapaz saltou para trás de susto a ponto de bater a cabeça na parede.
O espelho caiu na cama.
-Calma, calma, este não é o verdadeiro você.Olhe outra
vez, confiando que desta vez o espelho mostrará como você gostaria de ser.Confie
em mim, não será nada assustador.
Novamente,Paciente, ainda trêmulo e nervoso, ao ver que
não tinha escolha à não ser confiar em quem tinha medo, mas tentando
convencer-se de que ela não teria razão para mentir para ele, ele acabou
olhando pela segunda vez.
Desta vez o que apareceu foi a imagem de um rapaz jovem
e bonito, apenas malcuidado.
-Que alívio, não?Eu não disse que você podia confiar em
mim, Paciente?Afinal, sou sua terapeuta, quero a sua cura, o seu bem, não estou
aqui para lhe agredir.Nem os ratos aparecem para agredir.Se você não os acuar,
e não os atacar, que razão terão eles para lhe atacar?Ratos só atacam em último
caso, para tentar sobreviver, quando sua existência está ameaçada, por exemplo,
por você.
-A senhorita...eu não consigo discordar da doutora...
-Então não precisa se frustrar, meu jovem, você é capaz
de se enfrentar, demonstrou muita coragem, hoje, estou orgulhosa de você!Olhe
para mim agora.O que você vê?Que tamanho eu tenho para você?
O que era antes uma ratazana do tamanho de um gato
grande e gordo, agora era um rato preto de esgoto do tamanho de um porta- óculos.
-Acho que você deve ter uns quinze centímetros de
comprimento , mais uns dez ou quinze da cauda.
-Excelente ! Muito bem, gostei de ver, hoje a consulta
rendeu muito!Bom, mas infelizmente nossa consulta terminou por hoje, eu te vejo
na semana que vem!Tchauzinho !
E quando deu por si, o rato andava nas quatro patas
novamente e correu para debaixo da porta, foi embora e sumiu.
Paciente bocejou.
-Que sonho estranho, eu ,heim?
E voltou a dormir tranquilamente.Ou ao menos acho que
estivesse dormindo,mas não sabia se estaria sonhando de novo ou acordado.
O que ele viu,ao abrir os olhos e logo fechar de
novo,foi uma mulher humana, saindo do quarto e apagando a luz.A consulta dela estava
terminada,pensou ele.No armário do corredor, ao lado da porta,o rato olhava,
escondido, a moça ir embora cansada depois da consulta tardia,mas estava com
muito sono e não sabia também se sonhava ou estava acordado.Mas sabia que sua
fome era real.Ou ao menos parecia.
Agora, tudo era paz, silêncio e escuridão no Hospício, e
o rato foi para a cozinha atrás de alguma guloseima para comer.
Até onde o Paciente sonhou,ou se foi hipnotizado, ou que
gênero de experiência ele passou naquela noite,se foi sonho ou realidade, e
quem era real, se o rato ou a moça,cabe a você,leitor(a) pensar; o rato, bom, o
rato talvez saiba, mas não irei contar...
FIM
Cristiano Camargo
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