...Foi quando tudo começou a fazer sentido, e um mundo maravilhoso se descortinou diante de mim:pterossauros voavam pelos ares, um lindo sol nascente se erguia, as nuvens eram coloridas e lá embaixo milhares de dinossauros passeavam,num prazer de viver inenarrável!
Descemos e pousamos suavemente no que parecia um vale
imenso, de largas campinas, e um largo rio no meio, serpenteante.Ao fundo, a perder
de vista, florestas e montanhas majestosas.
Foi quando vimos um pequeno grupo de dinossauros
imensos, de quatro patas, pescoços e cauda muito longos, em especial seus
pescoços.
-É um Mamenchissauro, papai !É um saurópode e ele é
muito mansinho !Não tenha medo, ele só come vegetais !
Disse meu filho, que com um generoso ramo de samambaia
atraiu o enorme animal para si.
Fiquei impressionado com as dimensões do dinossauro, e
agora entendia a fascinação de Caius por eles !
A cabeça, não maior do que a de um cavalo, se aproximou
do chão , na ponta do pescoço generoso, e seu olhar tinha a mesma meiguice e
doçura dos olhos de meu filho.Eu percebia que em cada animal ali, tinha um
pouquinho do Caius neles !
O Mamenchissauro delicadamente abocanhou o ramo de
samambaia, e com seus dentes prognatos, puxou a folha, levando os ramos e
deixando só o talo.
Acariciei a cabeça dele, e suas escamas era suaves e
macias ao toque, como as de uma serpente.Não eram ásperas como eu pensava.
-Vamos subir nele para passear , papai !
O dinossauro manteve a cabeça baixa e o Caius subiu pelo
pescoço como quem sobre numa árvore, até chegar nas largas costas
dele.Confiando em meu filho, fiz a mesma coisa.
Estávamos agora oito metros acima do chão, e o gigante
começou a andar!
Então observei tudo ao redor, e a majestade daquelas
hordas intermináveis de dinossauros dos mais variados tipos e tamanhos era algo de inesquecível !
Novamente um bando de pterossauros vieram nos saudar,
fazendo um vôo rasante.
-São pteranodons, pai ! Olha como são lindos ! E aquele
é um Quentzalcoaltlus, o maior que já existiu !
Olhei para cima e fiquei estupefato; os Pteranodons, com
suas cristas espetaculares eram de tirar o fôlego, mas o Quentzalcoallus os
superava em muito em tamanho, sendo do tamanho de um avião pequeno, e fiquei de
queixo caído !
Nisto, vi um casal de enormes tiranossauros, mas Caius
me tranquilizou, dizendo que nosso dinossauro era grande demais até para eles,
e que estávamos seguros.E chamou o maior de todos os pterossauros para se
aproximar de nós.
-Vem, pai, vamos saltar nas costas dele e voar !
Todos os que viviam ali tinham um olhar de obstinação e
esperança, o mesmo de Caius, e na verdade eu reconhecia um pouco de Caius em
cada um deles!
Foi quando me emocionei:a ficha tinha caído- eu estava no
mundo dele, aquele mundo interior onde ele vivia.Passamos para outra dimensão,
onde as naves espaciais dos filmes de ficção científica que ele adora passavam
por nós majestosas, até ver a toda gloriosa Terra lá em baixo, e chegarmos a um
imenso país desconhecido,cheio de gente, e os carros, ah, os carros eram
exatamente aqueles que ele tanto desenhava, assim como os aviões,que eu
admirava -tinham uma beleza que eu nunca vira no papel,ao vivo era algo de
extraordinário!
Olhei para o céu e as palavras das estórias que ele
escrevia flutuavam no ar como se fossem
nuvens, e agora elas faziam mais sentido do que nunca, agora eu entendi os
maravilhosos sentimentos por detrás delas!
Eu estava maravilhado e quando o vi, ele estava de
costas para mim, de pé, flutuando entre as nuvens e os textos voavam,os
desenhos também, como os personagens, e Caius tinha uma batuta na mão , e
parecia mesmo um maestro, quando as orquestras flutuante começaram a tocar as
músicas que ele gostava,e ele ia orquestrando tudo a volta naquele mundo imenso
e era de uma tal harmonia, que fiquei imensamente encantado.Eu tinha orgulho do
mundo do meu filho, meu filho, foi capaz de construir tudo aquilo,e eu tive de
encarar o fato de que realmente eu absolutamente não conhecia quem era meu
filho, e ali estava sua essência, toda aquela beleza harmônica, uma grande
alegria de viver, que preencheu meu coração!
Repentinamente, o céu escureceu, nuvens de tempestade se
formaram e imensos raios iluminaram o firmamento,e deles pude sentir a sensação
que emanava:sofrimento!
Flutuando pelo ar uma horda de esqueletos de animais
pré-históricos e modernos avançava como um exército, liderado por um homem de
meia idade, de jaleco, óculos e bigode,que tinha uma cinta na mão, e cada vez
que a brandia, ouvia-se o tenebroso soar de um trovão.
Caius tinha uma espada na mão e tentava lutar sozinho
contra aquele exército,mas estava tendo
dificuldades e se machucava.
Eu não podia ficar parado e só olhando.Desejei ter uma espada na mão,e
ela apareceu, e me juntei ao Caius no embate da batalha, que foi árdua, mas
finalmente conseguimos vencer.Agora só o Homem de jaleco restava, e Caius
apontou para ele e me disse:
-É o Doutor Realidade !Preciso derrotá-lo!
Quando olhei para aquele homem alto, robusto , ele
parecia ter , à princípio,um olhar severo, intempestivo, de alguém extremamente
instável e imprevisível.Mas um segundo olhar mais atento me fez cair a ficha,
que eu até então não tinha percebido:aquele
homem era eu, e quando ele olhou para mim , ele se tornou transparente,
e eu e ele nos tornamos um só, e só então percebi que estávamos só eu e o Caius agora naquele mundo,e eu estava na posição do
céu que o Doutor Realidade até então ocupava.
Olhei para a minha mão direita e minha espada tinha se
transformado numa cinta.Horrorizado, deixei ela cair,e lágrimas caíram de meus
olhos quando pensei comigo mesmo:
-Então o meu filho me vê assim...
Pela primeira vez em tanto tempo naquele mundo, Doutor Realidade
chorou,e ao ver a cara de espanto de Caius,pela primeira vez ele sorriu.
-Filho, não precisa derrotar o Doutor Realidade.A
máscara já caiu.Você venceu.E eu venci também.Agora, e doravante, não
serei nunca mais o Doutor Realidade,
serei apenas...seu pai!
Abri meus braços, com os olhos rasos ao perceber que
também Caius os tinha!
Ah, por quanto tempo na vida dele ele esperou por
isto!Um velho sonho se realizava e ele
também abriu os braços e me disse pela primeira vez, não apenas naquela vez,
não apenas naquele mundo, mas na
realidade também,o que por tanto tempo eu sonhara ouvir, e na verdade até mais:
-Papai! Eu te amo !
Corri a abraçar-lhe eternecido, e um arco íris apareceu
naquele céu, letras, aviões, carros, astronaves, dinossauros, lobos e raposas
tudo voava dançando em volta de nós irradiando uma alegria exultante !
O dia nascia belíssimo e adquiria uma cor nova e
belíssima, muito mais alegre, eu podia sentir, tudo aquilo era o coração de meu
filho, felicidade!
Então acordamos juntos, ele ainda me abraçando.
Desde aquela noite maravilhosa, passamos a ser grandes
companheiros, e o progresso dele em todas as áreas foi célere,orgulhosamente
superando limites e barreiras , para minha intensa alegria!
Um dia, quando ele já era adulto e eu já coçava meus
cabelos brancos,o observava escrevendo no computador,e me lembrei ternamente do
dia em que ele me olhou na incubadeira e me deu aquele olhar, e pude me sentir
realizado enfim, tinha valido a pena confiar nele ,sofrer por ele, lutar com
ele e nunca ter perdido a esperança!
FIM
Cristiano Camargo
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